Época - Edição 1158 (2020-09-21)

(Antfer) #1

N


amanhãde quarta-feira,aprocuradora
da RepúblicaSamaraDallouleodele-
gadoda Polícia FederalAlanGivigiacorda-
ram cedoepreparavamoespíritoparaum
dia que prometia ser agitado.Pelos planos
feitoshavia algumassemanas,os doisdeve-
riamse dirigirao aeroportode Corumbá,
em plenoPantanalsul-mato-grossense,e
embarcarem um helicópteroparadeflagrar
aOperaçãoMatáá, que investigaincêndios
criminososem fazendasda região.Ovoo,
porém,nunca aconteceu.Foram paralisados
peloque combateriam.“A fumaçadas quei-
madasnão deixou. Os pilotosnão tinham
visibilidadeparadecolar. Em vez do heli-
cóptero,usamosum barco”,contou Dalloul.
Aação contra fazendeirosfoi aprimeira
respostana esferacriminalcontra umatra-
gédiade proporçõessem precedentes que se
abateu sobreamaiorplanície alagadado
mundo euma das regiõesmaisricasem bio-
diversidadedo planeta.
Há semanas,ofogo consomeobiomaata-
xas avassaladoras sem que as autoridadescon-
sigamdar mostrasdereaçãoàaltura.Deacor-
do comoInstitutoNacionalde PesquisasEs-
paciais(Inpe), entre 1º de janeiro e15dese-
tembro,oPantanal registrou15.477focosde
incêndio.Isso representa um aumento de 213%
em relaçãoao mesmoperíodode 2019,que já
havia registradonúmerosextremamente altos
em comparação aos anosanteriores.
Alémda quantidade, oque assombra éo
apetitedo fogo.Nodia 3deagosto,osin-
cêndioshaviamdestruído1,2 milhãode
hectaresda área.Pouco maisde um mês
depois, aestimativa do InstitutoBrasileiro
de Meio Ambiente eRecursos Naturais Re-
nováveis (Ibama)éque adestruiçãotenha
chegadoa2,9 milhõesde hectares, equiva-
lente a19% de todoobioma.Écomose
umaáreado tamanhode cincoDistritos
Federaispegassefogo destruindo avegeta-
ção nativa,matandoou afugentandomilha-

res de animais comoaonça-pintada ecrian-
do umanuvem de fumaçatóxicaque amea-
ça chegarnos próximosdiasacentros ur-
banoscomoSão Paulo.
Diante de tamanhacatástrofe,aprimeira
pergunta óbviaé: comoisso pôdeacontecer?
Para opesquisadorAntônioNobre, do Cen-
tro de Ciênciado SistemaTerrestredo Inpe,
atragédiano Pantanalpodeser comparada
aumacidente aéreo.“Quandoum avião cai,
nunca épor um únicomotivo.OPantanal
está queimandopor conta de umaconjun-
ção de fatores”,afirmouNobre, que fez par-
te do Painel Intergovernamental de Mudan-
ças Climáticas(IPCC).
Para ocientista, esses incêndiossão re-
sultadode alteraçõesno climaenageografia
da regiãocausadaspelohomem.Porumla-
do,oaquecimento globalvemaumentando
as temperaturas no planeta, enoPantanal
não édiferente. Poroutro,odesmatamento
desenfreadoda AmazôniaedoCerradonos
últimos anosfez diminuir acapacidadede
produçãode chuva que abasteceos rios que
alagamobioma.Comtemperaturasaltase
chuvasmaisescassas,disseNobre, as condi-
ções paraofogoestãodadas. Bastou mais
um “empurrãozinho” humano: as queima-
das feitaspor fazendeirosda região.
“Não podeser acidente”, disseodelega-
do AlanGivigi ao comentar as queimadas
na região.Assuspeitasda PF são de que fa-
zendeirosestejamaproveitandoatemporada
seca paraqueimaravegetaçãonativa eabrir
maisespaçoàs criaçõesde gado.Emalguns
casos,os investigadoresconstataramque, lo-
go depoisde umaárea ter sido destruídape-
lo fogo,jáera possívelver gadopastandono
local.“O Brasilse dedicoumuito parache-
gar aesse ponto.Chegamosàdistopiacli-
mática”,lamentou AntônioNobre.
Mascomoemquasetodacatástrofe, as
proporçõesdo desastrenão se explicamape-
nas pelosfatoresexternos. Otamanhoda

Inoperânciado governo,ação criminosa
de fazendeiroseuma das maisgraves
secasdos últimosanosforamocombustível
perfeitopara uma das maiorestragédias
ambientais do país

Uma área equivalente
ao tamanhode cinco
DistritosFederais
queimou só nesteano no
bioma.Éum aumento de
213% em relação ao
mesmo período de 2019


FOTO:MAUROPIMENTEL/AFP


PERSONAGEMDASEMANA 17
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