O Estado de São Paulo (2020-05-21)

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A8 QUINTA-FEIRA, 21 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Internacional

Crise oferece chance de mudança no


perfil das grandes metrópoles globais


WASHINGTON


O presidente dos EUA, Donald
Trump, voltou a atacar ontem a
China e a gestão do país na crise
do coronavírus ao dizer que a
“incompetência” chinesa foi o
que causou um “massacre glo-
bal”. O americano tem falado ca-
da vez mais sobre os efeitos da
pandemia na economia e atrela-
do a queda nos indicadores ao
gerenciamento do surto pelo go-
verno da China, onde o vírus
apareceu pela primeira vez no
fim do ano passado.
Em postagem no Twitter,
Trump atacou um documento
chinês que diz que outros ato-


res globais foram responsáveis
pela crise atual. O republicano
tratou a conclusão como a de
um “louco” e disse que a “in-
competência da China – mais
do que qualquer outra coisa –
foi o que causou esse massacre
mundial”.
No início da crise, Trump mi-
nimizou os riscos do vírus e dis-
se em várias ocasiões que a Chi-
na estava assumindo o controle
da epidemia. No entanto, à me-
dida que a pandemia avançava,
ele mudou seu discurso e come-
çou a atacar Pequim.
Em um ano eleitoral, em que
o aumento do desemprego
ameaça suas chances de reelei-
ção em novembro, Trump reite-
ra há semanas que as conse-
quências da pandemia, que já
deixou mais de 320 mil mortos
no mundo, poderiam ter sido
evitadas se a China tivesse agi-
do de maneira mais assertiva.
Atualmente, os EUA são o

país com mais mortes pela co-
vid-19 em todo o mundo, com
mais de 90 mil óbitos. No come-
ço deste mês, sem apresentar
provas, a Casa Branca sugeriu
que o vírus foi criado em um la-
boratório chinês e teria se espa-
lhado acidentalmente.
O presidente americano tam-
bém tem repetido o discurso de
que Pequim precisa compensar
financeiramente o mundo pe-
las perdas durante a pandemia.
Trump não poupa nem a Orga-
nização Mundial de Saúde
(OMS). Para ele, a entidade é
aliada da China. Por isso, ele
ameaça cortar o financiamento
da OMS – os EUA destinam
US$ 450 milhões por ano ao ór-
gão, a maior fatia dentre todos
os países-membros.

‘Mentiras’. O porta-voz do Mi-
nistério das Relações Exterio-
res chinês, Zhao Lijian, respon-
deu a Trump dizendo que “os
EUA se esqueceram que seus lí-
deres elogiaram publicamente
a China pelo trabalho contra a
epidemia”. “Existem muitos er-
ros e brechas no lado america-
no, com suas mentiras e rumo-
res”, afirmou Lijian. / AFP

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Ishaan Tharoor
THE WASHINGTON POST


A pandemia de coronavírus
expôs os profundos proble-
mas sistêmicos das grandes
cidades e vem levantando
questões sobre a possibilida-
de de algum dia elas voltarem
a ser o que eram antes. As capi-
tais financeiras dos países
mais ricos e as megalópoles
fervilhantes do mundo em de-
senvolvimento ganharam
uma chance de se transfor-
mar, segundo urbanistas, eco-
nomistas e historiadores.

Evidentemente, o desafio da
mudança não é um fenômeno
novo. A história das epidemias,
há centenas de anos, mostra
que os centros urbanos sempre
foram os principais vetores do
contágio e do sofrimento. Dos 5
milhões de contaminados com
a covid-19, cerca de 95% vivem
em áreas urbanas. O fato de mui-
tas cidades terem se recupera-
do da devastação causada por
doenças no passado não signifi-
ca que todas conseguirão supe-
rar a crise atual.
“Até o momento, as cidades
sempre se recuperaram”, escre-
veu no Financial Times Camilla
Cavendish, ex-assessora do go-
verno britânico. “A necessida-
de de fazer negócios, de despa-
char bens de consumo e de tro-
car ideias, inexoravelmente,
produziu talentos e dinheiro.
Os empregos migraram para as
cidades, e as pessoas migraram
com eles.”
Mas talvez agora não seja este
o caso. As necessidades do dis-
tanciamento social mergulha-
ram o mundo em um gigantesco
experimento com o trabalho re-
moto e alguns funcionários de
escritórios talvez nunca mais
queiram voltar ao mesmo estres-
se de antes, incluindo o alto cus-
to de vida e os riscos para a saú-
de associados ao dia a dia em
uma grande e densa metrópole.
De acordo com Camilla, as
tendências que já vinham se
concretizando talvez se acele-
rem. As populações de cidades
globais, como Nova York, Paris
e até mesmo Xangai, estavam di-
minuindo antes da eclosão da
pandemia, em grande parte co-
mo consequência dos preços


exorbitantes dos aluguéis.
O impacto da pandemia na vi-
da urbana será enorme e de lon-
go alcance. Na terça-feira, a
Unesco, a agência cultural da
ONU, advertiu que a crise pode
acabar com um em cada oito
museus do mundo. Inúmeros
comerciantes e empresas lo-
cais, que contribuem para dis-
tinguir as cidades dos subúr-
bios e periferias, serão extintos.
Por mais de um século, as ci-
dades prosperaram. Mas esque-
cemos que as doenças contagio-
sas moldam o destino delas des-
de que a Peste do Egito matou
Péricles. Nos últimos 100 anos,
os empregos foram transferi-
dos das fazendas para as fábri-
cas e para os setores de servi-
ços, que agora empregam 80%
dos trabalhadores americanos.
Somente nos EUA, 32 milhões
de empregos estão nos setores
de varejo, lazer e hospitalidade


  • eles é que estão na linha de
    frente da pandemia.
    Uma recente pesquisa realiza-
    da nos EUA concluiu que 70%
    dos pequenos restaurantes não
    esperam reabrir, caso a crise du-


re mais de quatro meses. Cente-
nas de cidades americanas e
centros menores pretendem re-
duzir os serviços públicos no
próximo ano, porque a arreca-
dação está caindo.
Inúmeras empresas darão
fim às instalações físicas e, com
a desaceleração da demanda
por imóveis comerciais, os arra-
nha-céus que marcam o hori-
zonte de Manhattan e Mumbai
serão mais elefantes brancos
do que símbolos de poderio fi-
nanceiro. E a vida talvez se tor-
ne ainda mais incerta para os
que trabalham nas ruas, pois
centenas de milhões depende-
rão da economia informal para
sua subsistência.
“Se a pandemia se tornar o no-
vo normal, dezenas de milhões
de empregos no setor de servi-
ços deixarão de existir nas gran-
des cidades”, escreveu Edward
Glaeser, professor de econo-
mia de Harvard. “A única chan-
ce de impedir este armagedon
do mercado de trabalho será in-
vestir bilhões de dólares de ma-
neira inteligente em infraestru-
tura de saúde para fazer frente

às pandemias, para que este ter-
rível surto nunca mais se repi-
ta”, disse Glaeser.
Em outros tempos, as doen-
ças inspiraram inovações e mu-
danças substantivas. “Nos
anos 1850, as cidades de Nova
York, Paris e Londres recons-
truíram suas redes de esgotos
para acabar com uma pande-
mia global de cólera que durou
um século, matou mais de 1,
milhão de pessoas e introduziu
uma nova era de serviços públi-

cos urbanos que se espalharam
por todo o planeta”, escreveu
Steve LeVine na revista Me-
dium‘s Gen.
“Quando as cidades foram
atingidas por pandemias, no iní-
cio do século 20, a sociedade res-
pondeu com a ‘desdensifica-
ção’. Manhattan passou de 2,
milhões de habitantes, em
1920, para 1,5 milhão, em 1970.
Um processo semelhante ocor-
reu em Londres e Paris”, escre-
veu Joel Kotkin, urbanista da
Chapman University, da Cali-
fórnia. “À medida que mais pes-
soas se mudaram para a perife-
ria, as cidades se tornaram mais
seguras. Uma estratégia seme-
lhante nos ajudará no futuro.”
As cidades também se torna-
rão bases para uma onda de en-
saios, desde experiências benig-
nas – como as de muitas locali-
dades que fecharam as ruas ao
trânsito de automóveis e expan-
diram a vida ao ar livre, com es-
paços reservados para pedes-
tres ou bicicletas – até as mais
sinistras – no caso das novas tec-
nologias de vigilância e do ras-
treamento de contatos que po-

derão dominar a vida urbana
mesmo após a pandemia.
No início do mês, a revista Fo-
reign Policy publicou uma série
de análises de urbanistas com
visões do futuro das cidades.
São muitas as razões para temer-
mos a incapacidade de regenera-
ção de algumas delas, mas o seu
resultado serão centros metro-
politanos mais equitativos,
mais acessíveis e mais seguros
em termos de saúde pública.
“Artistas e músicos poderão
voltar, atraídos por aluguéis
mais baixos, graças às conse-
quências econômicas do vírus.
A crise oferece ainda uma breve
oportunidade para que as cida-
des caras e com alto grau de gen-
trificação possam começar de
novo e reorganizar suas cenas
criativas”, escreveu o urbanista
Richard Florida, da Universida-
de de Toronto. “As previsões so-
bre a morte das cidades costu-
mam ser seguidas de choques
como este. Mas a urbanização
mostrou sempre uma força
maior do que as doenças infec-
ciosas.” / TRADUÇÃO DE ANNA
CAPOVILLA

Urbanistas, economistas e historiadores preveem que pandemia de coronavírus provocará esvaziamento das grandes cidades,


desaparecimento de milhares de empregos no setor de serviços e oportunidade de ampliar vias para circulação de pedestres e bicicletas


lOs EUA anunciaram ontem o
envio de mais US$ 2,5 milhões
ao Brasil para combater a covid-
19 – na terça-feira, o Centro de
Controle e Prevenção de Doen-
ças (CDC) já havia prometido libe-
rar US$ 3 milhões. Até o momen-
to, o total de recursos oferecidos
pelo governo americano chega a
US$ 6,5 milhões.
O anúncio foi feito pelo embai-
xador americano em Brasília,
Todd Chapman. “(Os recursos)
demonstram nossa forte parceria
bilateral e nosso compromisso
com o povo brasileiro”, disse o
diplomata. O governo dos EUA já
aprovou o envio de US$ 1 bilhão
em ajuda para outros países do
mundo na luta contra o vírus.

Trump diz que ‘incompetência’


chinesa causou ‘massacre global’


l Prejuízos

REUTERS

EUA enviam ao País


mais US$ 2,5 milhões


Presidente dos EUA


volta a acusar a China


de ser responsável


pela pandemia de


coronavírus


JUSTIN LANE / EFE

70%
dos pequenos restaurantes não
esperam reabrir caso a crise
dure mais de quatro meses,
segundo pesquisa realizada nos
Estados Unidos

1
em cada 8 museus do mundo
não deve reabrir, de acordo com
a Unesco, a agência cultural da
Organização das Nações Unidas

Isolamento. Região da Bolsa de Valores de Nova York em quarentena: muitos funcionários de escritórios podem nunca mais deixar o trabalho remoto

Ciclone deixa 2,4 milhões fora de casa
O ciclone Amphan deixou 2,4 milhões de desabrigados em plena pandemia
na Índia e em Bangladesh. Segundo autoridades, a maior dificuldade tem
sido proteger as pessoas e manter o distanciamento social ao mesmo tempo.
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