Macro
- EXAME. NOVEMBRO 2020
com essas medidas, as receitas crescem e
o peso da despesa na economia diminui.
Esta aparente contradição fez sem-
pre parte da alquimia dos orçamentos de
Centeno e é, em grande parte, explicada
por um fator: crescimento económico. Se
é verdade que 2020 será um ano duríssi-
mo para a economia portuguesa, com a
previsão de uma recessão de -8,5% (a se-
gunda maior quebra em 150 anos), o Go-
verno espera que 2021 traga um ressalto
imediato, quanto mais não seja pela au-
sência de confinamentos generalizados. A
estimativa de variação do PIB para o pró-
ximo ano é de 5,4 por cento.
Esse crescimento, que seria o maior
desde 1990, puxaria consigo todas as variá-
veis. Isto é, mesmo sem agravar impostos,
o Estado irá receber nos seus cofres muito
mais receita fiscal, que cresce 7,1 por cento.
O outro elemento que ajuda a expli-
car a capacidade de ajudar um pouco a
economia sem comprometer a descida do
défice é a receita que irá entrar no País via
fundos comunitários. Embora ainda não
seja em 2021 que chegará a fatia de leão,
o executivo espera usar 500 milhões de
euros do programa de recuperação e ou-
tros mil milhões ainda do atual quadro
de apoio.
CRÍTICAS À ESQUERDA E À DIREITA
Perante este orçamento, o Governo tem
sido criticado por não ser ambicioso o su-
ficiente, tendo em conta a dimensão da
crise. À direita, aponta-se a falta de ideias
e medidas para apoiar as empresas. À es-
querda, reclamam-se mais medidas de
apoio às famílias. Ainda assim, é curioso
que os temas de maior divergência, por
exemplo nas negociações com o BE, este-
jam centrados no Novo Banco e na legisla-
ção laboral e não tanto em maior ambição
orçamental.
João Leão argumenta que o OE 2021 é
equilibrado. O ministro fala de uma “du-
pla dimensão”: resposta “muito ambiciosa
à crise, ao mesmo tempo que não perde-
mos de vista a necessidade de sustentabi-
lidade das contas públicas”. E refere, em
específico, a percepção que os investido-
res têm da estabilidade nacional e como
isso permite poupar dinheiro em juros
(em 2021, serão mais de 300 milhões). “Os
mercados financeiros confiam na nossa
EMPRESAS SÃO O CALCANHAR
DE AQUILES DO OE?
Tem sido uma das críticas mais repetidas a este Orçamento
do Estado: o facto de ele trazer poucas novidades para as empresas
Enquanto os partidos à
esquerda e o Governo
passam horas sentados
à mesa de negociações
a debater o Novo Banco
e alterações à legislação
laboral, a direita e os repre-
sentantes das empresas
têm coincidido nas críticas
à falta de medidas para as
empresas. Num orçamen-
to em que os apoios aos
rendimentos das famílias já
não são muito ambiciosos,
os estímulos à atividade
empresarial são ainda mais
complicados de encontrar.
“É uma desilusão. Tende
muito ao fator social, e
percebemos que tenha
de ser assim, atendendo à
pandemia, mas temos de
combater a crise também
na economia”, criticou
António Saraiva, presidente
da Confederação Empre-
sarial de Portugal (CIP).
“Para a economia, este
Orçamento do Estado não
traz rigorosamente nada. É
ofensivo ouvir o primeiro-
-ministro dizer que a ajuda
para as empresas é não
aumentar impostos.”
Rigorosamente nada
talvez seja um exagero.
Existem algumas medidas
destinadas aos empre-
sários, mas algumas não
lhes agradarão. O Governo
propõe: a eliminação
do agravamento das
tributações autónomas
para as empresas de
menor dimensão (micro,
pequenas e médias) com
prejuízos, desde que
tenham obtido lucro tribu-
tável num dos três últimos
anos; a manutenção do
crédito fiscal extraordinário
ao investimento até meio
do próximo ano, o que per-
mite uma dedução à coleta
de 20% das despesas de
investimento até cinco
milhões de euros; e o lan-
çamento do IVAucher, que
poderá ajudar a estimular
o consumo na restauração,
hotelaria e cultura, devol-
vendo o IVA pago nesses
setores quando se voltar a
consumir.
Essas são as boas notícias.
A medida que menos agra-
da aos empresários é a
proibição de despedimen-
tos por grandes empresas
que tenham obtido lucros
em 2020. Se o fizerem,
perderão o acesso a in-
centivos fiscais e às linhas
de crédito com garantia
pública. Foi uma medida
negociada com o Bloco de
Esquerda, que queria uma
proibição absoluta.
Além disso, mantém-se
a exclusão das empresas
com sede em offshore
ou territórios de tribu-
tação “claramente mais
favorável” dos apoios
extraordinários de com-
bate à pandemia. Alguns
empresários também não
ficarão satisfeitos com a
subida do salário mínimo (a
proposta é um aumento de
23,75 euros).
“O que se espera deste
orçamento, que tem
uma certa radicalização à
extrema-esquerda, é que
vá haver cada vez mais a
ideia de que os lucros são
uma coisa perniciosa e, por
isso, há que combatê-los
e taxá-los ao máximo”,
apontava Joaquim Miranda
Sarmento, alguns dias
antes de ser conhecida a
totalidade do documento.
O Governo tem dito que as
empresas não estão es-
quecidas na sua estratégia
orçamental e aponta para
a bazuca europeia como
a principal alavanca de re-
cuperação das empresas,
como sublinhou recente-
mente António Costa.
“O OE lembrou-se de
várias coisas para as em-
presas. Lembrou-se que
é um dos instrumentos
que temos, a par de outros,
como sejam os fundos
comunitários que têm um
apoio muito significativo às
empresas. Percebo que a
CIP queira mais, como per-
cebo que o BE quer mais,
como a CGTP quer mais”,
defendeu o primeiro-mi-
nistro ao Público.
A lógica do executivo é
também a de que a sua
estratégia de atuação
acabará por ajudar as
empresas, mesmo que
indiretamente. Ou seja, em
vez de medidas concretas,
conta que o apoio aos
rendimentos dinamize o
consumo, o que, por sua
vez, irá manter as empre-
sas à tona e, eventualmen-
te, ajudá-las a recuperar.
Mas não é ainda claro se,
perante a dimensão da
crise, o estímulo que está
a ser dado às famílias será
suficiente para que elas se
aguentem ou para que as
empresas resistam.