O Estado de São Paulo (2020-06-07)

(Antfer) #1

%HermesFileInfo:B-1:20200607:B1 DOMINGO, 7 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


E&N


ECONOMIA & NEGÓCIOS


● Projeções indicam que Brasil sairá da crise com alguns dos piores indicadores
econômicos entre os emergentes

PRESSÃO FISCAL

FONTE: FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL INFOGRÁFICO/ESTADÃO

Países selecionados

Dívida bruta Dívida bruta
EM PORCENTAGEM DO PIB EM PORCENTAGEM DO PIB

EM PORCENTAGEM DO PIB

PORCENTUAL
É O SEGUNDO
MAIOR ENTRE
36 PAÍSES
EMERGENTES.
NÃO ESTÃO
INCLUÍDOS
ARGENTINA,
VENEZUELA E
LÍBIA
0

30

60

90

120

150

BRASIL

ANGOLA

98,

124,

70,

CHINA

CHILE
34,

2017 2020* 2021* 2017 2018 2019 2020*2021*

2017 2020*2021* 2017 2020*2021* 2017 2020* 2021*

Países emergentes de
renda média

48,0249,

53,

61,9764,

Dívida líquida

No Brasil

EM PORCENTAGEM DO PIB

Resultado primário
EM PORCENTAGEM DO PIB

Resultado nominal

40

50

60

70















0















0
64,90 -2,

-6,

* PREVISÃO

98,

132,

64,

32,

62,

-5,

-9,

Fabrício de Castro / BRASÍLIA


Os gastos do governo para
sustentar a economia farão o
Brasil sair da pandemia do no-
vo coronavírus com a segun-
da maior dívida bruta entre
os países emergentes. Proje-
ções do Fundo Monetário In-
ternacional (FMI), compila-
das pelo ‘Estadão/Broad-
cast’, mostram que a dívida
bruta, hoje em 89, 51% do Pro-
duto Interno Bruto (PIB), de-
ve chegar a 98,24% no fim des-
te ano e se manter no mesmo
patamar em 2021. Em um con-
junto de 36 países emergen-
tes e de renda média, o por-
centual será inferior apenas
ao de Angola, de 132,24% do
PIB no fim deste ano.
O aumento da dívida bruta é
uma das principais referências
para avaliação, por parte das
agências de classificação de ris-
co, da capacidade de solvência
de um país. Quanto maior a dívi-
da, maior o risco de calote.
As projeções do FMI não in-
cluem três países emergentes –
Líbia, Argentina e Venezuela,
por não entregarem informa-


ções ou não terem dados confiá-
veis –, sendo que os dois vizi-
nhos sul-americanos possuem
situação fiscal também preocu-
pante. Ainda assim, as estimati-
vas mostram que o Brasil terá,
após a pandemia, uma dívida bru-
ta bem superior à média de seus
pares emergentes (62% do PIB
no fim de 2020 e 64,5% em 2021).
Os dados, divulgados no Mo-
nitor Fiscal do FMI de abril, já
consideravam os efeitos da pan-
demia do novo coronavírus so-
bre as finanças dos países. Des-
de então, no entanto, muitas ins-
tituições financeiras têm altera-
do – para pior – suas projeções.
“O Brasil vai sair desta crise
sanitária com quatro fragilida-
des: mais empobrecido, mais de-
sigual, com menor potencial de
crescimento e mais endivida-
do”, avaliou o economista Maíl-
son da Nóbrega, ministro da Fa-
zenda durante o governo de Jo-
sé Sarney e sócio da Tendências
Consultoria Integrada.

Dívida/PIB. Em função da pan-
demia, todos os governos ao re-
dor do mundo elevaram seus
gastos para minimizar os efei-
tos do isolamento social sobre a
economia. Mesmo com esses es-
forços, as estimativas indicam
que a atividade econômica vai
despencar, o que também afeta
a relação entre dívida e PIB.
As projeções do FMI mos-
tram, por exemplo, que o défi-
cit primário brasileiro deve che-
gar a 5,17% do PIB em 2020. O
porcentual reflete o descompas-
so entre receitas e despesas do
governo. O déficit significa que
os gastos superam as receitas
com impostos e contribuições.
Esse valor não contabiliza as

despesas com juros da dívida
pública.
O rombo da China será mui-
to maior, de 10,28% do PIB, con-
forme o FMI. A diferença é que
o Brasil estava em situação
mais complicada que o país
asiático antes de a pandemia co-
meçar.
Com um rombo fiscal cres-

cente, resta ao Brasil elevar sua
dívida para fechar as contas.
“Quanto maior a queda do PIB,
quanto maior o déficit primá-
rio, maior será a alta da dívida
bruta”, diz Maílson. “O Brasil
vai ter uma piora considerável,
assim como todos os emergen-
tes. Mas nós já tínhamos uma
crise fiscal, vinda do governo de

Dilma Rousseff, que não foi ab-
sorvida ainda.”

Metodologia. A metodologia
do FMI para projeção de dados
fiscais traz algumas diferenças
em relação aos cálculos feitos
pelo Banco Central e pelo pró-
prio governo brasileiro. Isso
permite a comparação com ou-

tros países. Ainda assim, a ten-
dência mais geral dos números
indica piora da situação fiscal
do Brasil após a pandemia. No
Relatório de Mercado Focus,
que compila as estimativas do
mercado financeiro brasileiro,
a projeção de déficit primário
para 2020 já está em 8% do PIB.
No início de abril, o rombo pro-
jetado era de 1,5%.
“Nós mesmos estamos revi-
sando nossas projeções, para al-
go próximo de 95% no caso da
dívida bruta”, afirma o econo-
mista Mauro Schneider, da
MCM Consultores Associados.
“O número é preocupante, por-
que é uma dívida muito elevada
para o País carregar.”
Schneider afirma que há in-
certezas sobre a reação do PIB
nos próximos meses e sobre o
desempenho fiscal do País. “Vo-
cê não consegue enxergar co-
mo as contas fiscais vão se com-
portar e quando o governo po-
derá, de fato, fechar a torneira
dos gastos. Tanto é que se discu-
te hoje eventual extensão de al-
gumas medidas”, afirma o eco-
nomista, em referência às
ações, tomadas pelo governo,
para minimizar os efeitos eco-
nômicos da pandemia.
O governo deve estender o
pagamento do auxílio emer-
gencial a trabalhadores infor-
mais por mais dois meses, com
um valor de R$ 300 mensais. A
despesa mensal do auxílio está
em R$ 51,5 bilhões, e todos os
gastos do governo para comba-
ter a pandemia e seus efeitos
estão sendo bancados com o
aumento do endividamento do
País. O programa já concedeu
o auxílio a 58,6 milhões de bra-
sileiros.

ENTREVISTA


BRASÍLIA


Ex-ministro da Fazenda duran-
te o governo de José Sarney, o
economista Maílson da Nóbre-
ga afirma que a expansão da
dívida bruta brasileira, em fun-
ção do desequilíbrio fiscal, é
um problema que precisa ser
tratado de forma séria após a
pandemia. Para ele, o governo
precisa de um programa espe-
cífico para reduzir a dívida bru-
ta, que, conforme projeções do
Fundo Monetário Internacio-
nal (FMI), vai se aproximar de
100% do Produto Interno Bru-
to (PIB) ao final de 2020. Se-
gundo Maílson, o ajuste pode
passar pelo aumento temporá-
rio de impostos sobre a renda.


lUma dívida bruta próxima de
100% do PIB é preocupante?
Quando a dívida se torna um ris-


co para o País sob o ponto de vis-
ta de avaliação de solvência?
Há um livro de dois professo-
res de Harvard, Carmen Rei-
nhart e Kenneth Rogoff, cha-
mado Desta vez é Diferente, que
examina 800 anos de endivida-
mento no mundo inteiro. A
conclusão é que os colapsos fis-
cais ocorreram quando esta re-
lação chegou a 80%. Isso não
se aplica a todos os países, de-
pende de cada situação. Os Es-
tados Unidos têm dívida de
mais de 100%, a Itália tem por-
centual acima disso. Mas o Bra-
sil está batendo naquele limiar
em que a dívida passa a ser per-
cebida como não sustentável.
Claro que os emergentes vão
passar pelo momento de au-
mento da dívida, mas nada pa-
recido com o Brasil.

lO que fazer?
O Brasil tem hoje a vantagem
de ter uma taxa de juros muito
baixa, que pode influenciar o
custo da dívida. Assim, o gover-
no pode sinalizar que é possí-
vel administrar essa dívida nas
circunstâncias atuais. Há eco-
nomistas dizendo que isso é
possível, mas eu acho a posi-
ção arriscada. Isso porque as
agências de classificação de ris-
co querem ver para crer. A ho-
ra agora é de gastar para salvar
vidas, preservar renda, botar
dinheiro no bolso das pessoas
menos favorecidas e evitar a
quebradeira geral. Mas e de-
pois? As agências de risco já es-
tão mandando recados para o
Brasil neste sentido. A Fitch re-
visou para “negativa” a nota de
crédito do País. Já a S&P alte-
rou a perspectiva de “positiva”
para “neutra”. Assim, acredito
que o governo deveria ter um
grupo para avaliar a questão da
dívida desde já. Ele (o governo)
tem de ter um programa expli-
citamente formulado para di-
minuir o endividamento em
um período determinado de
tempo, como dez anos. E o pro-

grama precisa ser crível.

lA solução para o ajuste é cor-
tar despesas?
O programa não pode ser im-
plementado só com corte de
gastos, porque o governo fede-
ral tem margem de manobra
de apenas 3,5% do Orçamento.
Estamos falando de algo em
torno de 1% do PIB. Se o gover-
no cortar todas as despesas dis-
cricionárias, ainda assim não
será suficiente. Então, é preci-

so começar a pensar e a incutir
a ideia de que não há saída
sem aumento de carga tributá-
ria. Não há muita escolha. A
realidade vai se impor.

lMas o aumento da carga tribu-
tária não seria pior para a ativida-
de econômica, já pressionada na
pandemia?
Claro. Mas se você não fizer
nada, e a dívida começar a
crescer a galope, nós vamos
caminhar para uma situação

de dominância fiscal. Em um
estado deste, o Banco Cen-
tral perderia a capacidade de
cumprir a meta de inflação, o
Brasil seria desclassificado vá-
rias vezes pelas agências de
rating e haveria impactos na
atividade econômica, com
queda de confiança, aumento
de risco e elevação de juros
nos mercados. Provavelmen-
te, o impacto na economia se-
ria muito maior. Que fique
claro: alta de carga tributária
não é para este momento, é
para o pós-pandemia. Além
disso, seria um aumento tem-
porário.

lDe que forma?
Seria temporário e com algu-
mas características. Em pri-
meiro lugar, não haveria tribu-
tação sobre o consumo. Os po-
bres já estão pagando a conta
pela pandemia. É a vez dos ri-
cos. Seria um programa de au-
mento da tributação da renda,
do patrimônio e da riqueza,
exclusivamente para assegu-
rar a estabilidade da dívida.
Além disso, não se pode parti-
lhar esta arrecadação com Es-
tados e municípios. Não faria
sentido um esforço de arreca-
dação para mandar recursos
para Estados, municípios ou
fundos regionais. É para sal-
var o País de um colapso. O
problema é sério e tem de ser
tratado seriamente. / F.C.

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Dívida bruta do Brasil só deve ser menor


do que a de Angola entre emergentes


lIncertezas


l‘Vez dos ricos’

Organizações lançam movimento para correção dos erros do auxílio emergencial. Pág. B3}


Projeções do Fundo Monetário Internacional mostram que o indicador, uma das principais referências da capacidade de solvência de um


país, deve chegar a 98,24% do PIB no fim deste ano; porcentual brasileiro é bem superior à média dos de seus pares emergentes, de 62%


“O número é preocupante,
porque é uma dívida muito
elevada para o País
carregar.”


“Você não consegue
enxergar como as contas
fiscais vão se comportar e
quando o governo poderá,
de fato, fechar a torneira”
Mauro Schneider
ECONOMISTA DA MCM CONSULTORES


“Não haveria (aumento da)
tributação sobre o
consumo. Os pobres já
estão pagando a conta pela
pandemia (do coronavírus).
É a vez dos ricos.”

FELIPE RAU/ESTADÃO-6/3/

Opção. Há pouca margem para corte de gastos, diz Maílson

‘Não há saída sem um aumento


temporário da carga tributária’


Ex-ministro defende a


elevação de impostos


incidentes sobre renda e


patrimônio, como forma


de conter a dívida pública


Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney)

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