aeee
mundo
A20 TERÇA-FEIRA,3DEMARÇODE 2020
- DiogoBercito
washingtonQuandooadvo-
gado americano AlanDersho-
witz, 81 ,subiu ao pódiono
Senado em janeiroparade-
fenderoDonaldTrump no
processo de impeachment,
elefoichamado de traidor.
Dershowitz, afinal, se identi-
ficacomo eleitor democrata
evotou em HillaryClinton em
2016 —mas lutou pela perma-
nência deTrump nocargo.
OfatodeDershowitz, um
democrata,decidir proteger
umrepublicano levoualguns
aumcurto-circuito. “A spes-
soas estão divididas de uma
maneiraprofunda nestepa-
ís ”, diz, em entrevistaàFo-
lha.“VoteiemHillaryClin-
ton. Mas, sevocêfizer qual-
quercoisa queéinterpreta-
dacomo uma ajudaaTrump,
évistocomo um traidor da
esquerda.”
Dershowitz, umdosadvo-
gados maisrenomados dos
EUA,havia participadode
alguns dos julgamentos mais
célebres destas últimas dé-
cadas. Ele defendeuojoga-
dor de futebol americanoO.
J. Simpson, acusado de ma-
taraex-mulher,eoboxe-
ador MikeTyson, acusado
de estupro. Masadefesa de
Trump no processo de impe-
achmentfoidelongeseuca-
so mais controverso, diz, mo-
tivandoataquesaele esua
família. “Dizem que apoio o
presidenteTrump.Nãofa-
lam maiscomigo. Escrevem
emails obscenos.Temsido
bastantepessoal.”
Para Dershowitz,adespei-
to de sua opinião,afracassada
tentativaderemoveropresi-
dente Trump erainconstituci-
onal. Por isso aceitouocaso.
“A Constituiçãonãopermite
aremoção de um presidente
de quemvocê discorda.”
*
Comoosenhoravaliariaasua
experiência na defesaTrump,
emcomparaçãocomoutros
casos em que participou?Es-
te foiocaso maiscontrover-
socomqueme envolvi. Mui-
to maisdo queos anteriores.
Aspessoasestão divididas de
umamaneiraprofunda neste
país.VoteiemHillary. Mas,se
você fizer qualquercoisa que
éinterpretadacomo umaaju-
daaTrump,vocêévistoco-
mo um traidor.Umtraidor
da esquerda. Um traidor dos
democratas. Osataques pes-
soaisamimeaminhafamí-
liaforambastantemais du-
rosdoquenos outroscasos.
Que tipo deataques?Oque
disseram? Quesou um trai-
dor.Que apoioTrumppoliti-
camente.Nãofalammaisco-
migo.Gritamcomigonarua.
Escrevem emailsobscenos.
Temsido bastantepessoal.
Os EUA, comooBrasil, vivem
um momentodepolarização.
Foinessecontexto que houve
tanta surpresa quandoosr.
escolheu trabalhar nesteca-
so?Aspessoas ficaram bas-
tantechocadas. Só que não es-
colho os meuscasoscom base
na política. Escolhocombase
naConstituição.Acreditoque
aConstituição não permite
impeachment por“abuso de
poder”deumpresidente. É
umtermo muitovagoeaber-
to ainterpretação.Meoponho
ao impeachment de um presi-
dente,sejademocrata oure-
publicano,anão ser queexis-
ta amploconsensoeapoio bi-
partidário.Não eraocaso.
Oargumentodosr. eraque se-
rianecessárioterprova de um
crime parajustificaroimpe-
achment deTrump.Minhas
palavrasexatasforam “um
comportamentocriminoso”.
Como traiçãoesuborno.
Osr. não acreditaqueisso
aconteceu?Ele nãofoiacu-
sadopor essescrimes.Foiacu-
sado por algoque nãoéum
crime:abuso de podereobs-
trução do Congresso.
Mashavia um debateentre
partedapopulação de que,
no caso de um presidenteda-
nificaraPresidênciaeade-
mocracia de tal modo,preci-
sa ser impedido.Se esseéo
caso,aspessoas devemfazê-
lo em umaeleição. AConsti-
tuição não permitearemoção
de um presidentedequemvo-
cê discorda, quevocê acredita
estarabusandodopoder.Is-
so nãoestánaConstituição.
Há critérios específicos,eeles
nãoforamcumpridos.
Existeumdebate paraexpan-
dir essescritérios?Teria de
haveruma emenda na Cons-
tituição.Mas não acho que
muitas pessoasvotariam pa-
raincluir“abuso de poder”
como justificativaparaimpe-
achment.Praticamentetodos
presidentes desdeGeorgeWa-
shington [ 1789 - 1797 ]foram
acusados de abusodepoder.
Dito isso,por queoPartido
Democratadecidiu iniciar o
processo? Havia pressãoda
ala de esquerda do partido.
Sabiam queiam perder no Se-
nado,mas tomaram uma de-
cisãopolíticaparafortalecer
abase deesquerda.
Valeuapena? Fortaleceua
base de esquerda, mas enfra-
queceuopartidodemaneira
geral. Estámais fracohoje do
que antesdoimpeachment.
Perdeu apoio popular?Sim.
Nãoachoqueamaior parte
dos americanos eraafavor
daremoção deTrump por im-
peachment.Vamosveroque
vaiacontecer nas eleições.Ha-
via um sentimentogenerali-
zado dequeoimpeachment
nãodeveria ser usadoanão
sercomapoiobipartidário.
Ésemelhanteàtentativa
de impeachment do demo-
crataBillClintonem 1998 e
1999 ,quando também não
havia apoio de ambos os par-
tidos?Ébastanteparecido.
Achoque,nocasodeClinton,
atentativadeimpeachment
feriuos republicanos.Agora,
vaiferir os democratas.
Onde isso deixa MittRom-
ney, umrepublicano quevo-
toupararemoverTrump do
cargo?Romney foimeu alu-
no.Ele veio atémimdepois do
meudiscursonoSenadoedis-
se oquantotinhagostado do
que tinha dito. Ainda assim,
votoupararemoverTrump.
Eleéumindivíduocom suas
própriasopiniões.Nãoacho
queissovaiprejudicá-lo em
Utah, onde eleésenador, mas
certamentevai feri-lo entreos
círculosrepublicanos.
Osr. disse quefoialvodebas-
tantecrítica portertrabalha-
do nestecaso. Omesmo acon-
tecerá comRomney, porter
votadode mododiferentede
seu partido? Nãosei. Vive-
mos em um paísqueébastan-
te dividido. Se você fizer qual-
quercoisaquefavorece umla-
do,seráatacado pelo outro.
Fuiatacado.Minhacredibi-
lidadefoiatacada.Sóporter
feitooque advogadosfazem:
defender alguém.Nãodeveria
ser assim.Aspessoas não de-
veriamatacaralguém por tra-
balharcomo advogado. Mas
éisso que estáacontecendo.
ComoTrumpgovernará apar-
tir de agora? Ele saiu do pro-
cesso empoderado, comasen-
saçãodequeopartidovai
protegê-lo?Tomarádecisões
que nãoteriatomado antes?
Nãosei. Teríamos de pergun-
taraele, observarsuacondu-
ta.Ver seelevaigovernar den-
trodos limites daConstitui-
ção. Acho que eletemumavi-
são abrangentesobreoque a
Constituição permite que um
presidente façaeostribunais
estão aí paragarantir isso.Um
impeachment nãoéoúnico
instrumentoparaaseparação
dos poderes. Há os tribunais.
Eles impedem queumpresi-
denteatuealém de seupoder.
Éinteressante osr. dizer que
Trumptemuma visão abran-
gentedoqueaConstituição
permiteque elefaça. Muitas
pessoas dizem que elena ver-
dadenão entende quais são
suas prerrogativas.Há um
debate desdeoinício da nos-
sa Constituição[ratificada em
1788 ]sobrequantopoderum
presidentetem defato.Ostri-
bunais decidem isso emcasos
específicos, quandoopresi-
dentetomauma determina-
da decisãoealguémadesafia.
Trumptemmais chances de
vencer as eleições depoisde
tersobrevividoàtentativade
impeachment?Você teria de
perguntar issoaumespecia-
listaempolítica. Souespeci-
alistaemdireito. Mas, apenas
como eleitor,acreditoque há
pessoas que estão desconten-
tescomoPartidoDemocra-
ta porter gastadotempoere-
cursos em umimpeachment
quenuncapoderiaterresul-
tado naremoção deTrump.
Ébastantepossível que isso
prejudique os democratas,
diminuindosuas chances nas
eleições.Mas não estáclaro.
No longoprazo,como esse
episódio impactaaPresidên-
cia ou os debates constituci-
onais emtorno dela?Vamos
veroutros processos de im-
peachment?Acho queade-
cisãodos democratasdese-
guir comoimpeachment cri-
ou ameaçarealàConstitui-
ção. Vamosveroimpeach-
ment ser utilizado mais fre-
quentemente.Sempreque o
presidentefor de umpartido
eaCâmarados Deputadosfor
de outro,aameaça de um im-
peachmentvai pairar.Acho
que esses são justamenteos
perigos que osformuladores
da Constituição não queriam
que enfrentássemos.
Vaticanoabre arquivosdepapa acusadodeomissãonoHolocausto
cidadedovaticano|afpHis-
toriadorescomeçaram,nes-
tasegunda ( 2 ), ainvestigar
arquivos do pontificado de
Pio 12 ( 1930 - 1958 ), acusado de
omissãoduranteextermínio
de seis milhõesdejudeusno
Holocausto. Asautorizações
paraacessaruma dassalasde
estudo dos arquivos doVati-
cano jáforamdistribuídas.
Mais de 200 pesquisado-
resseinscreveram paraes-
se eventohistórico, ansiosos
paraexaminar milhões de do-
cumentos.Ojovem pesquisa-
dor alemãoSascha Hinkel, um
dos selecionados,comemo-
rou“umaexcelenteoportu-
nidade de estar entreospri-
meirosaver os documentos”.
Membrodaequipedeassis-
tentes do professor de história
religiosa HubertWolf,especia-
listaemPio 12 enaera nazista,
elecalcula cincoanos de tra-
balho paratentar encontrar
respostas paraasperguntas.
Mas Hinkel estima que os ar-
quivosdopontificado devem
ocupar os historiadores por
pelo menos 20 anos.
“Paramilhões de pessoas,
católicasejudias, esses arqui-
vossãode enorme interesse
humanitário”,explica Suzan-
ne Brown-Fleming, diretora
de programasinternacionais
do Museu Memorialdo Holo-
causto dos EUA, queinicianes-
ta segunda umaexploração de
três mesesnos documentos.
Ao decidir,háumano,abrir
os cobiçados arquivos, opapa
Franciscoafirmou que“aIgre-
ja nãotemmedodahistória”.
Atransparênciafoisimbo-
lizada alguns diasatráscom
câmeras no bunker dos ar-
quivos doVaticano —até re-
centemente“arquivos secre-
tos”—,que abrigam 85 km de
prateleiras, incluindo seção
dedicada ao pontificado de
Pio 12 ,protegida por grades.
Naocasião, oresponsável
pelos arquivos, monsenhor
SergioPagano,exibiu dese-
nhosecartas decrianças ale-
mãs agradecendoaopapaem
1948 pelos presentes dados pe-
la primeiracomunhão.
Foramabertos pela primei-
ra vezarquivos do pós-guer-
ra,principalmenterelativos
àcensuradeescritoresepa-
dres próximos docomunismo.
Paraoperíodo do Holo-
causto, oVaticano publicou o
queconsideravaessencial há
40 anos, em 11 volumes.Mas
faltam peças, principalmen-
te as respostas do papaaseus
correspondentesevisitantes.
Historiadores detodo o
mundotentarão entenderme-
lhor apersonalidade dopontí-
ficeitaliano quefalava alemão
—ele foinúncioapostólico na
Alemanha por 12 anos—,confi-
nadoatrásdos muros doVati-
cano duranteaSegunda Guer-
ra Mundialpelos nazistasede-
pois pelosfascistas italianos.
Consideradoculpado por
detratores por seu silêncio pú-
blicosobreoextermíniodos
judeus noscampos deconcen-
tração,mas apoiado por ad-
miradoresque afirmamque
aIgreja escondeu pelomenos
4. 000 judeusromanoseprote-
geuoscatólicos europeus,Pio
12 terá posições escrutinadas.
Opapa, umaristocrataro-
mano,“nuncalevantouavoz,
eduvidoque os documen-
tospossamcontradizeris-
so”,afirmaahistoriadora ita-
lianaAnaFoa, referindo-se à
atitude “muito diplomática e
tradicional”comosalemães.
“Durante aguerra, ele pen-
sava que seudever erasalvar
vidas, mas nãocondenar ide-
ologias”, resume. “Pio 12 era
um produtodeseutempo,
não eraparticularmentean-
tijudeu,mas não negouahis-
tória antijudaicadaIgreja.”
Por ocasião da aberturados
arquivos,oVaticanoevitafa-
lar sobreoprocessodebeati-
ficaçãodePio 12 ,atualmente
parado.Umprimeiropasso,
em 2009 ,realizado porBen-
to 16 ,causou protestosdeor-
ganizações judaicas.
Assetediferentes seções
de arquivos daSantaSéque
conservamdocumentos so-
brePio 12 poderão acomo-
darcempesquisadores por
dia, em meioaosfascículos,
porque apenaspartedos ar-
quivos estádigitalizada.
Alan Dershowitz, 81
Umdosadvogadosmais
renomados dos EUA,
defendeu DonaldTr ump no
processo de impeachment.
Éprofessor eméritoda
Universidade Harvard,onde
deu aulas durante50anos
“
AConstituição não
permitearemoção
de um presidentede
quemvocêdiscorda,
quevocêacredita
estar abusando do
poder.Isso não está
na Constituição.Há
critérios específicos,
eeles nãoforam
cumpridos
Sarah Silbiger-29.jan.20/Getty Images/AFP
Alan Dershowitz,
Votei em Hillary Clinton,
mas sou visto como
traidor daesquerda
Advogado deTr ump no processo de impeachment járepresentou
O.J.Simpsonerelataataquesafamíliapordefenderrepublicano