O Estado de São Paulo (2020-06-07)

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A10 Internacional DOMINGO, 7 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


N


os três primeiros anos de go-
verno, o presidente Donald
Trump surfou sobre o que po-
de ter sido a melhor onda econômica
dos EUA, se considerados em seu
conjunto os dados de crescimento,
desemprego e inflação. Déficit públi-
co e endividamento tornavam esses
índices talvez insustentáveis no tem-
po, mas essa não era uma preocupa-
ção imediata.
Trump herdou essas condições de
Barack Obama e as potencializou
com cortes de impostos, o que amea-
çava ainda mais a sustentabilidade
no prazo mais longo, mas o fato é que
os índices, para o efeito político-elei-

toral imediato, lhe sorriam.
A qualidade de um governante não é
verdadeiramente testada enquanto ele
não enfrenta uma crise. Enquanto a cri-
se se resumia ao coronavírus e aos pro-
blemas econômicos a ele associados, o
presidente ainda conseguia confundir
alguns eleitores sobre a causa de sua di-
mensão, ignorando que outros gover-
nos foram mais felizes na gestão da pan-
demia. Era o “vírus da China”, somado à
insistência dos governadores em parali-
sar a economia, argumentava ele.
Os protestos iniciados há quase duas
semanas expuseram toda a fragilidade
do alicerce da liderança de Trump. Esse
alicerce é fundado na divisão dos ameri-

canos, no ódio entre eles, incentivado
pelo presidente e por alguns de seus se-
guidores e colaboradores.
Se uma palavra pudesse definir a elei-
ção de Trump em 2016 e o apoio a ele
conferido nesses três anos e meio, ela
seria “ressentimento”: a mescla de rai-
va e tristeza de homens brancos com
baixo nível de instrução, que se sentem
traídos, preteridos e até roubados do

seu conforto anterior em empregos se-
guros na indústria e nos serviços que
gravitam a seu redor.
Empregos “exportados” para a Chi-
na, México e outros lugares. Gastos so-
ciais “desviados” para negros, latinos e
imigrantes, com os impostos de bran-
cos. Ineficiências causadas por gesto-
res incompetentes, que drenam a pros-
peridade da classe média baixa. Essas

são as noções, não necessariamente
confirmadas pelos dados de realidade,
que habitam o imaginário de boa parte
dos seguidores de Trump.
O ressentimento não é apenas o fun-
damento de sua liderança, como algo
externo, premeditado, como parte de
uma estratégia de poder. É provavel-
mente parte de seu funcionamento.
Não haveria como simular isso de for-
ma tão perfeita. É por isso que, quan-
do Trump tenta sair de seu natural
agressivo e divisivo, o resultado é de-
sastroso e ridículo.
Na segunda-feira, Trump cami-
nhou do Rose Garden até a igreja de
St. John para tirar uma foto com uma
Bíblia na mão. Segurou o Livro Sagra-
do de cabeça para baixo, traindo sua
total falta de familiaridade com ele. E
não declarou nada. Antes, Trump ha-
via chamado os manifestantes de “ter-
roristas” e ameaçado lançar as Forças
Armadas contra eles.
O que seria um golpe de relações pú-
blicas resultou em críticas de cinco ge-
nerais à violência das forças de seguran-

ça que empurraram os manifestan-
tes do Parque Lafayette para que
Trump pudesse passar e de vários lí-
deres religiosos, pelo uso da igreja pa-
ra transmitir “uma mensagem opos-
ta aos ensinamentos de Jesus”, nas
palavras da bispa Mariann Edgar Bud-
de, da Diocese de Washington.
Na sexta-feira, Trump tentou de
novo: “Esse é um grande dia para
George Floyd”, aparentemente se
referindo à queda do desemprego
de 20% para 13%. A frase causou no-
vo ultraje, porque ignora duas reali-
dades fundamentais: o desemprego
entre os negros subiu, e ficou em
17%, enquanto entre os brancos é
12%, e Floyd está morto.
Antes e depois dessas tentativas
frustradas, Trump sempre volta pa-
ra seu modo agressivo e divisivo,
com o seu ressentimento aumenta-
do pela “incompreensão” e “perse-
guição" contra ele. O que o presiden-
te parece incapaz de entender é que
empatia não se pode simular. Ou se
sente ou não se sente.

LOURIVAL


SANT’ANNA


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Falta de empatia


Quando Trump tenta sair
de seu natural agressivo,
o resultado é desastroso

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LOURIVAL SANT’ANNA ESCREVE AOS DOMINGOS

LONDRES


Várias cidades do mundo tive-
ram protestos ontem contra o
racismo e em apoio às manifes-
tações que ocorrem nos Esta-
dos Unidos pela morte de
George Floyd, o negro ameri-
cano de 46 anos morto por um
policial branco em Minnesota.
De Paris a Berlim – como nas
manifestações da semana passa-
da no Japão, Suécia e Zimbábue



  • pessoas de todo o mundo se
    solidarizaram novamente com
    manifestantes americanos que
    pediam justiça pela morte de
    George Floyd.
    O ministro da Saúde do Rei-


no Unido pediu aos moradores
que não se reunissem em mani-
festações semelhantes em cida-
des como Londres, Manchester
e Birmingham para impedir a
propagação do vírus. Mas as
multidões apareceram, apesar
do frio, da chuva e dos avisos da
polícia de que as reuniões em
massa violariam o limite de seis
pessoas reunidas.
Dezenas de milhares corre-
ram para a Parliament Square,
em Londres, ontem, gritando
slogans antirracistas e carregan-
do cartazes em homenagem a
Floyd.
Embora a maioria das pes-
soas usasse máscaras, seus cân-

ticos coletivos podiam ser ouvi-
dos alto e claro: “George
Floyd”, “vidas negras são impor-
tantes”, “não há justiça, não há
paz”, disseram eles. As imagens
mostravam centenas de pes-
soas correndo em direção à Em-
baixada dos EUA a pé e de carro,

tocando e buzinando. Em Lon-
dres houve confronto entre ma-
nifestantes e a polícia, mas nin-
guém ficou ferido.
As manifestações globais,
que continuam por uma sema-
na foram inspiradas pelas mani-
festações nos Estados Unidos
para pedir o fim do racismo e da
brutalidade policial em seus
próprios países.
Em Paris, as autoridades im-
pediram que as pessoas se reu-
nissem em frente à Embaixada
dos Estados Unidos, mas milha-
res protestaram perto da Torre
Eiffel, ecoando um protesto na
semana passada que atraiu qua-
se 20.000 pessoas em memória
de Adama Traoré, um francês
que morreu sob custódia poli-
cial em 2016.
Na Austrália, mesmo quando
Morrison, o primeiro-minis-
tro, aconselhou a não compare-
cer às marchas do Black Lives
Matter no sábado, por medo de
novos surtos em um país que
conseguiu combater o vírus, mi-
lhares se reuniram em cidades
como Sydney e Melbourne , pe-

dindo o fim do racismo sistêmi-
co e das mortes aborígines sob
custódia policial.
Na Alemanha, foram feitas
chamadas nas mídias sociais pa-
ra que os manifestantes saís-
sem às ruas em homenagem a
Floyd, depois de uma semana
de manifestações em cidades
como Hamburgo e Frankfurt.

Em entrevista à emissora públi-
ca alemã DW News, a chanceler
Angela Merkel chamou a morte
de Floyd de “assassinato”.
“É racista”, disse ela, acres-
centando: “Mas confio no po-
der da democracia nos Estados
Unidos, que eles são capazes de
passar por essa situação di-
fícil”. / W.POST e NYT

David Leonhardt
Lauren Leatherby
THE NEW YORK TIMES

Os quatro países onde os ca-
sos de covid-19 mais aumenta-
ram nas últimas semanas são
Brasil, EUA, Rússia e Reino
Unido. E eles têm algo em co-
mum. Todos são dirigidos por
homens populistas que criti-
cam as elites e se consideram
antiestablishment.
Os quatro – Jair Bolsonaro,
Donald Trump, Vladimir Putin
e Boris Johnson – também têm
muitas diferenças, assim como
seus países. No entanto, todos
são versões daquilo que Daniel
Ziblatt, coautor do livro Como
as Democracias Morrem, chama
de “populismo radical iliberal
de direita”.
Muitos analistas acreditam
que esse padrão não é coinci-
dência. Os populistas iliberais
tendem a rejeitar as opiniões de
cientistas e a promover teorias
da conspiração. “Muitas vezes,
eles criticam intelectuais e espe-
cialistas”, disse Steven Le-
vitsky, que assina o livro com
Ziblatt. “Os líderes alegam ter
um tipo de sabedoria de senso
comum que os especialistas

não têm. Isso não funciona mui-
to bem em relação à covid-19.”
No Brasil, Bolsonaro demitiu
dois ministros da Saúde e pediu
várias vezes que os Estados sus-
pendessem quarentenas. Nos
EUA, Trump rejeitou a opinião
de especialistas, dizendo que o
vírus desapareceria “por mila-
gre”. No Reino Unido, Johnson
encorajou as pessoas a seguirem
nas ruas, mesmo enquanto ou-
tros países se isolavam. Todos
também desrespeitaram orien-
tações sobre proteção indivi-
dual, recusando-se a usar másca-
ra e continuando a cumprimen-
tar com apertos de mão.
Ao que parece, o padrão se es-
tende para além desses países.
O Irã é o quinto em crescimento
de casos nas últimas duas sema-
nas entre países com pelo me-
nos 50 milhões de habitantes. Es-
pecialistas dizem que o governo
não ouviu os alertas sobre a rea-
bertura precoce. O sexto país da
lista é o México, onde o presiden-
te Andrés Manuel López Obra-
dor, um populista de esquerda,
publicou mensagens dizendo

que o vírus “não é grave”.
“Os atrasos nas reações dos
governos possibilitam que o ví-
rus se espalhe muito mais rápi-
do”, disse Thomas Hale, da Esco-
la de Governo Blavatnik, da Uni-
versidade de Oxford. “Muitos
países que estão vivendo surtos
graves agora reconhecem tardia-
mente a urgência da crise.”
Muitas vezes, os líderes que de-
moraram a tomar medidas men-
cionaram a necessidade de prio-
rizar o crescimento econômico.
Mas o dilema da escolha entre
economia e saúde talvez não fa-
ça sentido: o caminho mais rápi-
do para a normalidade econômi-
ca passa pelo controle do vírus.
“Existe uma falsa tensão entre
saúde pública e econômica”, dis-
se Wafaa El-Sadr, epidemiologis-
ta da Universidade Columbia.
A conexão entre populistas e
surtos, porém, não é perfeita. Vik-
tor Orbán, na Hungria, e Rodrigo
Duterte, nas Filipinas, também
são populistas iliberais, mas rea-
giram rapidamente. A contagem
de casos parece ser relativamen-
te baixa nos dois países. Orbán e
Duterte usaram a crise como pre-
texto para reprimir ainda mais a
oposição. Mas toda regra tem ex-
ceções. “De fato, existe um pa-
drão”, disse Levitsky. “Os popu-
listas não gostam de especialis-
tas. E um combate ao coronaví-
rus que não leve em conta o co-
nhecimento é letal.”
Alguns populistas, como John-
son e Recep Tayyip Erdogan, da
Turquia, começaram a levar o ví-
rus mais a sério com o tempo.
Ainda assim, Hale acredita que
os países populistas vão sofrer
mais do que outros. “Estamos as-
sistindo à onda inicial”, disse.
“Minha intuição diz que países
com sistemas de governança ro-
bustos serão os que terão melhor
desempenho.” / TRADUÇÃO DE
RENATO PRELORENTZOU

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


lPadrão
“Os populistas não gostam
de especialistas. E um
combate ao coronavírus que
não leve em conta o
conhecimento é mortal”
Steven Levitsky
COAUTOR DE ‘COMO AS
DEMOCRACIAS MORREM’

lConfiança

Dezenas de milhares se manifestaram no Reino Unido, França, Alemanha, Austrália e outras nações em apoio aos protestos dos EUA


HENRY NICHOLLS / REUTERS

Multidões marcham em todo o mundo


“Foi um assassinato, e foi
racista. Mas confio no
poder da democracia nos
EUA, eles são capazes de
sair dessa situação difícil”
Angela Merkel
PRIMEIRA-MINISTRA DA ALEMANHA

Tensão. Manifestante protesta contra racismo em Londres

Surto de coronavírus tem
afetado com força Brasil,
Rússia, Reino Unido e
EUA, todos dirigidos por
populistas antissistema

Vírus avança em


países com líderes que


têm viés populista

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