O Estado de São Paulo (2020-03-23)

(Antfer) #1

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A10 Esportes SEGUNDA-FEIRA, 23 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


ROBSON


MORELLI


4 PERGUNTAS PARA...

Paulo Favero
Raphael Ramos


Nenhum país está sofrendo
tanto com a pandemia do no-
vo coronavírus como a Itália,
que já superou a China em nú-
mero de mortos por causa da
doença. Entre os atletas brasi-
leiros que estão no país, três
importantes nomes têm en-
frentado limitações para se
preparar para os Jogos de Tó-
quio, mesmo sem saber se a
Olimpíada será de fato reali-
zada em julho. Os jogadores
de vôlei Leal e Bruninho, as-
sim como velejador Robert
Scheidt, estão morando lá.

O cubano naturalizado
Yoandy Leal e Bruninho jogam
no Lube Civitanova, clube da
província de Macerata. Depois
de ficarem impedidos de sair de
casa, eles conseguiram fazer
musculação na academia do clu-
be após acordo com o governo
local. A liberação, no entanto,
só foi feita mediante uma série
de restrições. “Tudo é cheio de


precauções e medidas sanitá-
rias. Apenas dois atletas entram
na sala de musculação e têm de
ficar a uma distância de quatro
metros. Enfim, não está sendo
fácil”, contou Leal.
Os dois até tentaram voltar
para o Brasil, mas foram impedi-
dos pelo Civitanova. “Eu e o Bru-
no entramos em contato com o
clube para que pudéssemos sair
e ir ao encontro de nossas famí-
lias. Mas o clube não nos autori-
zou. Teremos de ficar aqui e en-
frentar essa difícil situação dia-
riamente. Queria ir para casa
porque acredito que seria o me-
lhor. Estar sozinho, sem poder
por mais de 40 dias fazer nossas
atividades regularmente, é mui-
to difícil, principalmente por
causa das incertezas do futu-
ro”, disse o atleta.
Sobre a realização dos Jogos
Olímpicos em Tóquio, o joga-
dor se mostra dividido. “Espero
que os dirigentes tomem a me-
lhor decisão. Gostaria que fos-
sem realizados já que é o princi-
pal evento de esporte do mun-

do e eu teria a chance de fazer
parte. Mas, ainda sim, com esse
vírus penso que o ideal seria es-
perar até que seja seguro sua rea-
lização”, comentou.
O bicampeão olímpico Ro-
bert Scheidt mora em Torbole,
no lado norte do Lago di Garda,
com a mulher, Gintare, e os dois
filhos, Erik e Lukas. A cidade
não tem registrados casos de co-
ronavírus, mas as atividades do
velejador também estão bastan-
te restritas. “Tenho feito exercí-
cios em casa e tenho acesso a
uma pequena academia, onde
consigo manter minha prepara-
ção física, com musculação, bici-
cleta ergométrica e alguns exer-
cícios específicos para a prática
de vela. Mas estou limitado a is-
so. Não tenho mais como prati-
car natação, pois a piscina co-
berta está fechada. Pedalar ao
ar livre e velejar também não es-
tá permitido”, disse.
Scheidt não cogita neste mo-
mento retornar ao Brasil, pois
existe o risco de não conseguir
voltar e, mesmo se tiver êxito,

terá de ficar em quarentena. En-
quanto isso, dá continuidade
aos treinos com foco em julho,
já que os Jogos de Tóquio estão
mantidos para a data original.
“É uma decisão bem difícil, mas
a prioridade número um é a saú-
de dos atletas e de todos que
estão envolvidos com os Jogos
Olímpicos. Acredito que essa
vai ser a diretriz do COI (Comi-
tê Olímpico Internacional). An-
tes de qualquer outro interesse
vem a saúde. Vamos ver o que
vai acontecer no próximo mês e
como se desenrolará tudo isso.
Nesse período, vamos conti-
nuar nossas vidas pensando
que os Jogos Olímpicos serão
em julho”, avisou.
A Itália tem sido bastante afe-
tada pela pandemia do novo co-
ronavírus. É o país com mais
mortes no mundo, com um to-
tal de 5.476, e 59.138 casos. Em
muitas regiões a situação é dra-
mática e o país decretou quaren-
tena em todas as localidades pa-
ra tentar diminuir a expansão
do vírus na população.

A


história do futebol brasilei-
ro, com seus cinco títulos
mundiais e uma legião de jo-
gadores reverenciados, entre eles o
melhor de todos, Pelé, sempre con-
tou que nossos craques foram forja-
dos na rua, descalços e adaptando a
própria bola da pelada. Sempre ouvi-
mos dizer que eles vieram das comu-
nidades pobres e desfavorecidas
dos centros urbanos. A literatura es-
portiva comprova isso. O jornalis-
mo contou histórias de todos eles.
O retrato de nossos esportistas con-
tinua fiel ao passado. O perfil do jo-
gador de futebol é o de um garoto

pobre, que mora em condições precá-
rias nas periferias das cidades e que
tem no futebol chance única de dar
uma vida melhor a seus pais e parentes
e, claro, a si próprio.
No momento em que todos se unem
na luta contra a covid-19 e a pandemia
no Brasil, esses meninos que susten-
tam o futebol brasileiro por décadas
correm perigo. Esqueçam os jogadores
consagrados e os que reverenciamos
por suas obras e conquistas. Refiro-me
aos que ainda não chegaram lá, aqueles
que estão nas bases ou que alimentam
o sonho de estar nelas. Digo mais. Aque-
les que ainda nem nasceram e pode ser

que nem nasçam caso seus pais sejam
contaminados e mortos pela doença
que desce do Hemisfério Norte e atin-
ge em cheio favelas do Sul.
Nossos futuros craques estão conde-
nados numa sociedade que não tem lu-
gar para eles. Comunidades estão sen-
do esquecidas nesta batalha contra o
coronavírus. Não há água em muitas
delas. Sabão para lavar as mãos é produ-
to raro. Cômodos separados para
quem apresentar sintomas não faz par-
te da concepção de quem vive em tais
condições. Tudo o que está sendo feito
no Brasil para coibir o avanço da doen-
ça não é feito pensando nessa gente.
Mais do que nunca, estão excluídos.
A conclusão não é apenas minha. É
dos líderes comunitários que tentam
se organizar para fazer o trabalho que
nossos governantes não fazem. O siste-
ma está contaminado. Daí a necessida-
de de mudar o Brasil, de deixar de lado
disputas políticas em prol da constru-
ção de uma sociedade mais igualitária,
sem retórica, onde a doação individual

e o trabalho voluntariado, sempre
bem-vindos, não podem ser a forma
mais eficiente de tratar dos menos fa-
vorecidos. Agora, tudo é improvisado,
feito puxadinhos. Espero que o Brasil
tenha bons jogadores nas próximas dé-
cadas, quando o País superar a pande-
mia e apresentar para a sociedade o
perfil dos seus mortos.

Construímos estádios para a Copa
do Mundo e centros esportivos desti-
nados aos Jogos Olímpicos. Sabemos
que essas obras foram importantes pa-
ra gerar empregos e referência. Trouxe-
ram negócios ao Brasil. Sabemos ainda
que muito dinheiro foi mal empregado
e que construções foram inúteis, sem
entrar no mérito das falcatruas que es-
tão sendo investigadas por órgãos com-
petentes. O fato é que precisamos tam-

bém de outros tipos de obras e aten-
ção que o coronavírus nos joga na
cara. Hospitais aparelhados, equipa-
mentos de saúde, moradias, sanea-
mento básico, educação, menos tra-
balho informal e mais trabalho regu-
lar, empresas consolidadas, riqueza
para superar turbulências, verbas
para pesquisas... Não é errado que-
rer ser sede de Copas e Olimpíadas.
Errado é abandonar a população po-
bre, de onde brotam nossos cra-
ques, por exemplo. O Brasil anda na
contramão.
A paralisação que a doença causa
no futebol brasileiro dá também
um soco no estômago de nossos diri-
gentes, que agora se encontram
sem reservas para sobreviver. Não
há dinheiro em caixa. Não há bilhe-
terias porque não há jogos. Não há
venda porque o mercado está com
outras preocupações. Clubes vão
cair de joelhos na porta de governos
e bancos. É outra derrota que o ví-
rus nos impõe.

Fórmula 1 pode


ter mais


cancelamentos






Como o COB está lidando
com o retorno de atletas de
fora do País?
A preocupação do COB, em
primeiro lugar, é com a saúde
e integridade física dos atletas
e suas comissões técnicas. Foi
feito um levantamento dos
atletas brasileiros que estão
fora do país, seja em treina-
mentos ou que foram para
competições. Vários são resi-
dentes no exterior e optaram
por permanecer lá. Estamos
monitorando os que retornam
ao Brasil quanto aos possíveis
sintomas e reforçando para
que sigam as recomendações
e as precauções indicadas pe-
los órgãos de saúde.





Quantos atletas estão
fora do Brasil neste mo-
mento?
Atletas de 32 esportes olímpi-
cos (incluindo verão e inver-
no) residem ou estão em trei-
namentos no exterior, segun-
do o que foi apurado junto às
confederações brasileiras na
última semana.





Como é essa quarentena
de quem retorna do exte-
rior para o Brasil?
O termo correto é monitora-
mento. Orientamos que os
atletas se mantenham isola-
dos e, se demonstrarem os sin-
tomas, reforçamos que sigam
todas as orientações repassa-
das pelos órgãos de saúde.





O quanto essa pandemia
pode atrapalhar a campa-
nha na Olimpíada?
É prematuro falar da campa-
nha em Tóquio. Neste momen-
to, estamos falando da prepa-
ração dos atletas já classifica-
dos ou buscando qualificação,
que certamente foi afetada.
Seja no aspecto físico, técnico,
mas principalmente emocio-
nal. É um momento de muitas
incertezas e informações, que
temos de manter a calma.

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


A Fórmula 1 vive um pesadelo
financeiro com o novo coronaví-
rus. Até agora sete etapas do ca-
lendário foram afetadas pela
pandemia, duas delas desmarca-
das. O campeonato só deve co-
meçar em junho e ter pela fren-
te mais alterações na agenda e
muitas discussões sobre acor-
dos para compensar as perdas
pelos cancelamentos.
A preocupação é resolver as
brigas com os organizadores lo-

cais dos GPs e insatisfações das
equipes. Cada etapa paga em mé-
dia R$ 160 milhões por ano para
a F-1 como taxa de promoção,
valor que não é recebido em ca-
so de cancelamento. Outro im-
pacto de tirar as provas do calen-
dário é sacrificar as equipes, que
dependem delas para fazer cam-
panhas com patrocinadores e re-
ceber dinheiro de premiação.
“Precisamos conversar com
a Fórmula 1 sobre o seguro das
corridas canceladas”, disse a
chefe da Williams, Claire Wil-
liams. A corrida na Austrália foi
desmarcada pouco antes do iní-
cio dos treinos, e os torcedores
terão de receber o dinheiro dos
ingressos de volta.

A Fórmula 1 tem sido cuidado-
sa para anunciar as decisões de
calendário e prefere tratar as
provas como adiadas, para não
ter problemas contratuais com
patrocinadores e devolver a ar-
recadação com bilheteria.
Procurada para comentar o
assunto, a Fórmula 1 não res-
pondeu o contato do Estado.
Um dos GPs com o maior risco
de ser afetado é o da Itália, em
Monza. O circuito fica no norte
do país, região mais afetada pe-
la pandemia do novo coronaví-
rus. É possível que com a remar-
cação de corridas adiadas o ca-
lendário seja prolongado e algu-
mas etapas sejam marcadas pa-
ra dezembro. / CIRO CAMPOS

Coronavírus. Estrelas como o velejador Robert Scheidt e os jogadores de vôlei Bruninho e Leal estão no país com mais mortes no mundo


Rogério Sampaio
Diretor-geral do COB

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Andamos na contramão


Lutadora volta ao


País e comemora


vaga em casa


lMilena Titoneli voltou do Pré-
Olímpico com sua vaga no
taekwondo para os Jogos de Tó-
quio, mas nem pôde comemorar
direito por causa das restrições
para quem retorna ao Brasil.
“Graças a Deus conseguimos
voltar para casa porque corría-
mos o risco de nem conseguir
pegar o voo de volta por causa
do coronavírus. Foi tudo tranqui-
lo, mas ainda não consegui come-
morar a vaga com meus compa-
nheiros de equipe e família”, con-
tou a lutadora.
Ela recebeu diversas recomenda-
ções e tem mantido contato dia-
riamente com o médico Thalles
Messora, de sua equipe, a Two
Brothers Team. “Tivemos todos
os cuidados necessários.”

A covid-19 vai atingir em cheio
as favelas onde brotam há
décadas os craques brasileiros

GINTARE SCHEIDT

Brasileiros têm dificuldades na Itália


Espera. Robert Scheidt
não pode velejar no Lago
di Garda neste momento
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