O Estado de São Paulo (2020-03-23)

(Antfer) #1
Editor-assistente
Gabriel Manzano [email protected]
Colaboração
Cecília Ramos [email protected]
Marcela Paes [email protected]
Sofia Patsch [email protected]

Pedro Lourenço estava no
Brasil para o lançamento da
terceira coleção de sua mar-
ca, Zilver, que aconteceu na
loja de sua mãe, Gloria Coe-
lho, dias antes de o governa-
dor Doria decretar quarente-
na em todo Estado. Com via-
gem programada para Ba-
hia, o estilista mudou seus
planos e voltou para Lon-
dres – onde mora há cinco
anos – na última sexta-feira,
conforme comentou com a
repórter Sofia Patsch , em
conversa que seria ao vivo,
mas acabou sendo por telefo-
ne.

“É um período muito impor-
tante para o mundo. A curto
prazo é um tópico delicado,
acho que terá um impacto ne-
gativo para todos, mas tam-
bém acho que estávamos
num ritmo muito acelerado,
levando tudo com a barriga e
sem pensar na vida”, reflete
sobre o momento.

Aos 29 anos, Pedro se mos-
tra maduro em suas deci-
sões. A vida londrina soma-
da a experiência como dire-
tor criativo da La Perla lhe
deram a bagagem que preci-
sava para criar sua marca.
Sobre o negócio, o filho de
Reinaldo Lourenço deixa
bem claro:
“Não diz res-
peito a mim,
mas a maneira
como enxergo
a moda. Hones-
tamente, con-
sumo pouco, tenho pouca
roupa no armário. Fiz ques-
tão que minha marca refle-
tisse essa consciência.”

Com valores bem definidos,
a sustentabilidade pauta to-
dos os estágios da marca,
presente em diversas capi-
tais, como Londres, Paris,
Seul, Los Angeles, Tokyo,
Hong Kong, São Paulo, sem
contar o online. “A sustenta-
bilidade é um processo em
constante desenvolvimento.
Muitas soluções ainda não
existem. Acredito que parte
da consciência sustentável é
estar sempre procurando so-
luções que sejam mais res-
ponsáveis.” Confira os me-
lhores momentos da conver-
sa:

lA entrevista seria presen-
cial, mas depois dos últimos
acontecimentos, tivemos que
fazer por telefone. Como está
encarando o mundo após o
surgimento do corona vírus?
É um período muito impor-
tante para o mundo, a curto
prazo é um tópico delicado,
acho que terá um impacto
negativo para todos. Mas
também acho que estáva-
mos num ritmo muito acele-
rado, levando tudo com a
barriga e sem pensar na vi-
da. É uma oportunidade de

tomar decisões diferentes.
Com as mídias sociais, tudo se
tornou automático e exagera-
do, com pouca reflexão.

lO vírus está afetando a econo-
mia de forma global. Como im-
pactou nos seus negócios?
Temos que nos adaptar ao tem-
po, nessa coleção vou usar
mais tecidos do estoque, vou
reduzir um pouco, acho que o
mundo tá pedindo essa redu-
ção do aceleramento, então te-
mos que saber ver isso e tomar
as decisões necessárias. Não só
por causa da situação do coro-
na, mas pela incerteza. Não sei
se a fábrica na Itália vai conse-
guir entregar minha produção
de tecido. Então, já estou come-
çando a ver outras alternativas,
como comprar tecidos de Por-
tugal.

lAlém da saúde, o mercado de
moda italiano também vai sentir
muito a pandemia.
Ao mesmo tempo em que me
protejo, me blindo consideran-
do fazer mais tecidos em Por-
tugal, a Itália, que é um polo
muito importante, com um
know-how imenso de tecido,
vai começar a sofrer porque es-
tou passando meu pedido pra
outro país. É uma linha tênue,
porque assim você pode des-
truir o mercado.

lJá sabe onde vai
passar a quarente-
na? SP ou Lon-
dres?
Ia ficar um tempo
na Bahia, mas re-
solvi acelerar e voltar pra Lon-
dres, melhorar ficar trancado
lá, que é onde está meu cachor-
ro, a empresa, minha vida.

lVê a quarentena como uma
oportunidade de olhar pra dentro?
Vejo como uma oportunidade
de tomar as decisões que você
realmente quer. Muita gente
que trabalha, por exemplo,
com arte ou com moda, têm
que cumprir os calendários
anuais. Com o avanço da pan-
demia, as semanas de moda fo-
ram canceladas, as feiras de ar-
te também, sinto que as pes-
soas desses ramos estavam
cansadas de ficar fazendo a
mesma coisa ‘over and over’.
Vejo então como um alívio, co-
mo se fosse um Graças a Deus,
finalmente posso respirar uma
vez por conta própria, sem ser
pautado pela indústria.

lAcredita no formato das sema-
nas de moda hoje em dia?
Não gosto de nenhuma pers-
pectiva radical. Acho que sim,
uma parte do sistema está anti-
ga, existem muitas marcas fa-
zendo desfiles quando, na mi-
nha opinião, não há necessida-
de, soa como uma obrigação.
Mas também acho que exis-
tem muitos estilistas criativos
que se expressam bem através
da linguagem do desfile. Acho
um pouco exagerada essa coi-

sa do calendário europeu, são
quatro cidades diferentes,
uma atrás da outra, acredito
que também para a imprensa
seja cansativo.

lPretende fazer um desfile da
Zilver algum dia?
Quando a Zilver estiver pronta
e se eu sentir que tenho algo a
dizer numa linguagem de desfi-
le não deixarei de fazer, mas es-
se momento não é agora. Res-
peito muito o Azzedine Alaïa
( estilista tunisiano morto em no-
vembro de 2017 ), que se apresen-
tava quando queria, no formato
que lhe era confortável.

lAntes de fundar a Zilver, há
dois anos, você foi diretor criativo
da La Perla. Que experiência ti-
rou do trabalho para uma grife
de luxo italiana?
Cresci trabalhando com moda
e acho que tinha uma idealiza-
ção de que fora tudo é mais
fácil e tudo tem mais qualida-

de. Essa experiência me fez
perceber que, na verdade, eu já
estava fazendo coisas incríveis
no Brasil. A oportunidade de
trabalhar com a La Perla me re-
conectou com a minha raiz e
comecei a ver que não queria fa-
zer as coisas no automático. E
aí começou uma reflexão bem
forte dentro de mim, dos valo-
res que realmente são impor-
tantes pra mim na moda, como
que eu gostaria de comunicar
minha linguagem, a marca me
deu toda essa oportunidade.

lFoi um amadurecimento em
sua carreira?
Com certeza, também entendi
que estou preparado para lidar
com ambiente corporativo.
Foi nesse momento que come-
cei a sentir uma sensação de
vazio, de estar fazendo tudo
no automático, foi quando come-
cei a me questionar como que as
roupas são feitas, quais são os im-
pactos, comecei a pesquisar para

ver se conseguia informação de
onde vinha o tecido da roupa que esta-
va comprando. E comecei a perceber
que, na verdade, isso era muito pouco
desenvolvido na moda. Quando era
caso, estava focado em um produto
só, como o de marca específica que
faz só camisetas. Mas não encontrei
marca que nascesse com essa filoso-
fia.

lFoi desse processo interior
que surgiu a Zilver?
Sim e por isso mesmo que a Zil-
ver não tem meu nome. A
ideia é uma marca que nasceu
dessa filosofia de estar ligada,
em constante desenvolvimen-
to e olhando para o meio am-
biente e pro mundo, tomando
decisões responsáveis e enten-
dendo também que não existe
um mundo perfeito, não existe
ser 100% sustentável e que is-
so é um processo. Obviamente
a moda é a forma que gosto de
me expressar, mas como ex-
pressar isso de uma maneira

que fizesse mais sentido pra
mim. Porque, honestamen-
te, consumo muito pouco,
tenho pouca roupa no armá-
rio, então queria que a mar-
ca refletisse um pouco essa
consciência. Na verdade,
mais que uma marca, a Zil-
ver é um mindset.

lEstá com 29 anos, maduro
na profissão. Descobriu cedo o
caminho que queria seguir.
Cresci no ambiente da mo-
da, acho que desde muito pe-
queno fui exposto a isso e
sempre soube que era isso
que eu queria fazer.

lÉ autodidata?
Nem um pouco, sou o con-
trário, fui treinado pra isso.
Acho que nasci com o dom
criativo. Tenho uma sensibi-
lidade e me expresso me-
lhor através de expressões
criativas, mas acho que, pro-
vavelmente, se meus pais
fossem cineastas talvez eu
teria seguido o mesmo cami-
nho que eles. O ambiente
que eles criaram era muito
confortável, era muito gosto-
so pra mim como criança.

lEstá de férias no Brasil. Pre-
tende voltar a morar por aqui?
Acho que o coronavírus é o
maior exemplo de que não
podemos fazer planos. Gos-
to muito da vida que tenho
em Londres, também sinto
falta de várias coisas do Bra-
sil. Para o meu trabalho, ho-
je, faz sentido estar radicado
lá, tá fazendo toda a diferen-
ça, mas tenho vontade de fa-
zer projetos no Brasil. Esta-
mos numa fase tão incerta
que, se eu precisar mudar
pro Brasil, volto com o maior
prazer.

lFaz o estilo low profile. Não
usa as redes sociais?
Acabei de criar um Insta-
gram pessoal, o meu antigo
tinha dado pra Zilver. Quis
ficar um tempo de fora pra
deixar o foco na marca. Ago-
ra criei uma conta mais ínti-
ma, que mostra meu univer-
so. Estou me divertindo,
não tem nenhuma estraté-
gia por trás.

lLeva uma vida tranquila em
Londres também?
Sim, muito tranquila. Acho
que tem também um proces-
so, aqui no Brasil cresci com
meus pais que já tinham uma
visibilidade no mercado,
aqui sempre tive acesso.
Acho que construir uma mar-
ca, construir um networking
é uma coisa que leva muito
tempo, os meus pais estão há
30 anos construindo isso e
num mercado muito menor.
Em Londres aprendi a respei-
tar esse tempo e está sendo
muito bom pra mim. Não
gosto de ficar em uma bolha,
gosto de entrar em contato
com universos diferentes.

Blog: estadão.com.br/diretodafonte Facebook: facebook.com/SoniaRacyEstadao Instagram: @colunadiretodafonte

‘O MUNDO PEDE PARA DESACELERAR’


PEDRO LOURENÇO

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*Válidosomenteparaassinaturadigitalcompletaouimpresso
(finsdesemanaetodososdias).Imagensmeramenteilustrativas.

O estilista – radicado em Londres – estava lançando coleção no Brasil quando estourou o corona vírus


DIRETO DA FONTE


SONIA RACY


Encontros Pedro Lourenço


“A SUSTENTABILIDA-
DE É UM PROCESSO
EM CONSTANTE DE-
SENVOLVIMENTO”

%HermesFileInfo:C-2:20200323:
C2 Caderno 2 SEGUNDA-FEIRA, 23 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO

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