O Estado de São Paulo (2020-06-02)

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A14 TERÇA-FEIRA, 2 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Roberta Paraense / BELÉM
ESPECIAL PARA O ESTADO


Enquanto a curva de contamina-
ção pela covid-19 está em senti-
do decrescente na região metro-


politana de Belém, a preocupa-
ção agora se volta para o inte-
rior do Pará. Projeções apon-
tam que duas regiões devem ser
bastante afetadas: Marajó e, pa-
ra os próximos dias, a do Baixo
Amazonas.
O município de Breves, no ar-
quipélago do Marajó, foi aponta-
do pela Universidade Federal
de Pelotas como a cidade com a
pior taxa de contaminação do
Brasil. O estudo nacional apon-
ta que 25% dos moradores fo-

ram infectados. A estimativa
mostra que, dos 103 mil habitan-
tes, 25 mil se infectaram.
O governo do Estado informa
que Breves tem 14 leitos de UTI,
com a ocupação de 82,3%. Para
a cidade, foram enviados 820
testes rápidos. O paciente do
município que tem de chegar a
Belém precisa fretar um avião –
a viagem demora 45 minutos –
ou ir de barco, percorrendo 10 a
12 horas de rio. No último bole-
tim da cidade, 488 casos foram

confirmados e 56 pessoas mor-
reram com a covid-19. Outras
doenças também pressionam o
atendimento no município. Por
causa da falta de aparelhos, pa-
cientes com a covid-19 que apre-
sentam problemas renais estão
ficando sem tratamento.
“O hospital de campanha não
possui nenhuma UTI, apenas
respiradores, e ele foi construí-
do e inaugurado com 18 dias de
atraso, para atender oito muni-
cípios próximos, além de Bre-
ves”, disse o chefe de gabinete
da prefeitura de Breves, Reginal-
do Lourenço.
O pesquisador Jonas Castro,
da Universidade Rural da Ama-
zônia (Ufra), faz um alerta so-
bre aumento de casos também

no Baixo Amazonas, no oeste
paraense, região que registrou
o primeiro óbito no Estado, no
dia 1.º de abril, em Alter do
Chão, no município de Santa-
rém. A taxa de ocupação de lei-
tos de UTI na região é de 77,8%
e a de leitos clínicos é de 80,
34%. A região abrange os muni-
cípios de Alenquer, Almeirim,
Belterra, Curuá, Faro, Juruti,

Mojuí dos Campos, Monte Ale-
gre, Óbidos, Oriximiná, Placas,
Prainha, Terra Santa e Santa-
rém, a cidade que recebe o
maior fluxo de pacientes.
A Secretaria de Estado de Saú-
de pública informa que tem in-
tensificado as ações de preven-
ção no interior. Entre as medi-
das, estão a ampliação de leitos
de UTI; construção de mais qua-
tro hospitais de campanha (Sou-
re, Altamira, Redenção e Be-
lém), com mais de 420 leitos en-
tre UTIs e clínicos. Também
destaca a compra e a distribui-
ção de medicamentos que estão
sendo utilizados, de acordo
com a prescrição médica, no tra-
tamento da doença; entre ou-
tras ações.

Um em cada três casos de covid-19 já


ocorre fora das capitais e do seu entorno


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lFlexibilização
Estão sendo reabertos 36
segmentos econômicos no Esta-
do – na Região Metropolitana de
Belém, no Marajó Oriental, no
Baixo Tocantins e no Araguaia. O
anúncio foi feito na sexta-feira.

No Pará, pacientes têm de fretar


avião para chegar à capital


TARSO SARRAF/AFP–30/5/

lAlerta
“Se nas capitais o sistema
de saúde já não é o ideal,
imagine no interior. Não há
a mesma infraestrutura.
Essa é a nossa grande
preocupação.”
Pedro Vasconcelos
PRESIDENTE DA SOCIEDADE BRAS. DE
MEDICINA TROPICAL E PESQUISADOR
DO INSTITUTO EVANDRO CHAGAS

Alerta. Enterro na cidade de Breves, no arquipélago de Marajó; município paraense é apontado como a cidade brasileira com a pior taxa de contaminação

● Um em cada três casos confirmados de covid-19 ocorreu no interior do País

AVANÇO PELO INTERIOR

População
afetada

Ta x a
(100 mil/habitantes)

Casos acumulados

28
MAR

28
ABR

28
MAI

150.

458

13.

26,
milhões

81,
milhões

109,
milhões

1,75 16,71 138,

Mortes acumuladas

28
MAR

28
ABR

28
MAI

5.

9

909

26,
milhões

81,
milhões

109,
milhões

0,03 1,11 5,

Proporção de casos
registrados no interior
sobre o total do País
EM PORCENTAGEM DO TOTAL
28/MAR
28/ABR
28/MAI

12,
18,
34,

Proporção de mortes
registradas no interior
sobre o total do País
EM PORCENTAGEM DO TOTAL
28/MAR
28/ABR
28/MAI

9,
17,
22,
FONTES:SECRETARIAS ESTADUAIS DA SAÚDE E BRASIL.IO INFOGRÁFICO/ESTADÃO

4.
municípios
brasileiros já
registram ao menos
um caso confirmado
de covid-

País beira 30 mil casos e OMS diz que não é o pico. Pág. A15 }


Metrópole

Município de Breves tem


a maior taxa de infecção


do País e apenas 14


leitos de UTI; até Belém,


são 10 horas de barco


Fabiana Cambricoli


Em meio ao anúncio de rela-
xamento de quarentena em
vários Estados, o coronaví-
rus avança pelo interior do
Brasil. A área já registra um
terço de todos os casos confir-
mados de covid-19 no País e
tem ritmo de crescimento
mais acelerado do que o ob-
servado em capitais e suas
respectivas regiões metropo-
litanas, segundo levantamen-
to feito pelo Estadão com ba-
se em dados das Secretarias
Estaduais da Saúde compila-
dos pela plataforma colabora-
tiva Brasil.IO, que reúne esta-
tísticas por município.
Foram analisados os dados
acumulados de casos e mortes
por covid-19 até 28 de maio, últi-
mo dado disponível quando o
levantamento começou a ser
feito. Os números mais atuais
foram então comparados com
os cenários de um e dois meses
antes para que fosse avaliada a
evolução da doença pelo País.
No fim de março, apenas
12,4% dos casos confirmados
de covid-19 no País haviam sido
registrados em municípios do
interior. No fim de abril, esse
porcentual passou para 18,6%
e, na data mais recente, saltou
para 34,5%, o que representa
mais de 150 mil infecções confir-
madas nessa parte do País.
O número de óbitos registra-
dos no interior segue trajetória
semelhante: passou de 9,2% no
fim de março para 17,8% no fim
de abril e agora representa 22%
do total do Brasil. Em números
absolutos, já eram quase 6 mil
vítimas nessas regiões no fim
de maio.
Quando calculada a taxa de
casos por 100 mil habitantes
nos municípios afetados, verifi-
ca-se maior aceleração nas cida-
des do interior. Embora a inci-
dência da doença ainda seja
maior nas capitais e suas re-
giões metropolitanas, o índice
cresce quase duas vezes mais
rápido no interior do País.
Somente no último mês, en-
tre o fim de abril e o fim de
maio, a taxa de infecções confir-
madas cresceu 727% no inte-
rior, passando de 16,7 para 138,
casos por 100 mil habitantes.
Nas capitais e respectivas re-
giões metropolitanas, a alta foi
de 371% no mesmo período,
com o índice subindo de 68,
para 323,1 registros por 100 mil
habitantes.
Outro dado que indica a inte-
riorização da pandemia é o cres-
cente número de municípios
brasileiros com ao menos um
caso confirmado da doença. No
fim de março, eram 299. Um
mês depois, eram 1.953, e hoje já


são 4.098, o equivalente a 73,5%
de todas as cidades brasileiras.
Oito Estados já registram
mais casos no interior do que
nas capitais e regiões metropoli-
tanas: Maranhão, Mato Grosso,
Mato Grosso do Sul, Minas Ge-
rais, Pará, Paraná, Rio Grande
do Sul e Santa Catarina.
Em alguns deles, como Santa
Catarina, a pandemia já estava
mais concentrada fora da capi-
tal e sua região metropolitana

desde os primeiros casos. Em
outros Estados, porém, o fenô-
meno é mais recente. Observa-
se que, enquanto a capital tem
queda no número de casos no-
vos, o interior registra cresci-
mento acelerado de novas infec-
ções. É o caso do Pará, que, no
fim de abril, tinha apenas 24%
das suas infecções registradas
fora da região metropolitana de
Belém. Hoje, esse mesmo índi-
ce chega a 54,8%.

Em São Paulo, a maioria dos
casos segue concentrada na
Grande SP, mas a proporção de
casos no interior subiu de 15,1%
para 22,1% no último mês.

Falta de estrutura. Além de si-
nalizar a ocorrência de novos fo-
cos de disseminação do vírus, a
interiorização da pandemia
traz a preocupação de como o
sistema de saúde menos estru-
turado dessas localidades vai

conseguir oferecer assistência
adequada ao crescente número
de infectados.
Segundo dados do Cadastro
Nacional de Estabelecimentos
de Saúde (CNES), embora as ca-
pitais reúnam 24% da popula-
ção brasileira, 48% de todos os
leitos de UTI adulto do País es-
tão concentrados nelas.
Para o virologista Pedro Vas-
concelos, presidente da Socie-
dade Brasileira de Medicina
Tropical e pesquisador do Insti-
tuto Evandro Chagas, é preciso
que os governos estaduais fi-
quem atentos à situação do inte-
rior antes de saírem anuncian-
do planos de reabertura ao pri-
meiro sinal de declínio de no-
vos casos nas capitais.
“A interiorização é um proble-
ma muito sério porque o inte-
rior não tem a mesma infraes-
trutura de atendimento e reta-
guarda hospitalar que as capi-
tais. Isso já começou a aconte-
cer em alguns Estados e traz
dois cenários possíveis: ou o nú-
mero de infectados vai crescer
de forma que o sistema de saú-
de dessas localidades não vai
dar conta e acabará colapsando
ou esses doentes irão para as ca-
pitais, sobrecarregando mais o
sistema e aumentando risco de
uma nova onda onde a situação
já era de declínio”, ressalta.

Levantamento do ‘Estadão’ com dados compilados pela plataforma colaborativa Brasil.IO mostra que no fim de março apenas 12,4% dos


relatos confirmados de covid-19 no País haviam sido registrados em municípios do interior. No fim de maio, número saltou para 34,5%

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