O Estado de São Paulo (2020-06-07)

(Antfer) #1

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A2 Espaçoaberto DOMINGO, 7 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO






De “Não Basta Não ser Racis-
ta” a “A Nova Segregação”, a
literatura a respeito da histó-
ria da discriminação racial nos
Estados Unidos está esgotan-
do agora que os brancos nor-
te-americanos buscam se edu-
car enquanto os protestos de
âmbito nacional contra a mor-
te de negros desarmados au-


mentam. As pessoas que estão
em casa sob quarentena estão
se voltando a livros, filmes e
programas de televisão que ex-
plicitam décadas de discrimi-
nação depois que protestos
contra a morte de George
Floyd tomaram todo o país.

http://www.estadao.com.br/e/discriminacao

U


ma das características
do noticiário político
do último ano é a fartu-
ra de nomes e a escassez de si-
glas. Noticia-se, frequentemen-
te, sobre Bolsonaro, Lula, Wit-
zel, Doria, Ciro, Moro, Huck,
etc. Mas pouco aparecem PSL,
PT, PSC, PSDB, PDT...
Isso decorre de fatores co-
mo a eleição de 2018, marcada
pela rejeição à elite política,
que rebaixou partidos estabele-
cidos, como DEM, PSDB, e al-
çou o PSL. Espera-se que o sis-
tema partidário continue mu-
dando nas próximas eleições,
seja pelas restrições aos recur-
sos do Fundo Partidário e ao
acesso gratuito a rádio e televi-
são (artigo 17, parágrafo 3.º, da
Constituição federal), seja pe-
lo provável enraizamento da di-
reita, hoje representada pela fa-
mília Bolsonaro, ou pelo espa-
ço ocupado por movimentos
como MBL, Livres, etc. A ver.
Certo é que hoje o noticiário
político segue a tendência ma-
nifestada nas eleições de 2018:
primeiro vêm as pessoas e de-
pois os partidos, o que nos re-
mete ao fenômeno dos “parti-
dos pessoais” de que falava
Norberto Bobbio, isto é, ao
“partido criado por uma pes-
soa em contraste com o parti-
do em sentido próprio, que
consiste, por definição, em
uma associação de pessoas”
(Contra os Novos Despotismos).
Nesses partidos a lealdade ao
chefe (tenha ele criado ou não
o partido) é mais forte que
ideias ou projetos que vão
além dele; o partido, no fundo,
serve para exprimir a persona-
lidade do chefe.
Mas essa troca, de partidos
por “pessoas-partidos”, é uma
boa troca?
De um lado, é fato que os
partidos políticos têm sido in-
capazes de cumprir sua tarefa
de identificação, direciona-
mento, conciliação das dife-
rentes e discrepantes deman-
das sociais. E isso tem razões
variadas: a indistinção de seus
perfis – se não a efetiva ausên-
cia de ideias e projetos concre-
tos para a sociedade –, seu sec-
tarismo, a defesa de interes-
ses não republicanos, o enges-

samento de suas estruturas,
que contribui para eternizar
suas lideranças nacionais (en-
tre 2007 e 2017, os maiores
partidos brasileiros renova-
ram só 24% delas), etc.
De outro lado, a opção pe-
los “partidos pessoais” não
promete um horizonte me-
lhor. Quão aberta, plural,
fértil seria a discussão de inte-
resses e projetos coletivos di-
versos entre partidos de (na
prática) um só? E a negocia-
ção, conciliação e execução
contínua e coerente desses in-
teresses e projetos, quão repu-
blicanas e impessoais seriam?
Podemo-nos inspirar na For-
za Italia, de Berlusconi? Pode-
mos apostar na Aliança pelo
Brasil, do presidente (sem par-
tido) Jair Bolsonaro?
O caminho dos “partidos
pessoais”, ao que se vê, não é
promissor. Mas isso não nos

impõe viver com os partidos
(e políticos) que temos do jei-
to que são. A eleição de 2018 o
demonstra: podemos aprovar
ou não seus resultados, mas
quantos negariam que a derro-
ta de Sarney, Jucá, etc., teve al-
go de libertador?
Não será possível que esses
sinais ainda se façam acompa-
nhar de uma percepção mais
aguda do Estado, que se con-
verta no combate ao Estado,
não “mínimo” ou “máximo”,
mas patrimonialista, favorece-
dor de grupos oportunistas,
por vezes improdutivos, mas
sempre bem relacionados
com o poder?
E não caberia, ainda, o deba-
te de alternativas como a reali-
zação da eleição para Presidên-
cia da República antes ou de-
pois da eleição do Congresso,
de modo que presidente e par-
tidos se articulem e se apresen-
tem à sociedade em termos
mais programáticos, para que
o exercício do governo dispen-
se troca de favores ou de parti-
dos em cada projeto de interes-

se? Vale aqui, mesmo em ou-
tro contexto, o raciocínio de
Bobbio: “Para que nasça um
governo estável é preciso que
a agregação daqueles que deve-
rão dirigir a política do país
aconteça antes do voto, não
depois”. Ou seja, se todo go-
verno estável depende de uma
divisão clara entre maioria e
minoria no Parlamento, “é ne-
cessário que (...) sejam os elei-
tores a decidir qual é a mino-
ria e qual é a maioria” (Entre
Duas Repúblicas).
Não estamos, portanto,
acorrentados às alternativas
de um líder carismático popu-
lista ou de partidos fisiológi-
cos, ainda que essas sejam
marcas da nossa história po-
lítica. Ideias como as que es-
tão acima poderiam contri-
buir para a reconstrução de
partidos sérios, programáti-
cos e fortes, e devem ser soma-
das a uma atuação realmente
interessada (pois muitos se be-
neficiam da “flexibilidade”
dos partidos atuais) e tenaz
da sociedade e suas institui-
ções (imprensa, Ministério Pú-
blico, movimentos políticos,
Tribunal de Contas, etc.).
No jogo democrático, “os
atores principais estão dados,
e são os partidos”. Certamen-
te podemos abrir mão deles
em prol de um líder, de um
herói ou “mito” e, assim (na
metáfora de Bobbio), “saltar
pela janela”, mas “desde que
saiba que se trata de um salto
no qual pode até mesmo que-
brar o pescoço, que não é co-
mo sair tranquilamente pela
porta” (O Futuro da Democra-
cia). Em 2018 demos esse “sal-
to” e hoje sofremos com a ir-
responsabilidade daqueles
que observam da janela a que-
da dos corpos.

]
RESPECTIVAMENTE, DOUTOR
EM TEORIA E FILOSOFIA
DO DIREITO PELA UERJ, É COORDE-
NADOR CIENTÍFICO DO
INSTITUTO NORBERTO BOBBIO;
E DOUTOR EM DIREITO PELA USP
E PELA UNIVERSITÀ DEGLI STUDI
DI TORINO, INTEGRANTE DO
INSTITUTO NORBERTO BOBBIO.
É PROFESSOR DA FACAMP

Professor ensina matemáti-
ca em programa de áudio
que já tem quatro episódios.

http://www.estadao.com.br/e/podcast

ESTADOS UNIDOS


A busca por obras sobre discriminação


Neste momento em que o
caso George Floyd provoca
protestos vale recordar fil-
mes que fizeram história
abordando o racismo.

http://www.estadao.com.br/e/filmes

l“Enquanto isso, os bancos de sangue do nosso país estão com níveis
cada vez mais baixos! Preconceito mata!”
DANIELE MARTINS

l“Não entendo isso. O sangue é passado por exames várias vezes an-
tes de ser recebido pelo paciente.”
ROBERTA MERCEDES

l“Quem entende de sangue é a Anvisa. O Supremo Tribunal Federal
entende de que mesmo?”
MARCOS MARQUES

l“Sou doadora de sangue há anos. Não sairei na pandemia para doar.
Se não querem liberar homens gays, vão ficar sem sangue.”
SIMONE GONZAGA

INTERAÇÕES

CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
PRESIDENTE: ROBERTO CRISSIUMA MESQUITA
MEMBROS
FERNANDO C. MESQUITA
FERNÃO LARA MESQUITA
FRANCISCO MESQUITA NETO
GETULIO LUIZ DE ALENCAR
JÚLIO CÉSAR MESQUITA

Education City tem capaci-
dade para 40 mil pessoas.
Agora restam mais cinco are-
nas para completar a estru-
tura do Mundial de 2022.

http://www.estadao.com.br/e/copa

Espaço Aberto


O


s tempos modernos ca-
racterizam-se pela ra-
cionalização crescente,
dizem os cientistas sociais. Se é
verdade que nas culturas mais
simples as crenças ditavam o
que se devia fazer, com a com-
plexidade do mundo contem-
porâneo, sobretudo pós-indus-
trialização, a ciência substituiu
as crenças. Se isso não vale pa-
ra o transcendental, devia valer
como baliza para as decisões,
em especial as que implicam
responsabilidade pública.
A ciência serve de guia para
recomendar o provado, não eli-
mina a necessidade de juízo po-
lítico e moral sobre decisões a
tomar. Dilemas difíceis chegam
em situações de grande incerte-
za, como agora, pois não só o
futuro parece indefinido, mas o
presente se mostra volátil. Nes-
tas horas é que mais se reque-
rem lideranças para responder
a desafios que exigem soluções
complexas. É tarefa de todos
ajudar nos resultados a partir
do que se alcançou com o co-
nhecimento. Mas os rumos são
de responsabilidade moral dos
que lideram. Cabe a eles deci-
dir com base no conhecimen-
to, pensando no que é bom ou
mau para as pessoas.
Comentaristas repetem que
enfrentamos uma “tempestade
perfeita”. Chove e venta copio-
samente: o coronavírus é pan-
dêmico, a economia mundial
está capenga, para não dizer pa-
ralisada ou regredindo, e em
muitos países os donos do po-
der creem em mitos – que não
são como os dos primitivos,
aos quais não havia saber que
se contrapusesse.
Assustados com a tempesta-
de, os que, além de crer neles,
pensam encarnar mitos, assu-
mem ares de valentia. Na verda-
de, receiam que sua força se es-
vaia no confronto com a reali-
dade, que não compreendem.
Buscam culpados e inimigos,
em vez de diálogo e convergên-
cia para atravessar o temporal
com o menor dano possível pa-
ra a economia e as pessoas, so-
bretudo as do andar de baixo.
Os que mandam nem sem-
pre entendem os sinais de ou-
tros setores da sociedade. Des-


de que inventaram o “nós” con-
tra “eles”, o adversário virou ini-
migo. E com inimigo não se
conversa, se destrói. A menos
que se renda e, ajoelhado, repu-
die suas ideias “subversivas”,
que corroem a “ordem”. Não
foi o atual governo que nos en-
redou e se amarrou nessa dis-
juntiva sinistra, mas a responsa-
bilidade por sua solução é tam-
bém de quem nos governa.
Em nosso país, com uma
tempestade perfeita, o “nós”
contra “eles” é criminoso. A
vítima é a estabilidade da demo-
cracia, conquista civilizatória
que nos tem permitido resol-
ver os conflitos políticos de mo-
do pacífico. Quem a põe em xe-
que ou silencia ante vozes auto-
ritárias não é conservador, é
atrasado, tem teias de aranha
na alma. É promotor da instabi-
lidade e conivente com o retro-
cesso civilizatório. Alguns são

cultores da violência, do fanatis-
mo e da ignorância. Subversi-
vos são os que assim proce-
dem, não quem ergue a voz pa-
ra preservar o patrimônio co-
mum de todos os brasileiros: a
democracia que construímos.
Esta consideração alcança to-
dos, mulheres e homens, civis e
militares, conservadores, libe-
rais ou progressistas. Só os rea-
cionários, que têm no atraso
sua bússola, não veem a distin-
ção entre inimigos e adversá-
rios. Estes podem ter visões e
objetivos diferentes dos que
prevalecem nos que mandam,
mas, se respeitadas as decisões
da maioria, as leis e a Constitui-
ção, a diversidade, a diferença,
fazem parte do jogo da demo-
cracia. Quando se substitui es-
ta noção pela distinção entre
“bons” e “maus” como se hou-
vesse uma guerra permanente,
começa-se por querer eliminar
os “inimigos” e se termina por
matar a democracia.
São tempos incertos os que
vivemos. Neles a liderança de-
ve apelar à racionalidade, ao

bom senso, ao sentimento de
solidariedade e de unidade na-
cional, admitir que não há cami-
nhos fáceis nem soluções mági-
cas, e o País deve buscá-los de
braços dados. O Brasil tem vul-
nerabilidades, como os grandes
aglomerados urbanos onde mi-
lhões vivem do trabalho infor-
mal em moradias precárias.
Sem falar dos desempregados e
dos que perderam condições
de se empregar. Tem limita-
ções fiscais, que podem e de-
vem ser flexibilizadas num mo-
mento de emergência social e
econômica, mas não podem
ser desconsideradas. E tem ati-
vos como o SUS, instituições
de pesquisa científica como a
Fiocruz, universidades como a
USP e outras, epidemiologistas
de categoria internacional, mili-
tares e funcionários devotados
ao serviço público, uma socie-
dade civil ativa, governadores e
prefeitos que arregaçaram as
mangas para enfrentar o desa-
fio, uma imprensa atenta e ins-
tituições públicas de controle a
zelar pelo bem comum, etc.
O que nos tem faltado é
quem inspire, em vez de ódio e
rancor, confiança em nós mes-
mos. Esta requer serenidade de
quem busca despertá-la nos
compatriotas; exige compostu-
ra, capacidade de convencer pe-
las ideias, e não pela ameaça.
O Brasil já contou com políti-
cas e políticos que desperta-
vam confiança. Convivi com
Tancredo Neves, homem de fa-
la mansa, mas de valores fir-
mes. Foi um político de diálo-
go, atento à necessidade de bus-
car denominadores comuns
em momentos críticos. E com
Ulysses Guimarães, que sabia
aliar ao diálogo a firmeza, quan-
do necessário. E assim outros.
Que sua lembrança nos inspi-
re a fazer frente aos arreganhos
autoritários com firmeza e sere-
nidade. E novos líderes encar-
nem o espírito enérgico e conci-
liador que marcou boa parte de
nossa liderança, para em 2022
não se repetir a escolha trágica
de quatro anos atrás.

]
SOCIÓLOGO, FOI
PRESIDENTE DA REPÚBLICA

PUBLICADO DESDE 1875

LUIZ CARLOS MESQUITA (1952-1970)
JOSÉ VIEIRA DE CARVALHO MESQUITA (1947-1988)
JULIO DE MESQUITA NETO (1948-1996)
LUIZ VIEIRA DE CARVALHO MESQUITA (1947-1997)
RUY MESQUITA (1947-2013)

FRANCISCO MESQUITA NETO / DIRETOR PRESIDENTE
JOÃO FÁBIO CAMINOTO / DIRETOR DE JORNALISMO
MARCOS BUENO / DIRETOR FINANCEIRO
MARIANA UEMURA SAMPAIO / DIRETORA JURÍDICA
NELSON GARZERI / DIRETOR DE TECNOLOGIA

CENTRAL DE ATENDIMENTO AO LEITOR:
FALE COM A REDAÇÃO:
3856-
[email protected]
CLASSIFICADOS POR TELEFONE:
3855-
VENDAS DE ASSINATURAS: CAPITAL:
3950-
DEMAIS LOCALIDADES:
0800-014-
VENDAS CORPORATIVAS: 3856-

CINEMA
Filmes para entender
a violência racial

Catar conclui terceiro
estádio para Copa

COMENTÁRIOS DE LEITORES NO PORTAL E NO FACEBOOK:

DAVID LEE/FOCUS FEATURES COMITÊ ORGANIZADOR

]
Fernando Henrique Cardoso


Tema do dia


Líder do Campeonato In-
glês pode confirmar título
contra o Crystal Palace.

http://www.estadao.com.br/e/ingles

Tempos


incertos


O que nos tem faltado é
quem inspire confiança
em nós mesmos, em
lugar de ódio e rancor

Partidos


ou pessoas?


... quantos negariam
que a derrota, em 2018,
de Sarney, Jucá, etc.,
teve algo de libertador?

AMÉRICO DE CAMPOS (1875-1884)
FRANCISCO RANGEL PESTANA (1875-1890)
JULIO MESQUITA (1885-1927)
JULIO DE MESQUITA FILHO (1915-1969)
FRANCISCO MESQUITA (1915-1969)

AV. ENGENHEIRO CAETANO ÁLVARES, 55
CEP 02598-900 – SÃO PAULO - SP
TEL.: (11) 3856-2122 /
REDAÇÃO: 6º ANDAR
FAX: (11) 3856-
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AO ASSINANTE
CAPITAL E REGIÕES METROPOLITANAS:
4003-
DEMAIS LOCALIDADES: 0800-014-77-
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PUBLICIDADE: 3856-2531 – [email protected]
PREÇOS VENDA AVULSA: SP: R$ 5,00 (SEGUNDA A
SÁBADO) E R$ 7,00 (DOMINGO). RJ, MG, PR, SC E DF:
R$ 5,50 (SEGUNDA A SÁBADO) E R$ 8,00 (DOMINGO).
ES, RS, GO, MT E MS: R$ 7,50 (SEGUNDA A SÁBADO)
E R$ 9,50 (DOMINGO). BA, SE, PE, TO E AL: R$ 8,
(SEGUNDA A SÁBADO) E R$ 10,50 (DOMINGO). AM, RR,
CE, MA, PI, RN, PA, PB, AC E RO: R$ 9,00 (SEGUN-
DA A SÁBADO) E R$ 11,00 (DOMINGO)
PREÇOS ASSINATURAS: DE SEGUNDA A DOMINGO


  • SP E GRANDE SÃO PAULO – R$ 134,90/MÊS. DEMAIS
    LOCALIDADES E CONDIÇÕES SOB CONSULTA.
    CARGA TRIBUTÁRIA FEDERAL: 3,65%.


Anvisa mantém veto


a doação de sangue


por homens gays


Integrantes do STF, no entanto, dizem
que ata do julgamento é suficiente para
que as restrições não vigorem mais

]
César Mortari Barreira e Marcelo de Azevedo Granato

ROBERTO SCHIMIDT/AFP MUNDIAL

No estadao.com.br


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com deficiência visual

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Liverpool pode ser
campeão em casa
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