Dossiê Superinteressante - Edição 398-A (2019-01)

(Antfer) #1
a bordo, a viagem durava ente 30 e
50 dias. Era comum que crianças via-
jassem no convés, um “benefício” con-
cedido a Olaudah, que assim escapou
das agruras dos porões.
Dos 12,5 milhões de negros embar-
cados na África, 20% não chegaram
vivos ao destno, vítmas de disenteria,
escorbuto, varíola, síflis e sarampo,
ou da brutalidade dos comandantes.
Muitas vezes, os corpos dos mortos
jaziam por dias junto dos vivos até
serem lançados ao mar. Devido a gra-
ves infecções oculares, era comum o
desembarque de escravos cegos.
Em terra frme, a sitação do escravo
não era muito melhor: a “vida útl” mé-
dia de um africano nas plantações não
passava de cinco anos e, aos 30 anos
de idade, a maioria estava fsicamente
arruinada.
A tajetória de Olaudah Equiano – o
sequesto, a tavessia tansatlântca até
Barbados e a longa década de escravi-
dão encerrada com a compra da própria
liberdade – está contada na autobiogra-
fa Te Interestng Narratve of the Life of
Olaudah Equiano, or Gustavus Vassa, Te
African (sem tadução para o portguês).
Publicado em 1789, como parte do es-
forço abolicionista na Inglaterra, o livro
retata alguns dos horrores vividos pelos
negros durante o auge da escravatra
nas colônias americanas. Hoje, há até um
esforço ente especialistas para usar o
termo “escravizados” em vez de escravos,
deixando claro que a escravidão foi uma
condição imposta e não algo natral.
Desde a Antguidade, vários reinos

anos, período no qual escravos africanos
foram vendidos em diversas partes do
mundo, inclusive na Europa.
Em 1433, graças a evoluções nas téc-
nicas de navegação, os portgueses con-
tornaram o Cabo Bojador, na costa do
Saara, e avançaram pelo litoral africano
até cidades ao Sul, abrindo uma nova
rota comercial, paralela aos caminhos
terrestres dominados pelos árabes.
Diante da decepção com a falta de ou-
ro no local, os portgueses voltaram
as atenções para o táfco de humanos
para servirem de mão de obra nas plan-
tações de cana. Nas décadas anteriores
ao descobrimento da América, o país já
pratcava um comércio regular de to-
ca de bens por escravos, tendo obtdo
inclusive o monopólio do negócio pelo
Atlântco. Pela via portguesa, o táfco
negreiro ganhou escala.
O súbito aumento de escravos em
Portgal – em 1455, 10% da população de

o controle do tráfico


pelo deserto ficou nas


mãos dos árabes por


oito séculos, até os


portugueses abrirem


a rota do atlântico.


africanos contavam com escravos, prin-
cipalmente prisioneiros de guerras, mas
também subjugados por dívidas, conde-
nados por crimes ou miseráveis. A di-
mensão da escravidão nessas sociedades,
entetanto, era limitada. Foram os árabes,
durante a expansão pelo norte da África,
a partr do século 7, que estmularam o
táfco de negros, com a abertra de rotas
pelo Deserto do Saara, Mar Vermelho e
Oceano Índico. No início, o interesse era
por mulheres destnadas ao concubinato,
mas logo o negócio esquentou em busca
de homens para compor exércitos e ta-
balhar em lavouras e palácios do imenso
império muçulmano. O contole desse
comércio fcou nas mãos árabes por 800

Fontes Uma História de Suas TransformaÁões, Paul Lovejoy; História da África e dos africanos, Paulo Fagundes Visentini; A manilha e o libambo. A escravidão na África de 1500 a 1700,
Alberto da Costa e Silva; El colonialismo en la crisis del XIX español. Esclavitud y trabajo libre en Cuba, Roberto Mesa.

22 DesenhanDo um Continente

Raptado aos 11 anos,
Olaudah Equiano
ganhou o nome de
Gustavus Vassa ao
ser comprado por
um ofcial inglês.

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