O Estado de São Paulo (2020-03-23)

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A6 Política SEGUNDA-FEIRA, 23 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


D


iante dos últimos comporta-
mentos do presidente Bol-
sonaro, muitos têm vaticina-
do que o presidente está louco. Al-
guns, inclusive, defendem que o Mi-
nistério Público peça que uma junta
médica avalie a sanidade mental de
Bolsonaro para saber se ele de fato
teria condições para exercício do
cargo de presidente da República.
Ter conclamado e participado de
manifestação contra o Congresso
Nacional e o Supremo Tribunal Fe-
deral em plena pandemia do novo
coronavírus e ainda sob suspeita de

estar contaminado, colocando em ris-
co os demais participantes da manifes-
tação, seria um sinal de perturbação
mental ou, pelo menos, de enorme ir-
responsabilidade.
Existiria cálculo racional nesse com-
portamento aparentemente insano?
A loucura é um fenômeno muito
complexo e multifacetado. A negação
da realidade é uma das suas expres-
sões ou sintomas mais comuns. No
caso específico do presidente Bolsona-
ro, sua suposta insanidade nasce da
negação da própria política.
Bolsonaro é produto de uma suces-

são de eventos inusitados. A conjunção
de recessão econômica de graves pro-
porções e exposição visceral a escânda-
los sucessivos de corrupção gerou, em
uma parcela considerável do eleitora-
do brasileiro, uma espécie de aversão à
política. Como se a política “tradicio-
nal” fosse necessariamente “suja”.
Bolsonaro preencheu as expectati-
vas de “limpeza” da política brasileira.

Fez uma associação direta entre o tipo
de presidencialismo de coalizão pre-
datório implementado pelo petismo à
corrupção. Ao mesmo tempo em que
essa estratégia se mostrou vitoriosa
nas eleições, fez, paradoxalmente, o
presidente vítima desta narrativa. Ter-
minou por aprisionar o governo a um
modelo de governar que contraria a

essência do nosso sistema político.
Diante da negação sistemática dos
instrumentos tradicionais de governo
em um presidencialismo multipartidá-
rio, restam poucas alternativas a Bolso-
naro. A conexão direta com seus eleito-
res mais fiéis, que beira a insanidade,
tornou-se o modus operandi do gover-
no. A estratégia dominante passou a
ser o desenvolvimento de crises quase
que diárias, confusão e belicosidade
com adversários, briga com os pró-
prios aliados, ataques indiscriminados
a todos que lhe impõem restrições.
É por isso que Bolsonaro governa
sempre testando e avançando os limi-
tes institucionais. Portanto, na apa-
rente loucura do estilo de governar
confrontacional há uma estratégia
nítida de sobrevivência política.
É sonho de todo governante que
quer deixar um legado histórico en-
frentar crises agudas tais como guer-
ras ou pandemias para unir o país em
torno dele e assim enfrentar o inimigo

comum. Entretanto, Bolsonaro
não consegue se desvencilhar das
amarras que se auto impôs. Para
Bolsonaro, essa oportunidade foi
perdida. Em vez de unir o País para
combater o inimigo mortal e invisí-
vel, ele o dividiu. Ao invés de reco-
nhecer a gravidade da guerra, ele a
menosprezou.
Bolsonaro não percebeu que o
medo da população em perder vi-
das com o coronavírus suplantava
os riscos de crise econômica, pois
não se deu conta que as pessoas ten-
dem a descontar o futuro. Ou seja,
as preocupações de hoje são sem-
pre maiores do que as que estão por
vir. Bolsonaro, portanto, contra-
riou os anseios da população e os
sinais de rejeição entre seus supos-
tos seguidores começaram a apare-
cer. O panelaço e os vários pedidos
de impeachment evidenciam isso.
Dessa vez, a loucura de Bolsonaro
pode lhe custar caro.

CARLOS


PEREIRA


E-MAIL: [email protected]
CARLOS PEREIRA ESCREVE
QUINZENALMENTE ÀS SEGUNDAS-FEIRAS

Mandetta


sugere adiar


eleição; Maia


se diz contra


Insanidade de Bolsonaro de ir
a manifestação é expressão do
presidencialismo plebiscitário

Viúva do ex-governador Mário
Covas (1930-2001), Florinda Go-
mes Covas, conhecida como Lila
Covas, morreu, anteontem à noi-
te, aos 87 anos em São Paulo. Ela
era avó do prefeito de São Paulo,


Bruno Covas (PSDB).
A morte de Lila foi confirma-
da ontem pelo filho, o vereador
Mario Covas Neto (Podemos),
em postagem nas redes sociais.
“É com profundo pesar e triste-
za que comunicamos o faleci-
mento de nossa mãe LILA CO-
VAS. Assim que possível fare-
mos as merecidas homena-
gens”, escreveu Mário Covas
Neto, que assinou o texto com a
irmã, Renata, mãe de Bruno,
que ontem cancelou sua agenda

devido ao falecimento da avó.
Segundo a prefeitura de São
Paulo, ela sofria de Mal de Alz-
heimer e morreu de causas natu-
rais. Em nota de pesar, a prefeitu-
ra informou que não haverá ceri-
mônia fúnebre, “em respeito à
recomendação de recolhimento
de toda a população” devido a
pandemia do novo coronavírus.
O corpo de Lila será cremado.
O governador, João Doria
(PSDB), também lamentou a
morte de Lila. “Com enorme pe-

sar recebemos a notícia que Li-
la Covas nos deixou. Meus sen-
timentos aos filhos, Renata e
Mario Covas Neto, ao seu neto,
Prefeito Bruno Covas, e demais
familiares e amigos. Lila foi
uma mulher extraordinária.
Suas lutas sociais serão eterna-
mente lembradas.”
Lila foi presidente do Fundo
de Solidariedade na gestão de
Mário Covas no Palácio dos
Bandeirantes. Em nota, o dire-
tório estadual do PSDB paulis-
ta disse que Lila representou
uma “mudança nos paradig-
mas” das ações sociais no perío-
do que dirigiu o fundo.

“A história de D. Lila se con-
funde com a da política brasilei-
ra e do próprio PSDB”, diz a nota
assinada por Marco Vinholi, pre-
sidente estadual da legenda, e
Carlos Blaotta, secretário-geral.
Lila se casou com Mário Co-
vas em 1954 e os dois permane-
ceram juntos até o final da vida
do ex-governador, em 2001. O
casal teve três filhos.
Mário Covas foi governador
de São Paulo por dois períodos:
entre 1995 e 1998 e entre 1999 e


  1. Ele também foi senador
    pelo Estado, entre 1987 e 1994.
    Também foi prefeito da capital
    entre 1983 e 1985.


Felipe Frazão
Vinícius Valfré
Rafael Moraes Moura / BRASÍLIA


Sugerido pelo ministro da
Saúde, Luiz Henrique Man-
detta, o adiamento das elei-
ções municipais por causa da
pandemia da covid-19 enfren-
ta resistência na classe políti-
ca e na cúpula do Judiciário.
A avaliação mais recorrente é
a de que a discussão está “fo-
ra de hora” e que os Poderes
devem focar o enfrentamen-
to ao novo coronavírus e às
consequências das crises sa-
nitária e econômica no País.

A proposta de Mandetta foi
apresentada ontem durante reu-
nião com prefeitos de capitais,
realizada por videoconferência.
A preocupação do ministro é a
de que interesses eleitorais in-


fluenciem medidas para conten-
ção do novo coronavírus.
“Está na hora de o Congresso
falar: ‘adia’, faz um mandato
tampão desses vereadores e pre-
feitos. Eleição no meio do ano...
uma tragédia, porque vai todo
mundo querer fazer ação políti-
ca”, afirmou.
A ideia de postergar o pleito de
outubro, quando a população es-
colherá prefeitos e vereadores, já
circulava nos bastidores do Con-
gresso. Propostas de emenda à
Constituição (PECs) para altera-
ção da data estão sendo elabora-
das por parlamentares.
Apesar do apelo de Mandet-
ta, o vice-presidente do Tribu-
nal Superior Eleitoral (TSE),
ministro Luís Roberto Barro-
so, não cogita, por ora, adiar as
eleições municipais. Barroso
assumirá o comando do TSE

em maio, no lugar de Rosa We-
ber, e será o chefe do tribunal
durante o pleito agendado para
outubro.
Em nota, contudo, Barroso
ressaltou que é papel do Con-
gresso decidir a respeito. “Se o
adiamento vier a ocorrer, penso
que ele deva ser apenas pelo pra-
zo necessário e inevitável para
que as eleições sejam realizadas
com segurança para a popula-
ção. A realização de eleições pe-
riódicas é um rito vital para a
democracia”, afirmou.
Correligionário de Mandet-
ta, o presidente da Câmara, Ro-
drigo Maia (DEM-RJ), disse ao
Estado que haverá condições
para realização das disputas em
todo o País, se as projeções do
ministro da Saúde estiverem
corretas. Na sexta-feira passa-
da Mandetta previu um aumen-
to das infecções em abril, maio
e junho, seguido de estabiliza-
ção em julho e agosto, e de-
créscimo da curva de contami-
nação em setembro.
“Hora de focar no enfrenta-
mento da crise. Vamos cuidar
do combate ao vírus”, disse
Maia ao Estado. “Se a projeção
na curva de contaminação do
ministro Mandetta estiver cer-
ta, não haverá necessidade de
adiar a eleição”.
Para outros líderes, porém, as
projeções de Mandetta indicam
exatamente o contrário. “Se as
previsões dele ( Mandetta ) fo-
rem corretas, realmente fica in-
viável ter eleições este ano. Tem
de ser debatido”, afirmou o sena-
dor Ciro Nogueira (PP-PI).
Embora o calendário autori-
ze as propagandas eleitorais so-
mente a partir de 16 de agosto,
as pré-campanhas começam an-
tes, com intensas agendas de ne-
gociações.

A posição de Maia coincide
com a da maior parte dos dez
presidentes de partido e líderes
de bancadas ouvidos pelo Esta-
do. Embora admitam que tal-
vez seja inevitável cancelar as
eleições de outubro, sugerem
que o assunto seja tratado ape-
nas em maio ou junho, quando
o governo prevê o pico da co-
vid-19 no Brasil.
“Não há clima para tratar dis-
so agora. Essa decisão terá que
ser tomada mais pra frente. Pen-
so que, em junho, diante dos

prognósticos, o assunto terá
que ser decidido”, disse o prefei-
to de Salvador, ACM Neto, que
não pode disputar a reeleição e
preside o DEM nacionalmente.

Convenções. Mesmo PT e
PSDB, que haviam anunciado o
adiamento de convenções parti-
dárias, dizem que o debate não
é urgente e precisa envolver to-
dos os Poderes. “Parece que o
ministro tem mais medo de elei-
ção do que de vírus. O País vai
discutir isso na hora certa”, afir-
mou a deputada Gleisi Hoff-
mann, presidente do PT.
“Há discussões sobre alterna-
tivas, como ajustar o calendário
eleitoral neste ano, mas ainda
não é hora disso. Congresso,
TSE e STF terão serenidade de
tratar isso no momento adequa-
do”, disse Bruno Araújo, presi-
dente do PSDB.
Entre os partidos de esquer-
da, há adesão à tese de Mandet-
ta, mas com críticas à intenção
de tratar do assunto agora. “Is-
so vai se impor, as eleições vão
acabar sendo adiadas. Mas esta-
mos mais preocupados neste
momento em salvar as pes-
soas”, afirmou Fernanda Mel-
chionna (RS), líder do PSOL na
Câmara.
O presidente do PSB, Carlos
Siqueira, defende que a questão
seja, sim, debatida. “Ainda não
sabemos se será necessário,
mas é bom admitirmos a discus-
são porque isto pode ser uma
imposição da realidade”, disse
ao Estado.
Para o presidente do PDT,
Carlos Lupi, “se ( a pandemia )
continuar se agravando como
está, é provável ( adiar as elei-
ções )”. “Mas somos contra pror-
rogação de mandato”, ponde-
rou.

Viúva de Covas, atuou pela área social


LILA COVAS H 1932 = 2020


O preço da loucura


Jornais unificam


capas contra o


coronavírus


Moraes destina


R$1,6 bi de fundo da


Lava Jato para saúde


CLEBER BONATO/ESTADÃO

Florinda Gomes Covas,


avó do prefeito de São


Paulo, Bruno, morreu


ontem aos 87 anos


de causas naturais


Luto. Lila Covas presidiu
Fundo de Solidariedade

Dezenas de jornais brasileiros
unificaram suas capas hoje, co-
mo parte de uma campanha da
Associação Nacional de Jornais
(ANJ) para destacar a impor-
tância da informação de quali-
dade no enfrentamento da pan-
demia do novo coronavírus.
Veículos impressos de todo o
País trazem em sua primeira
página a seguinte mensagem:
“Juntos vamos derrotar o vírus:
Unidos pela informação e pela
responsabilidade”.
O presidente da ANJ, Marce-
lo Rech, afirmou que a ação de-
monstra a união da imprensa
brasileira em torno de uma cau-
sa comum: o serviço público de
informação confiável. “Em si-
tuações dramáticas como a que
vivemos, informação precisa e
contextualizada é um bem ain-
da mais essencial”, disse.
Jornais que não têm edição
impressa também vão veicular
a campanha da ANJ em suas ver-
sões digitais. Nas redes sociais,
os veículos vão usar a hashtag
#imprensacontraovírus. A asso-
ciação também criou cards para
distribuição na web e em aplica-
tivos de mensagem. A ideia da
campanha, que começou no dia
18 de março, é reforçar para o
público a necessidade de bus-
car informação em veículos de
jornalismo profissional.
“O antídoto contra a desinfor-
mação espalhada nas redes so-
ciais é a ‘boa viralização’ da in-
formação verdadeira”, disse
Marcelo Rech.
Na semana passada, um estu-
do global divulgado pela agên-
cia de comunicação Edelman
mostrou que, em meio à pande-
mia de coronavírus, os veículos
da grande imprensa são a fonte
de informações mais confiável
para 64% dos entrevistados.

Decreto. Ontem, o presidente
Jair Bolsonaro publicou ontem
decreto que inclui a imprensa
na lista de serviços essenciais e
vedou que trabalhadores desta
área sejam proibidos de circu-
lar, o que poderia afetar a ativi-
dade jornalística. Até agora, o
governo já havia considerado 33
serviços públicos e atividades
como indispensáveis à popula-
ção durante o enfrentamento
da pandemia de coronavírus.
O objetivo do governo fede-
ral é garantir o trânsito de traba-
lhadores destes setores no mo-
mento em que Estados decre-
tam o fechamento de parte do
comércio e dos transportes.

WAGNER PIRES/FUTURA PRESS

Ministro da Saúde propôs medida em reunião


com prefeitos para tratar do novo coronavírus


Previsão. Para Mandetta, da Saúde, interesses eleitorais podem atrapalhar combate ao novo coronavírus; classe política diz que discussão está ‘fora de hora’


l O ministro do Supremo Tribu-
nal Federal Alexandre de Moraes
determinou que R$ 1,6 bilhão fru-
to de acordo entre a Operação
Lava Jato e a Petrobrás sejam
destinados ao combate ao novo
coronavírus. A verba, inicialmen-
te, seria destinada à Educação,
em razão de decisão do próprio
ministro. No entanto, o procura-
dor-geral da República Augusto
Aras pediu a realocação dos recur-
sos. O advogado-geral da União,
André Mendonça, se posicionou
favoravelmente à destinação.
Para Moraes, “a realocação
solicitada não acarretará nenhu-
ma descontinuidade de ações ou
programas de governo, ao mes-
mo tempo em que virá ao encon-
tro de uma necessidade premente
que ameaça a vida e a integridade
física dos brasileiros”. “A pande-
mia de Covid-19 ( coronavírus ) é
uma ameaça real e iminente.” /
LUIZ VASSALLO e FAUSTO MACEDO
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