Estado de Minas (2020-06-01)

(Antfer) #1

EM


ESTADODE MINAS●SEGUNDA-FEIRA,1ºDEJUNHO DE 2020●EDITORA:Silvana Arantes●EDITORA-ASSISTENTE:Ângela Faria●E-MAIL:[email protected]●TELEFONE:(31) 3263-5 126


★★


WhatsApp:(31) 99508-

TEMPOSDIFÍCE IS

Músicos da bandamineiraIconili
buscamalternativas para
enfrentar atemporada sem
shows, fazendo serenata
on-lineeproduzindo
cachimbosartesanais

PÁGINA 6

Pandemiaimpôsoisolamento socialao mundo,transformandoas formasde viver,dese


relacionaredemorar.Paraarquitetos,mudançasterãoimpacto no futurodahumanidade


DITADURA


DA DISTÂNCIA


PEDROGALVÃO

N


as últimas semanas,paísesque
conseguiramcontrolaraCO-
VID-19vêmtentandoretomar
partedasatividadessociais,in-
terrompidasdurante mesespeloavanço
donovocorononavírus.Nesteplaneta
apavoradopelavelocidadedacontamina-
çãoeapossibilidadedeoutraspande-
mias,surgemimagensemblemáticasso-
brecomopoderáserofuturo,marcado
pelodistanciamento social.
Emparques,sãodemarcadosos lugares
ondeas pessoasdevemficar.Empátioses-
colares,criançasestão“confinadas”sobre
quadradosnochão, desenhadoscomgiz.
Naspraias,veem-sebanhistasisolados,e
nãomais acoloridaconfusãodeguarda-
sóis.Nosrestaurantes,clientesusamequi-
pamentosdeproteçãoemvoltadorosto.
Reaisoufictícias,taiscenas viralizaramnas
redessociais.
Entreoexcessodeimaginaçãoearea-
lidadeconcreta,especialistasemarquite-
tura,urbanismoedesigntraçamcená-
rios pós-pandemia.Mudançasjá sãopre-
vistasparaointeriordasresidências,on-
degrandepartedahumanidadese tran-
counosúltimosmeses.
“A lgunsambientesdomésticosdeman-
dammais privacidadeondeantesse pro-
curava integração”,afirmaadesignerde in-
terioresIaraSantos.Deacordocomela,es-
sa seria aconsequência imediata doconví-
viomais intensodasfamílias,cujosinte-
grantes,antesdapandemia,passavam
poucotempojuntosemcasa.


HISTÓRIAAdesignerconsideradifícil iden-
tificarclaramente tendências paraofutu-
ro,emboraobservequemudançaspare-
çaminevitáveis.“Vimosissoemvários
momentosdahistória,mesmosemser
porcausadepandemia.Oapagão(em
2001)trouxeumtipodeconscientização
queocasionoumudançasdemateriaise
nailuminaçãodeambientes,porexem-
plo.Porém,tudoaindaémuitosubjetivo.
Podeserquetenhamosmais portasnas
casas,mais isolamento acústico,maisva-
lorizaçãodopróprio espaço.”
OarquitetomineiroMarcosNobrenota
que,naprática,algumas característicasjá
se “redesenham”.Ele cita as solicitaçõespa-


raqueprojetosresidenciaisincluamo
genkan–halltípicodoJapãoelaresori-
entais,criadoparaguardarossapatosde
quemchegadarua.Issojá éconsequên-
ciadapreocupaçãoemevitaracontami-
naçãopormeiodospés.
“Comareestruturaçãodosespaços,te-
remosavolta dominimalismo, muitousa-
donosanos1980,comareduçãodosexces-
sos.Háconforto,mas comestruturasmais
básicas.Otempopassadoemcasafezmui-
ta gente perceberqueoexcessodecoisas
trazdificuldadesde limpezaemanutenção.
Aquarentenapossibilitouessapercepção
paramuitagente”,argumenta oarquiteto.
Nobreprevêespaçosdeconvivência
configuradoscommais divisórias,oque
deve ocorrertambémemveículos.“Haverá
umcertoafastamento corporal”,diz, obser-
vandoquetaismudançassãosociaise
comportamentais.
“Outrasmudançasnoplaneta,comoas
ocasionadaspelaRevoluçãoIndustrial,ge-
raramtransformaçõesquandoas pessoas
passaramaficarmenostempoemcasa,
dandolugararesidênciascadavezmeno-
res”,explica.
Mudançasdevaloresecostumestêm
impactosobreaarquitetura.“É sempreum
jogodevai evolta. Nosanos1990,atendên-
cianoBrasilfoifechar varandas.Hoje,as
pessoasqueremterumaáreaexternano-
vamente, algointermediário entreos mun-
dosexternoeinterno,emvez dejanelase
cortinas”,explica.
Aleiturahistóricaéfundamentalpara
pensarofuturo.“Osespaçosdeconvivên-
ciasãovários–corporativo,residenciale
público.Cadaumteráumasituaçãodife-
rente, masemcomumháoolhar mais sen-
sível, mais poético,paraavida.Issose refle-
te tanto nacasa,nolar,quanto noespaço
urbano.Durante oisolamentosocial,as
pessoastiveramdeentendersuaprópria
casadeoutraforma. Atéentão,considera-
vamolar comodormitório,porqueapreo-
cupaçãoeratrabalhar,viajar,independen-
tementedearesidência serbonitaoufeia,
pequenaougrande.Emmuitoscasos,não
haviaumtraçoafetivo”, afirmaoarquiteto
deinterioresGeraldoFerreira.
“A casateráde agregar mais funções,co-
moeraantigamente.AntesdaRevolução
Industrial,você tinhaoferreiroeopadeiro
comseusofíciosvinculados àcasa,quefi-

cavaaofundodocomércio.Depois,tudo
foifragmentadoesegmentado,assimco-
moaprópria linhadeprodução.Vocêpas-
souater acasaondedorme,olocalonde
trabalhaeumdeslocamento longoentre
osdois”,destacaFerreira.Naopiniãodo
arquiteto,omomento éderepensaresses
espaçosapartirdarevisãodecostumes.
“Comaquarentena, houve quempen-
sassequemoranumlugargrandede-
mais, oupequenodemais.Essapercepção
nãoéprática,nãoéracional, masnota-se
anecessidadede mudar.Claroquedepois
háaracionalização,entramos custosea
necessidadededinheiro pararealizar tais
mudanças.Porém,oolhar ficoumais sen-
sível”,acreditaoarquiteto.

CIDADEOmesmoocorreemrelaçãoaos
espaçosurbanos.“Seantesachávamos
queacidadeésóumlugar paravocê pas-
sardecarro,ficaoentendimento deque
elatambémdeveseraextensãodasua
casa.Especialmente amobilidadeurbana
éapartemais sensível.Enãohásanea-
mento básicopara30%a40%dapopula-
çãobrasileira.Apandemiaveio alertar
aindamais sobreessasnecessidades.É
umaquestãoeconômica epolíticatam-
bém”,destacaoespecialista.
Poroutrolado,GeraldoFerreiranão
acreditanodistanciamento socialcomo
novoparâmetro.“Aaglomeraçãoéinevi-
tável nestenossomodelode vida.As cida-
desreforçamonossoinstinto desociali-
zação,detrocadeserviços,deculturaede
entretenimento.Desdequeoser huma-
nodesenvolveuaagricultura,elevivena
cidade.Durante as pandemiasanteriores
–apestenegra,agripeespanhola–, hou-
veisolamento,mas depoisse retomoua
convivêncianas cidades”,observa.
Deacordocomoarquiteto,cabeà
ciência acriaçãodavacina,eoisola-
mentoseráfundamentalenquantois-
sonãoocorre.QuandoaCOVID-19for
controlada,haverá umretornoàconvi-
vência social,emboradeformamais
sensível, acredita.
“A ntes dapandemia,grandesempre-
sasespecializadasempesquisadeten-
dênciasjá reforçavamoqueexperimen-
tamosnas duas primeirasdécadasdeste
século:oslowly.Ouseja,anecessidadede
desacelerar,detentarsermais sustentá-

vel, deconsumirmenos”,lembraFerreira.
“Então,éumatendência querevestimen-
tosetecidossejammais naturais,sensí-
veis aotoque.Coresterrosasnosreme-
temànatureza,nosconectam,nosaque-
cem.Issoestarápresente naarquiteturae
nodesign”,prevê.

RUPTURAMyriamBahiaLopes,professo-
ra daEscoladeArquiteturaeDesignda
UniversidadeFederaldeMinasGerais,
acreditaqueas mudançasvieramparafi-
car.“Essainflexãoéumaruptura,uma
transformação.Nãotemvolta. Oretorno
ànormalidadedequemuitosfalamnão
existe”,defendeahistoriadora,quecoor-
denaoNúcleo deHistória daCiência eda
Técnicadainstituição.
AutoradolivroCorposinscritos:Vaci-
na antivariólicaebiopoder,MyriamLo-
pesdizqueatransformaçãotemvários
desdobramentos.“Nossaprimeiracasa
éocorpo,eessarupturapassadeuma
formamuitovisível pelocorpo.Aprote-
çãopassapelousodemáscaras,pelain-
terdiçãoaotoque.Todaestaformade
ser,deseexpressaredeexistirfoiim-
pactada.Hánovos modosdecoexistên-
cia, temosdepensaranossaexistência
noplaneta”,defende.
Destacandoarelaçãodestrutiva doser
humanocomomeioambiente,seguin-
doalógicadosistemaprodutivo, aprofes-
sorareforçaquemudançasnoespaçoes-
tarãoacompanhadasdetransformações
comportamentais.“Tudoterádeserre-
pensado.Nos paísesonderesolveramre-
tomar aulasemcreches,vimosacenade-
soladoradascrianças,nopátio,comaque-
lesquadrados,sempodersairouse tocar.
Essecontextosociotécnicofazcomque
corpoeespaçose transformem”,observa
aprofessora.
“Podemosvislumbrarpequenosas-
pectos,mínimos,masquesãograndes
desafios.Hoje,porexemplo,não temoso
espaçodaruaparaademocracia. Como
elavaisereinventar?Aruaésuperimpor-
tante paraademocracia, desdeoinício”,
lembra.“Seria umamudançagigantesca.
Épreciso repensar desdecomoasocieda-
de terásuasrepresentaçõesdemocráticas
atécomomecomunicareicomalguém
quenãovêametadedomeurosto”,con-
clui MyriamLopes.

Essainflexão


éuma


ruptura,


uma


transformação.


Nãotem


volta


■■Myriam BahiaLopes,
professora da Escola de
ArquiteturadaUFMG

Haverá


umcerto


afastamento


corporal


■■MarcosNobre,
arquiteto

JOHANNESEISELE/AFP

Distanciamento social
impactouaconvivência dos
frequentadores do Domino
Park, em Nova York

FLÁVIO

CHARCHAR/DIV

ULGAÇ

ÃO
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