O Estado de São Paulo (2020-06-06)

(Antfer) #1

A16 SÁBADO, 6 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Internacional


Após crítica de Trump, Bolsonaro


exalta amizade e cogita deixar OMS


Em guerra com Trump, prefeita de Washington


muda nome de via que dá acesso à Casa Branca


RUA GANHA


NOME DA LUTA


ANTIRRACISMO


PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


WASHINGTON


O presidente Jair Bolsonaro
evitou ontem confrontar as
declarações de Donald
Trump, que citou o Brasil co-
mo mau exemplo na luta con-
tra a covid-19. Diante do Palá-
cio da Alvorada, o brasileiro
exaltou a amizade com o ame-
ricano e sugeriu que também
pode retirar o País da Organi-
zação Mundial da Saúde
(OMS), repetindo o que fez
Trump com os EUA, em maio.
“Ou a OMS deixa de ser uma
organização política ou nós estu-
damos sair de lá”, afirmou Bolso-
naro, que evitou criticar as decla-
rações do presidente america-
no. “Trump é meu amigo, é meu
irmão. Falei com ele esta sema-
na, foi uma conversa maravilho-
sa. Um abraço Trump. O Brasil
quer cada vez mais aprofundar
nosso relacionamento”, disse
Bolsonaro.
Mais cedo, Trump fez um dis-
curso nos jardins da Casa Bran-
ca e comparou Brasil e Suécia,
que não impuseram quarente-
nas rígidas. “Se você olhar para
o Brasil, eles estão passando
por grandes dificuldades. Eles
vivem citando o exemplo da
Suécia, que está passando por
um momento terrível. Se tivés-
semos feito isso, teríamos perdi-
do um milhão, talvez até 2 mi-
lhões ou mais de vidas”, disse o
presidente americano.
A Suécia, com 10 milhões de
habitantes, registrou 4,6 mil
mortes de covid-19, oito vezes
mais que a Dinamarca e quase
20 vezes mais que a Noruega –
ambos vizinhos têm metade da
população sueca e adotaram iso-
lamento rígido. Nesta semana,
o governo sueco admitiu que de-
veria ter adotado medidas mais
duras de afastamento social pa-
ra conter a pandemia.
No Brasil, o distanciamento
foi determinado por Estados e
municípios, não pelo governo
federal. Apesar de ser considera-
do um aliado de Bolsonaro,
Trump vem adotando um dis-
curso crítico em relação ao País.


No final de abril, o americano já
havia alertado sobre o avanço
da pandemia no Brasil. Em
maio, ele suspendeu os voos do
País, citando a gravidade do ca-
so brasileiro.
A entrevista coletiva de ontem
foi convocada para Trump po-
der se vangloriar dos 2,5 milhões
de empregos criados em maio –
o desempenho econômico é con-

siderado crucial para sua reelei-
ção em novembro. Mas o presi-
dente abandonou o telepromp-
ter e disparou insultos de impro-
viso. A declaração mais questio-
nada foi quando ele se referiu a
George Floyd, negro morto por
policiais brancos em Minneapo-
lis, na semana passada – o que
deu origem à onda de protestos
que completou ontem 11 dias.
“Espero que George esteja
olhando para baixo agora e di-
zendo que isto que está aconte-
cendo é algo grandioso para nos-
so país. É um grande dia para
ele. É um grande dia para to-
dos”, disse o presidente, aparen-
temente se referindo ao aumen-
to no número de empregos.
Em seguida, a repórter Yami-
che Alcindor, da PBS, que é ne-

gra, questionou se o presidente
não faria algum pronunciamen-
to para tratar do racismo nos
EUA. Trump levantou a cabeça
e colocou o dedo indicador no
nariz, fazendo o gesto de silên-
cio. Depois, disse que o melhor
remédio contra o racismo é a re-
cuperação econômica.
As últimas semanas foram de-
sastrosas para o presidente. Ape-
sar de criticar a situação do Bra-
sil, os EUA ainda são o país mais
afetado do mundo pela covid-
19, com quase 2 milhões de ca-
sos e 110 mil mortos. As medi-
das de isolamento afetaram a
economia e o número de desem-
pregados passou de 40 milhões
em abril.
Além das crises econômica e
de saúde pública, a morte de

Floyd causou uma tensão so-
cial, com protestos contra a vio-
lência policial e o racismo. Em
vez de colocar panos quentes,
Trump optou por uma resposta
dura e ameaçou enviar tropas pa-
ra reprimir as manifestações
nos Estados. Em Washington,
ele militarizou a repressão e foi
criticado por importantes ex-ge-
nerais e militares do alto coman-
do das Forças Armadas.
Por isso, os números de on-
tem, que indicaram uma recupe-
ração do emprego em maio, con-
tribuíram para o tom otimista
do discurso do presidente. “Tí-
nhamos a maior economia da
história do mundo. E essa força
nos permitiu vencer esta horrí-
vel pandemia, que já foi pratica-
mente superada. Estamos indo

muito bem”, disse. “Tomamos
todas as decisões corretas.”
Trump falou por cerca de
uma hora. Assim que terminou,
começaram as críticas – princi-
palmente à referência feita a
Floyd. O democrata Joe Biden,
seu adversário em novembro,
classificou o discurso de “des-
prezível”. Brandon Gassaway,
porta-voz do Partido Democra-
ta, disse que a mensagem do pre-
sidente “era um tapa na cara”.
Alguns republicanos também
criticaram Trump, entre eles Mi-
chael Steele, que é negro e foi
presidente do Comitê Nacional
Republicano. “O discurso não
apenas soa mal, mas beira a blas-
fêmia diante do que aconteceu
com Floyd”, disse Steele. / WP,
NYT e REUTERS

Presidente brasileiro chama de ‘irmão’ o aliado americano, que mais cedo havia considerado o Brasil um mau exemplo na luta contra a


covid-19 e dito que, se os EUA tivessem seguido o exemplo brasileiro, poderiam ter tido até 2 milhões de mortos a mais na pandemia


A


prefeita de Washing-
ton, a democrata Mu-
riel Bowser, conse-
guiu aprovar uma mudança
no nome da 16th Street, rua
que dá acesso à Casa Branca,
que agora passa a se chamar
“Black Lives Matter Plaza”
(Vidas Negras Importam).
Ontem, ela determinou que
funcionários da prefeitura,
com a ajuda de ativistas, pin-
tassem a frase no asfalto, de
amarelo, em letras garrafais.
Segundo Muriel, a nova no-
menclatura é uma forma de
endossar a luta pela igualda-
de e contra a violência racial.
A prefeita compartilhou um
vídeo no Twitter em que a ins-
crição aparece sendo pinta-
da em frente à Praça Lafayet-
te, diante da Casa Branca. A

frase ocupa dois quarteirões da
rua onde ocorreram as manifes-
tações contra o racismo e a vio-
lência policial após a morte de
George Floyd, em Minneapolis,
na semana passada.
A rua termina quase em fren-
te à igreja de St. John, onde o
presidente Donald Trump po-
sou para fotos com uma Bíblia
nas mãos, na segunda-feira, de-
pois de a polícia dispersar os ma-
nifestantes com gás lacrimogê-
neo para que ele pudesse cami-
nhar até o local. “Queremos cha-
mar a atenção e nos assegurar
de que nosso país seja mais igua-
litário e justo e as vidas negras
importem”, disse a prefeita, du-
rante a cerimônia que marcou o
novo batismo da rua.
“Houve um disputa nesta se-
mana sobre de quem seria a

rua. A prefeita Bowser quis dei-
xar claro que ela pertence ao
Distrito de Columbia e home-
nagear os manifestantes que,
pacificamente, protestaram na
noite de segunda-feira”, disse
o chefe de gabinete da prefeitu-
ra, John Falcicchio.
Trump e Muriel vêm travan-
do um bate-boca pelas redes so-
ciais. O presidente chamou a
prefeita de “incompetente”.
Ela respondeu, pedindo a retira-
da dos militares da capital.
“Queremos as tropas fora do Es-
tado, fora de Washington”, dis-
se Muriel, em uma entrevista co-
letiva na quinta-feira.
O gesto da prefeita, porém,
provocou críticas de ativistas
do movimento Black Lives Mat-
ter na capital, pois eles acredi-
tam que Muriel, que é negra,
adotou a medida para desviar a
atenção da população das mu-
danças políticas que, segundo
os ativistas, são necessárias.
“Isto é uma distração teatral
para evitar mudanças políticas
reais. Bowser tem estado repeti-
damente do lado errado do
Black Lives Matter. Isto é para
apaziguar os brancos, enquanto
ignoram nossas demandas”, dis-
seram os ativistas no Twitter.
Alguns analistas esperam
uma manifestação grande hoje

na capital. No entanto, os 1,
mil soldados que o Pentágono
havia enviado para reforçar a se-
gurança das ruas de Washing-
ton começaram ontem a voltar
para suas bases em Fort Bragg,
na Carolina do Norte, e Fort
Drum, no Estado de Nova York.
Trump havia pedido que o

Pentágono deslocasse tropas
da Guarda Nacional para
Washington, embora Bow-
ser tenha suspendido o toque
de recolher. A Casa Branca es-
tá cercada por grades e segu-
ranças armados desde que os
protestos começaram, na se-
mana passada. / AFP e EFE

lCrítica

lGás lacrimogêneo
Três dias após a polícia desmen-
tir ter usado gás lacrimogêneo
contra manifestantes em
Washington, na segunda-feira,
um porta-voz reconheceu ontem
que o agente químico usado tem
os mesmos efeitos irritantes.

NICHOLAS KAMM/AFP

“Se tivéssemos feito
isso (o que fez o Brasil),
teríamos perdido um
milhão, talvez até 2 milhões
ou mais de vidas”
Donald Trump
PRESIDENTE DOS EUA

Campanha. Trump simula uma coleta para teste de covid durante visita a laboratório; presidente diz que pandemia foi praticamente superada nos EUA

KHALID NAJI-ALLAH/EFE

Simbolismo. Funcionários e ativistas pintam ‘Black Lives Matter’ em rua de Washington

Disputa política
Free download pdf