O Estado de São Paulo (2020-03-25)

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O ESTADO DE S. PAULO QUARTA-FEIRA, 25 DE MARÇO DE 2020 A


Mateus Vargas / BRASÍLIA


“Os hospitais trabalham há
dois dias sem máscaras, repito,
sem máscaras, e começamos a
contar mortos entre as heroi-
cas equipes médicas de todas
as categorias que trabalham
contra a epidemia.” O quadro
de devastação e colapso do sis-
tema de saúde foi descrito pelo
embaixador italiano Francesco
Azzerello, em carta enviada a
ministros do governo brasilei-
ro, como forma de apelo pela
liberação de máscaras que esta-
vam bloqueadas no aeroporto
de Guarulhos (SP). O pedido
deu resultado e o material se-
guiu viagem ontem.
O texto retrata o cenário de-
solador da Itália com o avanço
do novo coronavírus. O país
tem o maior número de mortos



  • são 6,8 mil confirmados – e
    quase 70 mil já foram infecta-
    dos. Ontem, depois de dois dias
    de diminuição no ritmo da pan-
    demia, o número de mortos pe-
    lo coronavírus voltou a subir.
    De acordo com o balanço ofi-
    cial, foram registrados 743 mor-
    tes – na segunda-feira, foram


601 mortes. No domingo ha-
viam sido 650.
A carta do embaixador italia-
no foi obtida com exclusividade
pelo Estado e era direcionada
ao ministro da Economia, Pau-
lo Guedes. No entanto, o apelo
também chegou às mãos do titu-
lar da Saúde, Luiz Henrique
Mandetta.
O governo italiano pedia a li-
beração de 2 milhões de másca-
ras, quantidade que serve para
apenas um dia, segundo a carta,
mas Azzerello pediu ao Brasil
que tivesse “senso de humani-
dade”, lembrando a cooperação
com o “povo do Brasil”.
O diplomata argumentou
que o governo brasileiro estava

impedindo o envio à Itália das
máscaras por uma interpreta-
ção errada do decreto que blo-
queia a exportação de equipa-
mentos para saúde. Segundo Az-
zerello, o material de segurança
comprado por seu país é feito
na China, mas seria entregue
por uma empresa com filial em
São Paulo. Na segunda-feira, o
chanceler italiano, Luigi Di
Maio, anunciou que o Brasil libe-
rou a carga.
No Twitter, Di Maio disse
que as máscaras serão usadas es-
pecialmente em regiões com
mais mortos e maior número
de contaminações, como a Lom-
bardia, “por profissionais que
estão lutando na linha de fren-
te” da pandemia.
Mandetta já havia indicado
que liberaria o carregamento.
“Imagino que, quando a Itália
estiver caindo (em número de
casos), a gente estará subindo.
Pode ser que a gente fale ‘te en-
trego agora e ali na frente você
me devolve”’, disse o ministro
da Saúde. / COM AFP

lA Espanha pediu à Otan ajuda
humanitária para combater o
coronavírus, que ontem matou
514 pessoas no país – maior nú-
mero em 24 horas desde o início
da pandemia. Ao todo, o gover-
no espanhol registrou 2,8 mil
mortes e há quase 40 mil infec-
tados. A Otan confirmou que re-
cebeu o pedido de 450 mil más-
caras, 500 mil testes rápidos,
500 respiradores e 1,5 milhão
de máscaras cirúrgicas. / AFP

Espanha pede ajuda


humanitária à Otan


Caos. Profissional de saúde em Brescia: luta longe do fim

Itália apela e Brasil libera máscaras retidas


Internacional


“Pode ser que a gente
fale ‘te entrego e ali
na frente você me
devolve’”
Luiz Henrique Mandetta
MINISTRO DA SAÚDE, SOBRE A
LIBERAÇÃO DE MATERIAL PARA A ITÁLIA

Dois milhões de máscaras


estavam bloqueadas em


Guarulhos; italianos veem


número de novos casos


voltarem a crescer


Beatriz Bulla
CORRESPONDENTE / WASHINGTON


A Organização Mundial da
Saúde (OMS) alertou ontem
que os EUA devem se tornar o
epicentro da pandemia de co-
ronavírus no mundo. O país
registrou ontem mais de 9
mil novos casos e chegou a 53
mil pessoas contaminadas,
com um total de 700 mortes
confirmadas. O maior foco
de disseminação da covid-
é o Estado de Nova York, que
concentra metade dos casos.

A porta-voz da OMS, Marga-
reth Harris, afirmou ontem que
85% das novas notificações são
reportadas entre americanos e
europeus – 40% apenas nos
EUA. O aumento se deve em par-
te a mais testes realizados, espe-
cialmente em Nova York. O nú-
mero de exames nos EUA subiu
de 58 mil, na quinta-feira, para
quase 240 mil, na segunda-feira.
Mesmo assim, os Estados
Unidos têm testado pessoas em
marcha lenta, quando compara-
do com outros países desenvol-
vidos – o que indica que o cresci-
mento de casos no país pode es-
tar ocorrendo ainda mais rápi-
do do que as estatísticas oficiais
demonstram.
O primeiro caso de coronaví-
rus nos EUA foi confirmado em
20 de janeiro e levou quase dois
meses para o país chegar a 100
mortes. Mas, apenas no dia 16, a
Casa Branca mudou o tom e pas-
sou a recomendar as medidas
de restrição de circulação de
pessoas. Atualmente, as reco-
mendações para que america-
nos não saiam de casa afetam
um em cada três habitantes.
Os Estados americanos já ha-
viam adotando medidas restriti-
vas de maneira unilateral. Em
Nova York, os restaurantes e o
comércio foram fechados no
fim de semana, bem antes de o


presidente Donald Trump ado-
tar uma abordagem mais rigoro-
sa. Na cidade de Nova York, a de
maior densidade demográfica
do país, a entrada nos elevado-
res dos arranha-céus é permiti-
da a apenas três pessoas por
vez, mesmo em edifícios de 25
andares. Há limite também pa-
ra a entrada de consumidores
em supermercados.
A previsão é que o pico da
infecção no Estado de Nova
York ocorra em duas ou três
semanas, antes do inicialmen-
te previsto. O governador do
Estado, Andrew Cuomo, recla-
mou ontem que o governo fede-
ral enviou apenas 400 respira-
dores, quando autoridades lo-
cais pediram 30 mil. Cuomo es-
timou em 140 mil o número de
leitos necessários para abrigar
os pacientes com vírus – hoje,
há apenas 53 mil.
Há alguns dias, porém,
Trump vem sugerindo que po-
de relaxar as medidas de isola-
mento antes do recomendado
por médicos e especialistas.
“Muitas pessoas concordam co-
migo. Nosso país não foi proje-
tado para ficar isolado”, disse o
presidente à Fox News.
Desde domingo, Trump tem
dado sinais de que pressionará
internamente por uma reavalia-
ção do distanciamento social.
O primeiro sinal veio quando
ele publicou no Twitter, no fim

de semana, que o “remédio não
pode ser mais grave do que a
doença”. Segundo o presiden-
te, uma “grande recessão” pode
deixar mais vítimas do que o co-
ronavírus.
“Podemos perder um certo
número de pessoas em razão da
gripe. Mas corremos o risco de
perder mais pessoas se mergu-
lharmos o país em uma grande
recessão ou depressão”, disse
Trump, sugerindo a possibilida-
de de “milhares de suicídios”.
Até agora, as medidas de iso-
lamento são apontadas como a
única forma de impedir a trans-
missão rápida da doença, mas
afetam a economia – e as chan-
ces de reeleição dele. Há ceticis-
mo entre especialistas, no en-
tanto, com relação à viabilida-
de de relaxar as restrições no
curto prazo.
Em entrevista na Casa Bran-
ca, Trump afirmou que, “se fos-
se pelos médicos, o mundo in-
teiro seria isolado”. À Fox, o pre-
sidente americano afirmou que
gostaria de ver os EUA operan-
do normalmente até a Páscoa,
no dia 12. Quando havia adota-
do um tom mais restritivo, na
semana passada, ele disse que a
luta contra o coronavírus pode-
ria durar até julho ou agosto.
Trump tem sido duramente
criticado por ensaiar a retoma-
da das atividades econômicas
antes do recomendado. Na ter-
ça-feira, o bilionário fundador
da Microsoft, Bill Gates, disse
que é muito irresponsável al-
guém sugerir que é possível ter
“o melhor dos dois mundos”.
“Não há meio termo. É difícil
dizer às pessoas para continua-
rem a frequentar restaurantes e
ignorarem a pilha de corpos na
esquina. Dizer que queremos
que o cidadão continue gastan-
do, porque há um político que
pensa que o PIB é tudo o que
vale”, disse Gates.

l Parceria

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Mortes passam de 700 nos EUA, que


devem se tornar epicentro de pandemia


Apelo. Carta de embaixador italiano para Paulo Guedes

l Subindo

FILIPPO VENEZIA/EFE

Alerta da OMS chega no momento em que governo americano aumenta número de exames da covid-19 e especialistas avisam que pico


do surto deve ocorrer dentro de duas ou três semanas;Trump sugere que pode relaxar as medidas de isolamento antes do recomendado


BRYAN R. SMITH/EFE

700
pessoas morreram
contaminadas pelo covid-19 nos
EUA, a maioria em Nova York

53 mil
pessoas estão infectadas
pelo novo coronavírus nos EUA
Olho do furacão. Americanos fazem fila para realizar teste de coronavírus em Nova York

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