O Estado de São Paulo (2020-06-02)

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A12 Política TERÇA-FEIRA, 2 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Ciro Campos


O governador João Doria
(PSDB) determinou ontem
que protestos de grupo ri-
vais não podem ocorrer na
mesma data, horário e local.
O objetivo é tentar evitar ce-
nas como a do último domin-
go, quando manifestantes a
favor e contra o presidente
Jair Bolsonaro fizeram atos
na Avenida Paulista.
Torcidas organizadas e cole-
tivos de torcedores de times
de futebol pretendem fazer no-
vos atos contra o presidente
Jair Bolsonaro, a exemplo da
manifestação realizada an-
teontem na Avenida Paulista.
Segundo a Associação Nacio-
nal das Torcidas Organizadas
do Brasil (Anatorg), foram re-
gistrados protestos em 14 Esta-
dos. Embora não haja uma lide-
rança única, esses coletivos
têm se reunido em torno de
uma pauta comum.
Também ontem, o presiden-
te Jair Bolsonaro recomendou a
seus que apoiadores evitem
marcar atos na mesma data em
que houver protestos contrá-
rios ao seu governo. “Estão mar-
cando domingo um movimen-
to, né? Deixa sozinho o domin-
go (...) Já que eles marcaram pa-
ra domingo, deixa domingo lá”.
A mobilização de grupos liga-
dos às organizadas recebeu, em
São Paulo, o nome de “Somos
Democracia”. Nos últimos
dias, outros grupos da socieda-
de divulgaram manifestos em
defesa dos valores democráti-
cos, em meio a declarações de
apoiadores do presidente Jair
Bolsonaro que pregam o fecha-
mento do Congresso Nacional
e do Supremo Tribunal Federal
(mais informações nesta página).
A maior parte dos integran-
tes da manifestação de domin-
go na Avenida Paulista era da
Gaviões da Fiel, principal torci-
da do Corinthians, mas tam-
bém compareceram torcedores
de Palmeiras, Santos e São Pau-
lo. Inicialmente, o movimento
tinha como objetivo se contra-
por ao protesto favorável ao go-
verno federal também marcado
para a Paulista.
Por parte da Gaviões da Fiel,
quem organizou a mobilização
foi o estudante de história e mo-
torista de aplicativo Danilo Pás-
saro, de 27 anos. “O movimento
nasceu de forma autônoma,


não foi algo articulado entre tor-
cidas organizadas, mas de cida-
dãos que se reúnem em jogos
do Corinthians e sentem que
existe uma escalada autoritária

no Brasil”, disse. Segundo ele,
houve um esforço para que ou-
tras torcidas participassem.
“Temos pessoas que conhecem
lideranças de outras torcidas e

que fizeram o contato para se-
lar a participação. Se está pela
democracia, pode se soma.”
“Não vamos aguentar cala-
dos. O que não cabe no Corin-
thians é um sujeito que apoiou a
ditadura. Nosso movimento de
domingo abriu a porteira para
os próximos”, disse um dos fun-
dadores da Gaviões, o publicitá-
rio Chico Malfitani, de 70 anos.
Fora os coletivos de torcedo-
res, também participaram pes-
soas que não pertencem a esses
grupos, mas são seguidores das
equipes e se posicionam contra
Bolsonaro. É o caso do designer
palmeirense Gabriel Santoro,
de 37 anos. “Fiquei sabendo que
teria essa manifestação e para
mim, a ideologia política está
acima de qualquer clube.”
Segundo os torcedores que
participaram da manifestação,
o confronto com a Polícia Mili-
tar teve como estopim uma pro-
vocação feita por militantes

pró-Bolsonaro, que estavam
em outro ponto da Avenida Pau-
lista e se aproximaram do gru-
po com faixas, bandeiras e xin-
gamentos. A PM jogou bombas
de gás lacrimogêneo. Manifes-
tantes atearam fogo em latas de
lixo e quebraram vidros.

Minas. Em Belo Horizonte, o
protesto das organizadas con-
tra Bolsonaro reuniu centenas
de manifestantes. A manifesta-
ção foi convocada a partir da liga-
ção entre as torcidas de diferen-
tes clubes e a existência de filiais
delas espalhadas pelo País.
Um membro da Galo Antifa,
do Atlético-MG disse que a mo-
bilização contou com células
mineiras de torcidas de times
cariocas, além de movimentos
dos times locais que já tinham
se posicionado contra Bolsona-
ro, como coletivos feministas. /
COLABORARAM JULIA LINDNER,
MARINA ARAGÃO e PALOMA COTES

Pedro Venceslau


O governador João Doria
(PSDB) apresentou ontem uma
notícia-crime para pedir a ins-
tauração de inquérito policial
com o objetivo de apurar 31 su-
postos crimes de difamação e
um de ameaça sofridos pelo tu-
cano no Twitter. Os ataques fo-
ram feitos pela ativista de direi-


ta conhecida como Sara Win-
ter, que também fez ameaças ao
ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF), Alexandre de
Moraes, e organizou ato no sá-
bado em frente à Corte.
Sara Winter está entre os 29
alvos da operação da Polícia Fe-
deral realizada no dia 27 e deter-
minada por Moraes no inquéri-
to que apura ameaças, ofensas e
a disseminação de fake news
contra integrantes da Corte e
seus familiares.
Depois da ação da PF, Sara
Winter gravou um vídeo no
qual disse que vai “infernizar” a
vida do ministro do STF. Em
postagens no Twitter, a militan-

te xinga Doria de “oportunis-
ta”, “sádico”, “covarde” e “bo-
tox ambulante”, entre outros.

Nazismo. No pedido assinado
pelo advogado Fernando José
da Costa, há menção ao fato de
Sara Fernanda Giromini – o ver-
dadeiro nome de Sara Winter –
ser filiada ao DEM, partido do
vice-governador Rodrigo Gar-
cia. Segundo o documento, a es-
colha da ativista por esse nome
coincide com o nome Sarah
Winter Donville Taylor, que foi
espiã de Adolf Hitler e membro
da União Britânica de Fascistas
no século XX.
A notícia-crime inclui um

post de Sara Winter no Face-
book no qual ela disse que foi
treinada na Ucrânia e que “che-
gou a hora de ucranizar”, além
de fotos dela com o presidente
Jair Bolsonaro nas redes so-
ciais. A ativista é uma das líde-
res do grupo “300 pelo Brasil”,
que está acampado em frente
ao Palácio do Planalto. O grupo
tem integrantes armados e pre-
ga bandeiras antidemocráticas.
Sara não foi localizada para
comentar a notícia-crime. Em
seu Twitter, ironizou o pedido
feito pelo governador de São
Paulo: “Doria vai me processar
porque o chamei de botox am-
bulante KKKKKKKKKKKK.”

Movimentos


pró-democracia


ganham adesões


Governador pede inquérito contra ativista


Tucano proíbe manifestações contra e a favor do governo Bolsonaro na mesma data e local; grupos de torcidas chamam novos protestos


QUAIS SÃO OS GRUPOS

U


m grupo de torcedores do Corin-
thians entrou com uma faixa escondi-
da no Morumbi em 11 de fevereiro de


  1. Era o resultado de uma ação da Ga-
    viões da Fiel e do Comitê Brasileiro da Anis-
    tia (CBA). Enquanto Sócrates e Palhinha co-
    mandaram a vitória do Timão por 2 a 1 con-
    tra os Meninos da Vila, do Santos, no alto da
    arquibancada lia-se no pano branco: “Anis-
    tia, ampla, geral e irrestrita”. Nascida para
    combater o cartola Wadih Helu, que dirigiu
    o clube por cinco mandatos e era deputado
    estadual da Arena, o partido da ditadura, a


Gaviões se uniu a ativistas do CBA, entre
eles o publicitário Chico Malfitani.
A história do envolvimento das torcidas
organizadas de futebol com a política é tão
longa quanto à da cartolagem. Na Europa, clu-
bes como a Lazio são conhecidos pelas liga-
ções de suas torcidas com a extrema-direita,
o que fez, em 2019, a torcida do Celtic levar ao
estádio um cartaz com Mussolini dependura-
do de cabeça para baixo. “Follow your leader
(sigam seu líder)”, provocavam na arquiban-
cada os escoceses. Outros têm torcidas liga-
das à esquerda, como o Livorno (ITA).
Em 1979, após a Gaviões da Fiel, foi a vez
de os flamenguistas entrarem na campanha
pela redemocratização. Os rubro-negros
criaram a Flanistia, uma torcida que ia ao
Maracanã pedir a volta dos exilados e o fim
das proscrições da ditadura. Sua estreia foi
no jogo amistoso entre Brasil e Uruguai, em

31 de maio de 1979 – vitória do Brasil por 5 a


  1. “Eu me lembro das faixas da Flanistia”,
    disse o ex-deputado e ex-ministro da Defesa,
    Aldo Rebello (Solidariedade). Aldo recebeu
    o apoio da Gaviões e da Mancha Verde (Pal-
    meiras) em suas campanhas para deputado
    federal quando estava no PC do B. Candida-
    tos a deputado estadual e federal de vários
    partidos, como PT, PSD e MDB, receberam
    apoio das torcidas. “Elas se mobilizam e têm
    capilaridade e enraizamento na periferia.
    São uma força”, explica Aldo.
    Mas, mais do que candidaturas, as torci-
    das e jogadores se engajaram em lutas supra-
    partidárias. Esse foi o caso de Reinaldo, o
    maior centroavante da história do Atlético-
    MG. Foi assim também que, em 1984, a Ga-
    viões, ao lado de parte do elenco do Corin-
    thians – Sócrates, Casagrande Vladimir –,
    apoiou as Diretas-Já. No Rio, um grupo de


flamenguistas – entre eles o humorista Bus-
sunda – criou a Flá-Diretas, que estreou no
Maracanã em 28 de janeiro de 1984, na vitó-
ria de 1 a 0 sobre o Palmeiras.
A redenção rubr0-negra viria nove meses
depois, quando em 23 de setembro, o técni-
co Zagallo mandou seus jogadores “darem
uma tancredada” no Fluminense. Time do
coração do general João Figueiredo, o trico-
lor ia decidir a Taça Guanabara com o ru-
bro-negro com o apoio explícito do regime.
A torcida do Flamengo, então, estendeu a
faixa: “O Fla não malufa”, em referencia ao
então deputado Paulo Maluf, do PDS, candi-
dato do regime militar à Presidência contra
Tancredo Neves (PMDB). E foi assim: com
gol de Adílio, o Mengão ganhou a taça. Seis
meses depois, foi Tancredo que bateu Maluf
no Colégio Eleitoral, encerrando a ditadura
militar.

Movimentos da sociedade civil
com o objetivo de defender os
valores democráticos estão re-
cebendo cada vez mais apoio na
internet, e reunindo nomes de
diferentes espectros políticos.
Mais de 225 mil pessoas já assi-
naram o manifesto do “Esta-
mos Juntos”, lançado no sába-
do. O grupo tem adesão de figu-
ras como o ex-presidente Fer-
nando Henrique Cardoso, o
apresentador de TV Luciano
Huck, o jurista Miguel Reale Jú-
nior, a atriz Fernanda Montene-
gro e o músico Caetano Veloso.
“Esquerda, centro e direita
unidos para defender a lei, a or-
dem, a política, a ética, as famí-
lias, o voto, a ciência, a verdade,
o respeito e a valorização da di-
versidade, a liberdade de im-
prensa, a importância da arte, a
preservação do meio ambiente
e a responsabilidade na econo-
mia”, diz o manifesto.
Declarações recentes do presi-
dente Jair Bolsonaro e de seus
aliados sobre uma eventual rup-
tura institucional fizeram surgir
outros movimentos. A hashtag
“Somos 70 por cento”, em alusão
ao porcentual dos que conside-
ram o governo Bolsonaro ruim,
péssimo ou regular, segundo a úl-
tima pesquisa Datafolha, ganhou
força no fim de semana. Idealiza-
da pelo economista e escritor
Eduardo Moreira, teve a chance-
la de personalidades, como a
apresentadora Xuxa Meneghel.
Juristas e advogados lança-
ram no domingo o manifesto
“Basta!”, que acusa o presiden-
te de cometer crimes de respon-
sabilidade. Até ontem, 25 mil
pessoas haviam apoiado a ação,
entre elas os juristas Celso An-
tônio Bandeira de Mello, Dal-
mo Dallari e José Afonso da Sil-
va, além do presidente da Or-
dem dos Advogados do Brasil
(OAB), Felipe Santa Cruz, e o
diretor da faculdade de Direito
da USP, Floriano de Azevedo
Marques. “O que se quer é a pre-
servação da democracia”, disse
o criminalista Pierpaolo Botti-
ni, um dos signatários. / ADRIANA
FERRAZ e RENATO VASCONCELOS

GABRIELA BILO/ ESTADÃO

Após ser xingado nas
redes sociais, governador


aponta 31 supostos


crimes de difamação


e um de ameaça


Fake news. Sara Winter é investigada em inquérito no STF

NELSON ALMEIDA / AFP) - 31/5/

Doria veta atos rivais no mesmo dia em SP


Organizadas. Torcedores dos maiores times de São Paulo se juntaram domingo para manifestação a favor da democracia

l Estamos Juntos
Lançado no último sábado, o gru-
po defende “a vida, a liberdade e
a democracia” e, segundo mani-
festo, reúne nomes de “esquer-
da, centro e direita” como Fernan-
do Henrique Cardoso, Luciano
Huck e Fernanda Montenegro.

l Somos Democracia
O movimento nasceu dentro da
torcida do Corinthians para agre-
gar defensores da democracia
que veem em Bolsonaro uma es-
calada autoritária no País. Fez
ato na Paulista anteontem.

l Basta!
Juristas e advogados lançaram
domingo um manifesto intitulado
Basta!, com posicionamento con-
tra os ataque de Bolsonaro às
instituições democráticas.

l #Somos70PorCento
Idealizado pelo economista
Eduardo Moreira, o movimento
faz referência ao resultado de
uma pesquisa divulgada pela Da-
tafolha na semana passada e que
aponta que 70% dos brasileiros
consideram o governo Bolsonaro
ruim, péssimo ou regular.

]
CENÁRIO: Marcelo Godoy

Política já pautou atos


nas arquibancadas


e nos gramados

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