O Estado de São Paulo (2020-05-21)

(Antfer) #1

%HermesFileInfo:A-2:20200521:
A2 Espaçoaberto QUINTA-FEIRA, 21 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO






A Universidade de Cambridge,
uma das mais tradicionais do
Reino Unido, tornou-se uma
das primeiras do mundo a anun-
ciar que todas as suas aulas se-
rão ministradas online no próxi-
mo ano acadêmico, em 2021,
por causa da pandemia do novo
coronavírus. O anúncio foi fei-
to pela instituição nesta quar-


ta-feira. “Todos devemos ser
realistas sobre os desafios mun-
diais colocados pela pande-
mia”, disse o vice-chanceler da
universidade, Stephen Toope.
“A vida universitária aqui, co-
mo em toda parte, precisará se
adaptar.”

http://www.estadao.com.br/e/cambridge

P


ara falar das coisas pre-
mentes, vamos come-
çar por um diagnóstico
antigo: “Hoje, a maioria dos
homens está doente, como
que de uma epidemia, em fun-
ção das falsas crenças a respei-
to do mundo, e o mal se agra-
va porque, por imitação, trans-
mitem o mal uns aos outros,
como carneiros”. Essas pala-
vras foram mandadas gravar
em pedras na cidade de
Enoanda, na Capadócia (atual
território da Turquia), por um
certo Diógenes, no século 2.º
desta era. Seguidor dos ensina-
mentos do filósofo grego Epi-
curo (341-270 a.C.), Diógenes
fez essas e outras inscrições
em nome de seu mestre, para
quem a filosofia teria o poder
de nos curar. Epicuro via na ig-
norância um terrível mal da
humanidade e nisso concorda-
va com outros sábios gregos.
A ignorância é um mal que
mata. Se alguém ainda duvi-
da, que olhe para o Brasil. Em
nosso país ficaram escancara-
dos os nexos entre a estupi-
dez e o fracasso no combate à
pandemia da covid-19. Se qui-
sermos olhar o mesmo fato
por um ângulo invertido, dire-
mos que estão mais do que pa-
tentes os nexos entre o conhe-
cimento e o sucesso contra a
pandemia. Países onde as au-
toridades evitam espalhafatos
e ancoram suas decisões na
ciência têm se saído melhor.
Nesses lugares distantes, os
governos agem com o que se
pode chamar de bom senso:
as decisões são pautadas na ra-
zão, nas evidências científi-
cas, e, não menos importante,
a sociedade compreende o
que as autoridades falam. A
comunicação honesta e séria
deve ser concebida como
uma dimensão integrante da
razão. Onde as autoridades
alopram, predominam os sur-
tos cloroquínicos, as mortes
se avolumam e ninguém en-
tende nada.
Na televisão, os sepulta-
mentos com retroescavadei-
ra conferem aos funerais um
aspecto de manobras de terra-
planagem. Loucura desgre-
nhada. Embora o atestado de

óbito registre covid-19, não
há mais como fingir que a bur-
rice governamental não seja
uma assassina pior. A ignorân-
cia causa a mortandade – ou
o morticínio. As provas estão
aí. Se o novo coronavírus não
se vê a olho nu, as engrena-
gens internas da irresponsabi-
lidade estulta do presidente
da República estão mais do
que expostas. Todo mundo
vê, todo mundo sabe, mesmo
os que não sabem o que fa-
zem ao apoiá-lo, como “car-
neiros” celerados, em transes
dominicais.
O presidente é um avatar
do fascismo digital, com o de-
talhe de que, em lugar de um
comando pensante em outra
dimensão de si mesmo, tem
as instruções de seus atos vin-
das de um lugar fora de si.
Que ele pareça um ser fora de
si é mero detalhe. O que não é

detalhe é a lógica irracional
(mas, ainda assim, lógica) a
que ele obedece, como um
personagem desses videoga-
mes em que os contendores
se engalfinham pelas redes di-
gitais. O presidente é um autô-
mato teleguiado pela dinâmi-
ca das redes sociais. Ele e
seus aduladores vivem a fanta-
sia tecnológica de uma guerra
permanente contra os direi-
tos, a democracia, a moderni-
dade e a civilização. E em tem-
pos de pandemia essa brinca-
deira de criançonas psicóticas
mata gente a uma taxa de
mais de mil por dia.
Os brasileiros estão morren-
do não só de covid-19, mor-
rem porque lhes foi inoculada
a doença da ignorância apate-
tada do presidente da Repúbli-
ca. Estamos morrendo de bol-
sonarite. No inferno das UTIs
precárias, das UTIs inexisten-
tes, dos cemitérios revirados
do avesso pelas motonivelado-
ras, a nossa maior tragédia
não é que Bolsonaro seja fas-
cista (o que ele é, embora não

saiba o que quer dizer esse ad-
jetivo), a tragédia maior é que
nele a idiotia militante (e fas-
cista) assume a forma de uma
política pública de genocídio
a céu aberto.
Diante da vala comum a que
este governo nos vai reduzin-
do, os juristas ajuizados (são
poucos) trabalham para locali-
zar elementos probatórios de
crime de responsabilidade on-
de grassa a irresponsabilidade
mais desarvorada e mais ta-
nática. Trata-se de dar um jei-
to de montar um pedido de
impeachment com começo,
meio e fim que force o sujeito
a sair de lá. Não é de descartar
a hipótese de que, apavorado,
ele renuncie. (O Centrão não
será resistência, pois vai com
quem dá mais e quando perce-
ber que o governo não tem
mais o que dar pulará fora.)
O impeachment ganhou a
força de um imperativo mo-
ral, um dever cívico, uma ques-
tão de sobrevivência, uma
agenda de saúde pública e
uma mobilização para evitar a
morte pública da coisa públi-
ca, das vidas brasileiras e, se
você quiser, também da econo-
mia nacional. Esse é o compro-
misso inadiável dos que acor-
daram para a urgência de cons-
truir uma unidade antifascista
(uma frente) para estancar o
genocídio. O remédio de que
dispomos contra a epidemia
da ignorância responde pelo
nome de impeachment.
O antídoto é mais simples
do que o tetrafármaco prescri-
to por Epicuro: “Não há que
temer a morte, não há que te-
mer os deuses, a dor se pode
suportar, a felicidade se pode
alcançar”. O impeachment é
mais fácil de usar do que a ata-
raxia (imperturbabilidade da
alma). Impeachment na veia.
Aviemos logo a receita.

P.S. – Este artigo foi escrito
em memória do filósofo José
Américo Motta Pessanha
(1932-1993), que tanto ensinou
sobre Epicuro e sobre liberdade.

]
JORNALISTA, É PROFESSOR
DA ECA-USP

Financial Times elenca moti-
vos para desvalorização do
real em meio à pandemia.

http://www.estadao.com.br/e/dolar

REINO UNIDO


Cambridge fará somente aulas online


A fabricante do iPhone fe-
chou todas as suas lojas fora
da China em março em res-
posta à disseminação do no-
vo coronavírus.

http://www.estadao.com.br/e/apple

l“Agora ela para de carregar um cemitério nas costas. Deve estar se
sentindo mais leve.”
VERONICA REIS

l“A atriz Regina Duarte pediu ao presidente para deixar o cargo e vol-
tar para São Paulo, onde pretende ficar mais próxima da família.”
GELCIO VEIRA

l“Meu Deus, que bagunça neste país! Já não consigo acompanhar
tanta mudança.”
SORAYA SMITH

lCom certeza foi em comum acordo. Ela sofreu desgaste grande e
sua família agradece. Continua sendo uma ótima atriz.”
SANDRA CERDEIRA

INTERAÇÕES

CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
PRESIDENTE: ROBERTO CRISSIUMA MESQUITA
MEMBROS
FERNANDO C. MESQUITA
FERNÃO LARA MESQUITA
FRANCISCO MESQUITA NETO
GETULIO LUIZ DE ALENCAR
JÚLIO CÉSAR MESQUITA

Lucas Fragoso, que atende
pacientes com coronavírus,
se vestiu de cachorro para
encontrar a família que não
via havia 20 dias.

http://www.estadao.com.br/e/medico

Espaço Aberto


T


emo que a chegada e a
reversão do pico da cri-
se que a covid-19 impôs
ao Brasil tomem mais tempo
do que em países onde isso já
aconteceu. Não temos ampla
testagem de sintomas e contá-
gios, nem assistência médica
suficiente. Especialistas di-
zem que sete dias após o con-
tágio os efeitos da enfermida-
de são muito mais acentua-
dos. O ideal seria que testes
antecipassem o tratamento.
Unidades de terapia intensi-
va (UTIs), respiradores, tes-
tes, leitos e pessoal da área
médica são escassos diante
das necessidades. O Estado
do Amazonas, daquele tama-
nhão, só dispõe de UTIs na ca-
pital. Os fatos falam por si,
pois esse mesmo Estado se
destaca pelo forte avanço da
enfermidade.
Nossa coesão social tam-
bém é baixa e os apelos a isola-
mento e cuidados pessoais
nem sempre são ouvidos. O
segmento mais pobre da po-
pulação é o mais atingido e a
própria pobreza dissemina a
doença, pois tem moradias de
pequena dimensão, pouco iso-
ladas umas das outras, sanea-
mento frágil. O maior tama-
nho das famílias também con-
tribui para o contágio.
De olho nos números da co-
vid-19, costumo recorrer ao
jornal britânico Financial Ti-
mes
( FT ), que tem detalhada
cobertura internacional sobre
o assunto. Nos últimos dias,
no Brasil, o número de novas
mortes continuou batendo re-
cordes, estamos apenas abai-
xo dos EUA quanto a esse nú-
mero. Mas também é preciso
levar em conta as grandes di-
ferenças de tamanho da popu-
lação, o que o FT faz num de
seus gráficos. Aí o Brasil fica
no meio do gráfico, com cerca
de 3,4 mortes por milhão de
habitantes no dia 18/5, em mé-
dia móvel de sete dias, en-
quanto vários países supera-
ram em muito esse número,
chegando, no pico da doença,
a cerca de 18 na Espanha e 25
na Bélgica.
O mais importante, nesse
gráfico e no de total de mor-


tos, é que o Brasil mostra
uma linha sempre crescente,
ao contrário do que já aconte-
ce na maioria dos demais, que
demonstram haver atingido o
seu pico. Esta é a questão:
quando virão os nossos picos?
Não tenho a menor ideia, mas
não estão à vista, em face das
razões inicialmente aponta-
das. Escrevi picos porque se-
rão muitos, dada a enorme di-
mensão e diversidade do País
e seus 5.570 municípios. Esse
número também implica um
enorme problema de gestão.
Passando à economia, seu
estado também é muito preo-
cupante. Quando veio a co-
vid-19, ainda não se havia re-
cuperado da depressão inicia-
da em 2015. E agora esse bura-
co se aprofunda continua-
mente. Os números mostram
que em março, com impacto
apenas na segunda quinzena,

a indústria caiu 9,1%; o comér-
cio varejista, 2,5%; os servi-
ços, 6,9%; a arrecadação fede-
ral 3,3%. E foi a pior para o
mês em dez anos. Isso preci-
sa ser realçado, pois o gover-
no federal vem expandindo
fortemente suas despesas,
sua receita cai, seu déficit pri-
mário (sem os gastos com ju-
ros) cresce e sua dívida sobe
como fração do cadente pro-
duto interno bruto (PIB). Se
essa escalada não for contida,
poderá levar a uma crise fi-
nanceira associada à dívida
pública. Duas agências inter-
nacionais de classificação de
risco já atualizaram a perspec-
tiva do rating soberano do
País, de estável para negativa.
Assim, a espera pelos picos
da doença e de indicadores de
sua reversão não pode seguir
indefinidamente, porque ca-
be preservar também a saúde
da economia, a que paga a
conta. Se os picos não vierem
até o fim deste mês, devem
ser tomadas medidas para
conviver com a covid-19. O

distanciamento social ajuda,
mas não pode ser absoluto,
uma vez que também traz
grandes males, como ao preju-
dicar atividades econômicas
que garantem o sustento de
importantes segmentos da po-
pulação, principalmente os
mais pobres. Cabe uma libera-
ção controlada e focada em
atividades específicas da eco-
nomia, por localidades e com
protocolos que estabeleçam
equipamentos de proteção in-
dividual, distâncias mínimas
entre as pessoas em locais fo-
ra de casa e que elas sejam fre-
quentemente testadas para sa-
ber se houve contágio ou não.
O governo mostra-se aves-
so a ter um papel mais direto
no fomento da economia,
mas é preciso agir também
dessa forma, pois não dá para
ficar esperando que tudo se
normalize automaticamente.
Ele argumenta que carece de
recursos para investimentos
e que só o setor privado pode
fazê-los em magnitude rele-
vante. Mas esse setor quer sa-
ber se seu investimento pro-
duzirá retorno superior ao
do capital próprio em usos al-
ternativos, e ao do capital ob-
tido via financiamentos.
Quer também ter a confiança
de que o governo manterá
suas finanças sob controle,
respeitará contratos e atuará
de forma a criar perspectivas
positivas quanto ao futuro
do PIB. Planejar e criar esse
quadro toma tempo, mas por
isso mesmo é preciso atuar
desde logo.
Um bom início seria dar
atenção à infraestrutura, da-
das as carências do País nes-
sa área, como em saneamen-
to básico, gastando ao menos
para elaborar bons projetos
executivos de obras que pos-
sam ser oferecidos em condi-
ções atraentes ao setor priva-
do. A construção civil é outro
entre os setores carentes de
maior atenção.

]
ECONOMISTA (UFMG, USP E
HARVARD), PROFESSOR SÊNIOR
DA USP. É CONSULTOR ECONÔMICO
E DE ENSINO SUPERIOR

PUBLICADO DESDE 1875

LUIZ CARLOS MESQUITA (1952-1970)
JOSÉ VIEIRA DE CARVALHO MESQUITA (1947-1988)
JULIO DE MESQUITA NETO (1948-1996)
LUIZ VIEIRA DE CARVALHO MESQUITA (1947-1997)
RUY MESQUITA (1947-2013)

FRANCISCO MESQUITA NETO / DIRETOR PRESIDENTE
JOÃO FÁBIO CAMINOTO / DIRETOR DE JORNALISMO
MARCOS BUENO / DIRETOR FINANCEIRO
MARIANA UEMURA SAMPAIO / DIRETORA JURÍDICA
NELSON GARZERI / DIRETOR DE TECNOLOGIA

CENTRAL DE ATENDIMENTO AO LEITOR:
FALE COM A REDAÇÃO:
3856-
[email protected]
CLASSIFICADOS POR TELEFONE:
3855-
VENDAS DE ASSINATURAS: CAPITAL:
3950-
DEMAIS LOCALIDADES:
0800-014-
VENDAS CORPORATIVAS: 3856-

RETORNO
Apple deve chegar a
100 lojas reabertas

Médico usa fantasia
para abraçar filha

COMENTÁRIOS DE LEITORES NO PORTAL E NO FACEBOOK:

ARND WIEGMANN/REUTERS LUCAS FRAGOSO/ARQUIVO PESSOAL

]
Roberto Macedo


Tema do dia


Segundo levantamento da
Comparisun, Bezos deve
atingir o patamar em 2026.

http://www.estadao.com.br/e/trilionario

A pandemia e a


saúde da economia


Cabe uma liberação
controlada e focada
em atividades
econômicas específicas

A pandemia


da ignorância


O remédio de que
dispomos contra ela
responde pelo nome
de impeachment

AMÉRICO DE CAMPOS (1875-1884)
FRANCISCO RANGEL PESTANA (1875-1890)
JULIO MESQUITA (1885-1927)
JULIO DE MESQUITA FILHO (1915-1969)
FRANCISCO MESQUITA (1915-1969)

AV. ENGENHEIRO CAETANO ÁLVARES, 55
CEP 02598-900 – SÃO PAULO - SP
TEL.: (11) 3856-2122 /
REDAÇÃO: 6º ANDAR
FAX: (11) 3856-
E-MAIL: [email protected]
CENTRAL DE ATENDIMENTO
AO ASSINANTE
CAPITAL E REGIÕES METROPOLITANAS:
4003-
DEMAIS LOCALIDADES: 0800-014-77-
https://meu.estadao.com.br/fale-conosco

CENTRAL DE ATENDIMENTO ÀS AGÊNCIAS DE
PUBLICIDADE: 3856-2531 – [email protected]
PREÇOS VENDA AVULSA: SP: R$ 5,00 (SEGUNDA A
SÁBADO) E R$ 7,00 (DOMINGO). RJ, MG, PR, SC E DF:
R$ 5,50 (SEGUNDA A SÁBADO) E R$ 8,00 (DOMINGO).
ES, RS, GO, MT E MS: R$ 7,50 (SEGUNDA A SÁBADO)
E R$ 9,50 (DOMINGO). BA, SE, PE, TO E AL: R$ 8,
(SEGUNDA A SÁBADO) E R$ 10,50 (DOMINGO). AM, RR,
CE, MA, PI, RN, PA, PB, AC E RO: R$ 9,00 (SEGUN-
DA A SÁBADO) E R$ 11,00 (DOMINGO)
PREÇOS ASSINATURAS: DE SEGUNDA A DOMINGO


  • SP E GRANDE SÃO PAULO – R$ 134,90/MÊS. DEMAIS
    LOCALIDADES E CONDIÇÕES SOB CONSULTA.
    CARGA TRIBUTÁRIA FEDERAL: 3,65%.


Bolsonaro demite


Regina Duarte da


Secretaria de Cultura


Após dias de ‘fritura’, atriz vai assumir o
comando da Cinemateca Brasileira, que
fica em São Paulo

]
Eugênio Bucci

ANDREW COULDRIDGE/REUTERS SAUDADE

No estadao.com.br


MERCADO

Bancos estrangeiros
projetam dólar a R$ 6

E-INVESTIDOR

11 homens disputam
título de 1º trilionário
Free download pdf