O Estado de São Paulo (2020-03-23)

(Antfer) #1

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B2 Economia SEGUNDA-FEIRA, 23 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Primeira Pessoa


E-MAIL: [email protected]

O


s economistas gostam de se
autorrotular ou de atribuir ró-
tulos a seus colegas. Alguns
se dizem de esquerda, keynesianos,
novos keynesianos, desenvolvimen-
tistas, neoclássicos, liberais e, mais re-
centemente, ultraliberais. Essas clas-
sificações refletem ideologias, não
pensamento analítico e de natureza
científica. Ou, na visão de Yuval Noah
Harari, autor de Sapiens – Uma Breve
História da Humanidade , é mais apro-
priado chamá-las de religiões.
A bem da simplificação e já que ideo-
logia está na moda, vou cometer essa
mesma impropriedade e dividir os
economistas em de esquerda, de cen-
tro e de direita.
Os de esquerda estão corretos no
diagnóstico de que a economia capita-
lista não conseguiu resolver os proble-
mas da desigualdade e da pobreza,
mas se perdem completamente ao
apresentarem propostas para solucio-
nar essas questões.
No centro, encontramos os profis-
sionais mais flexíveis. Defendem o li-
vre mercado, mas reconhecem suas
imperfeições. Acreditam na necessi-
dade de os governos agirem firme na
regulação, na defesa da concorrência
e em políticas públicas ativas para
combater a pobreza e as desigualda-
des. Compreendem que o investimen-
to privado jamais substituirá total-
mente o público. Reconhecem que os
ciclos econômicos são inerentes às
economias de mercado e que tanto a
política monetária quanto a fiscal de-
vem suavizar essas flutuações.
Na direita estão os ultraliberais. Es-
tes ainda acreditam plenamente nas
expectativas racionais, na economia
preponderantemente formada por
mercados de competição perfeita e na
ingênua visão de que o setor privado
pode cuidar de tudo, ou de quase tu-
do. Aumentar gasto público é sempre
ruim, pouco importando se a econo-
mia opera ou não abaixo do seu nível
potencial. Continuam dogmáticos se-
guidores do pensamento econômico
da Universidade de Chicago dos anos
60 e 70 do século passado. Se é para
dar rótulos, eu prefiro chamá-los de
neoclássicos desatualizados. Infeliz-
mente, essa visão predomina na equi-
pe econômica de Bolsonaro, com hon-
rosas exceções.
É essa postura ideológica, quase re-
ligiosa, que explica e lentidão para

cair a ficha do governo sobre a gravida-
de da crise econômica que o País vai
enfrentar em decorrência da necessi-
dade de isolamento social para evitar
a proliferação incontrolável do surto
da covid-19.
Até o final da semana retrasada, na
contramão do que acontecia no resto
do mundo, o presidente zombava da
epidemia e Paulo Guedes dizia que a
melhor resposta para o problema era
o Congresso aprovar rapidamente as
reformas estruturais, e as principais,
tributária e administrativa, nem se-
quer haviam sido encaminhadas ao
Legislativo. Somente no final da se-
gunda-feira dia 16/3, depois de muita
cobrança, o ministro apresentou o es-
boço de um plano de R$ 147,3 bilhões
para atenuar os efeitos econômicos
do surto e para financiar ações volta-
das ao seu combate.
As medidas, embora na direção cor-
reta, soavam fracas. Não havia nada
para o setor informal e não se cogitava
qualquer expansão fiscal contracícli-
ca. O pacote centrava-se mais em an-
tecipações, como do 13.º salário para
os aposentados (só no final de maio),
promessa de reforço do Bolsa Famí-

lia, liberações do PIS-Pasep, deferi-
mento para o pagamento de tributos
e recursos adicionais (insuficientes)
para a saúde.
Mais cobranças, e as medidas fo-
ram sendo paridas a fórceps. Surgi-
ram alguns recursos para os infor-
mais e, com a aprovação do estado de
calamidade pública, deixou de ser
obrigatório o cumprimento da meta
fiscal. Fala-se que o déficit primário
poderá chegar a R$ 300 bilhões, mas
não se sabe ao certo se, quando e para
onde esses recursos adicionais serão
liberados. Não se trata de abandonar
o ajuste fiscal de longo prazo, o que
seria um equívoco, mas apenas de re-
conhecer que a contração econômica
que vem pela frente será gigantesca e
exige medidas compensatórias muito
mais ousadas.

]
ECONOMISTA E DIRETOR-PRESIDENTE DA
MCM CONSULTORES. FOI CONSULTOR DO
BANCO MUNDIAL, SUBSECRETÁRIO DO TE-
SOURO NACIONAL E CHEFE DA ASSESSORIA
ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA

Contração econômica que
vem pela frente será
gigantesca e exige medidas
compensatórias mais ousadas

D


epois dos grãos, os insumos passaram a ser a “menina dos olhos”
da Fiagril, de Mato Grosso. A empresa, que mantém os investimen-
tos em meio à pandemia do coronavírus, projeta para este ano recei-
ta 23% maior com a venda de sementes, fertilizantes e defensivos, chegan-
do a R$ 1 bilhão. Em 2019, o crescimento foi de 28%. A Fiagril vem reduzin-
do a atuação nas operações de trading de grãos, nas quais as margens são
apertadas para players sem ampla estrutura logística. “Grãos são um veícu-
lo financeiro para a gente fazer negócio com o produtor, mas nosso foco é a
distribuição de insumos”, diz Luiz Gustavo Silva, CEO da Fiagril. Para isso,
a empresa abriu, no início do ano, duas revendas no sul do Tocantins e espe-
ra inaugurar outras três em Mato Grosso até julho, a tempo de atender aos
produtores que vão cultivar milho segunda safra no ano que vem.


Foi difícil cair a ficha


» Mais afastadas. A Fiagril pas-
sará a contar com 24 lojas, espalha-
das por Mato Grosso, Tocantins e
Amapá. A ideia é ampliar a atuação
nas áreas paralelas à BR-163, mas
se afastar dos municípios no eixo
da rodovia, onde já existe maior
concentração de revendas. “Esta-
mos indo para as áreas novas de
desenvolvimento agrícola”, diz Sil-
va. Na mira também estão Pará e
Maranhão.


»No radar. Após a aprovação no
Congresso da MP do Agro, a Fiagril
estuda nova emissão de Certificado
de Recebíveis do Agronegócio
(CRA), de R$ 50 milhões a R$ 100
milhões. Em 2019, já fez uma emis-
são privada de R$ 20 milhões. Se-
gundo Silva, com a queda dos juros
e o recuo das ações, cresce o inte-
resse pela diversificação de investi-
mentos. E o avanço do coronavírus
não deve mudar os planos. A empre-
sa monitora, entretanto, os portos
no Brasil. “Enquanto não houver
paralisação dos portos, continuare-
mos com a nossa meta”, diz.


»Mistura fina. A Fiagril também vê
oportunidades no setor de biodiesel
e vai concluir em junho obras na
fábrica em Lucas do Rio Verde, em


Mato Grosso. A capacidade de produ-
ção aumentará 12%, e a unidade po-
derá usar, como insumo, além de
óleo de soja, óleo de caroço de algo-
dão e de milho, reduzindo o custo
com matéria-prima. “O biodiesel
nos últimos dois anos tem apresenta-
do resultado positivo”, diz o executi-
vo. A empresa avalia ainda entrar na
área de esmagamento de soja.

»Fechou o tempo. A indústria nor-
te-americana de etanol já enfrenta
dificuldades com o forte recuo do
petróleo. A commodity terminou a
semana abaixo de US$ 30 por bar-
ril. Segundo fontes do setor nos Es-
tados Unidos, algumas usinas po-
dem fechar as portas com a queda
na demanda pelo biocombustível.
O galão de etanol estava cotado a
US$ 1 nos terminais de exportação
de Houston, no Texas. Nesta sema-
na, a Associação de Combustíveis
Renováveis dos EUA anunciou que
algumas fábricas cortaram ou parali-
saram a produção.

»Ligeira. A Terra Santa está apro-
veitando a forte valorização do dó-
lar ante o real para vender antecipa-
damente soja, milho e algodão da
safra 2020/2021, que só serão plan-
tados a partir de setembro. O dólar

apreciado traz maior receita em
reais para a companhia. O diretor-
presidente, José Humberto Prata
Teodoro Júnior, conta que 40% da
produção prevista de soja, 70% da
de milho e 20% da de algodão já foi
comercializada. “Nesta época do
ano passado não tínhamos negocia-
do quase nada”, diz.

»Alerta. Bancos que atendem ao
agro estão preocupados com o fecha-
mento de concessionárias de máqui-
nas agrícolas pelo País, em cumpri-
mento a decretos municipais deter-
minando a paralisação das ativida-
des de estabelecimentos que não
prestem serviços essenciais. Até
meados da semana passada, as insti-
tuições financeiras apostavam fichas
na contratação de crédito por produ-
tores diretamente nas revendas, pa-
ra compensar o adiamento de feiras
agrícolas. “Sem o funcionamento
das lojas, o impacto (sobre a deman-
da por recursos) será maior”, diz Ro-
berto França, diretor de Agronegó-
cios do Bradesco.

»Para depois. O Bradesco vinha
preparando um novo produto, uma
linha de financiamento de maquiná-
rio semelhante às oferecidas pelo
BNDES, tanto em taxa de juros co-
mo em prazo de amortização. “Ago-
ra temos que aguardar e observar o
cenário.” Para oferecer taxas compe-
titivas com as do BNDES, bancos
precisam que os juros futuros, refe-
rência para financiamentos de longo
prazo, sejam baixos. A incerteza tra-
zida pela pandemia, contudo, pode
elevar estas taxas.

»Imbróglio. As postagens do depu-
tado Eduardo Bolsonaro sobre a Chi-
na assustaram o setor de grãos.
“Mais do que o coronavírus”, diz
uma fonte à coluna. “Causam preo-
cupação declarações que possam
comprometer nossa relação com
grandes importadores”, afirma. Ou-
tros players do segmento preferi-
ram endossar o posicionamento da
Frente Parlamentar da Agropecuária
(FPA), de que declarações isoladas
não representam o sentimento da
nação ou de qualquer setor.

LETICIA PAKULSKI, CLARICE COUTO
e GUSTAVO PORTO

N


o momento em que a maioria
das montadoras suspende a
produção para evitar o novo
coronavírus, e governo de alguns Es-
tados, como o de São Paulo, permite
que apenas as oficinas mecânicas de
concessionárias permaneçam aber-
tas, o presidente da Federação Nacio-
nal da Distribuição de Veículos Auto-
motores (Fenabrave), Alarico As-
sumpção Júnior, reverte as expectati-
va de alta de 9% nas vendas de car-
ros novos neste ano para
porcentual bem menor,
a ser divulgado no iní-
cio de abril. “Com triste-
za e, lamentavelmente,
acredito que vai cair.”
Em 2019, as vendas cres-
ceram 7,6%.

lComo estão as vendas neste mês?
Estavam estáveis na quinzena, muito
equilibrado com os volumes de feve-
reiro, mas a partir de quarta-feira o
fluxo de clientes diminuiu.

lAs revendas autorizadas vão fechar as
portas?
Há essa determinação em alguns Es-
tados, mas estamos pedindo que pe-
lo menos seja permitido manter as
oficinas funcionando para podermos
prestar assistência aos que precisa-
rem. Já conseguimos essa permissão
em alguns locais, como São Paulo,
Santa Catarina e Goiás.

lO que pode ocorrer
com o setor se as lo-
jas tiverem de ficar
fechadas por muito
tempo?
A grande parte da re-
de de distribuição não
vai suportar mais essa
crise. Muitas delas
estão com

problemas desde a crise de 2008. A
preocupação grande não é com a ges-
tão, mas com o fluxo de caixa. Nós
respondemos por 4,5% do PIB nacio-
nal. São 7,2 mil revendas em 1.
cidades do País que geram 315 mil
empregos diretos. Vamos fazer de
tudo para preservar essa mão de
obra, mas se a crise persistir alguns
não vão aguentar.

lA Fenabrave busca alternativa?
Já pleiteamos a postergação de paga-
mento de encargos e impostos e con-
seguimos. Agora estamos trabalhan-
do para a abertura de concessão de
crédito para capital de giro para as
concessionárias que tenham necessi-
dade de caixa.

lCom o fechamento das montadoras, o
que pode acontecer?
Pode começar a faltar peças e até al-
guns modelos. Temos estoques para
30 a 45 dias, mas não sabemos quan-
to tempo essa situação de paralisa-
ção vai durar, se uma semana, um
mês ou mais.

lQual a previsão de vendas para 2020?
Com tristeza e lamentavelmente
acredito que vai cair. O resultado
não será negativo, mas abaixo dos
9% previstos. / CLEIDE SILVA

Opinião


l]
CLAUDIO ADILSON
GONÇALEZ

Sementes de soja. Fiagril aposta no segmento para crescer


l Menos investimento

3,8%
foi o recuo nas vendas de máquinas
agrícolas no 1º bimestre, ante igual
período de 2019, segundo a Anfavea

‘Com tristeza e,


lamentavelmente,


as vendas de


carros vão cair’


Fiagril quer ampliar em


23% receita com insumos


coluna do


OCEPAR

O Mapa da Bolsa


Smiles ON

Via Varejo ON

CVC Brasil ON

Azul PN

Braskem PNA

10,20%

-6,29%

-12,83%

-6,77%

0,45%

● As ações que mais subiram e as que mais caíram
na semana passada

FONTE: BROADCAST INFOGRÁFICO/ESTADÃO

OBS.: EMPRESAS QUE FAZEM PARTE DO ÍNDICE IBOVESPA

Melhores

Carrefour ON

Raiadrogasil ON

Rumo S.A. ON

P. Açúcar-CBD ON

Telefônica Brasil ON

Piores

Na semana Em 1 mês
0

-69,28%

-64,01%

-68,09%

-68,95%

-56,12%

18,01%

7,02%

5,50%

2,64%

0,39%

-59,72%

-48,82%

-46,51%

-44,15%

-40,31%

Alarico Assumpção Júnior,
presidente da Fenabrave

KATIA ARANTES/FENABRAVE
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