Exame - Portugal - Edição 439 (2020-11)

(Antfer) #1

Macro



  1. EXAME. NOVEMBRO 2020


Além da falta de atratividade para os
grandes investidores internacionais, o
mercado de capitais também não conse-
gue atrair interesse significativo dos par-
ticulares portugueses. A taxa de poupança
das famílias é baixa e, quando existe, não
é canalizada para o mercado de capitais.
“As famílias alocaram quase metade das
suas poupanças a depósitos bancários por
comparação com apenas 33% em França,
37% em Itália e 41% em Espanha”, indica
a OCDE.
Com poucas empresas, baixa liquidez,
falta de investimento dos particulares e
sem atratividade para os institucionais
internacionais, a bolsa nacional aparenta
ter entrado num círculo vicioso (agrava-
do por machadadas na confiança como o
caso BES/PT). Chega pouco investimen-
to ao mercado e as empresas portugue-
sas que têm dimensão para ir para bolsa
aparentam não querer ter essa opção em
conta. Aliás, basta percorrer a lista das 25
maiores fortunas do País nesta edição da
EXAME, para perceber que muitas delas
têm origem em negócios que não estão
presentes no mercado de capitais. Segun-
do a OCDE, existem mais de 400 empresas
que poderiam ter dimensão para recorrer
à bolsa. Dessas, 67 têm ativos superiores
à mediana das empresas que estão atual-
mente cotadas.
O recurso ao mercado de capitais se-
ria um ponto importante para ajudar as
empresas portuguesas a diminuírem al-
gumas das suas vulnerabilidades, como
a elevada dependência de curto prazo e o
reforço dos capitais próprios.


INCENTIVOS FISCAIS E EMPRESAS
PÚBLICAS EM BOLSA


Apesar do aparente círculo vicioso em que
o mercado de capitais nacional entrou, a
OCDE acredita que há formas de voltar a
ter um mercado de capitais dinâmico. A
organização deixou várias recomendações
de medidas que podem ser implementadas
para fortalecer a papel da bolsa no financi-
amento das empresas e da economia.
Um dos eixos de atuação deve, se-
gundo a OCDE, passar pela “promoção
do acesso a fundos próprios através do
mercado acionista”. Neste campo, pode-
riam ser adotadas medidas para aumen-
tar o free-float das empresas, como “a in-


trodução de um sistema de comissões de
cotação e de supervisão para as empresas
cotadas que favoreça as empresas com rá-
cios mais elevados de ações livres”.
Mas, talvez a medida mais emblemá-
tica do relatório seja a colocação em bolsa
de empresas públicas. “Para estimular o
desenvolvimento do mercado de capitais,
o Governo pode incentivar a cotação das
empresas públicas que são consideradas
mais adequadas de um ponto de vista ma-
croeconómico e estrutural, o que, por sua
vez, ajudaria a obter uma dimensão e uma
visibilidade críticas do mercado acionista
junto dos investidores institucionais in-
ternacionais”, indica o relatório
Em Portugal, outro dos grandes tra-
vões à entrada de novas empresas em
bolsa é o receio de os donos da sociedade
perderem o controlo da estrutura acionis-
ta, como ficou demonstrado no inquérito
feito pela OCDE para elaborar este relató-
rio. “O governo também pode considerar
quaisquer alterações ao Código das Socie-
dades que possam facilitar a cotação, in-
cluindo a flexibilidade no que diz respei-
to às estruturas de voto para dar resposta
às preocupações generalizadas dos pro-
prietários e empreendedores portugueses
no tocante à perda do controlo das suas
empresas, como as ações de fidelidade”,
indica o documento. A juntar a isto, ou-
tra das possíveis medidas para estimular
o mercado seriam créditos fiscais para os
custos relacionados com as cotações ini-
ciais. A nível de impostos, a OCDE suge-
re também “isenções dos impostos sobre
as mais-valias no caso de determinados
veículos de investimento coletivo que in-
vestem predominantemente no mercado
acionista nacional e visam os pequenos
investidores” e “sobre os rendimentos de-
correntes de atividades de subscrição e de
criação de mercado”.
Além do receio de perda de contro-
lo, muitas empresas ficam também relu-
tantes em recorrer ao mercado devido ao
enquadramento jurídico-regulatório, pelo
que a OCDE, que trabalhou de perto com
entidades portuguesas, recomenda uma
simplificação e flexibilização. O caderno
de encargos está entregue. E o Governo
promete agora criar uma task-force para
avaliar a adaptação e implementação das
recomendações. E

O QUE LEVA
AS EMPRESAS
A EVITAREM
A BOLSA

Existem mais de 400 empresas
com dimensão para recorrerem
ao mercado de capitais,
mas só 47 estão cotadas.
A OCDE fez um inquérito junto
de quase 300 empresas, para
perceber o que as está a afastar
da bolsa

> MANTER O CONTROLO

Das empresas inquiridas, 69% res-
ponderam que preferem continuar
fora do mercado para manterem o
controlo. Isto fez a OCDE recomen-
dar mudanças legislativas “para dar
resposta às preocupações generali-
zadas dos proprietários e empreen-
dedores portugueses no tocante à
perda do controlo das suas empre-
sas”. Um dos exemplos são as ações
de fidelidade.

> CUSTOS DAS OPERAÇÕES

Mais de metade das empresas (54%)
mencionaram os custos com as ofer-
tas públicas de venda e relacionados
com o compliance como barreiras
à entrada em bolsa. Nesse sentido,
a OCDE propõe que seja atribuído
um crédito fiscal para os custos
relacionados com as cotações iniciais
e ofertas de capital secundário por
parte de empresas já cotadas.

> REGULAÇÃO E FALTA DE LIQUIDEZ

A desincentivar as empresas a recor-
rerem ao mercado de capitais estão
ainda a complexidade da regulação e
a baixa liquidez do mercado, segun-
do cerca de metade das entidades
inquiridas. Para responder a estas
preocupações, a OCDE sugere uma
simplificação da regulação, a entrada
de empresas públicas em bolsa e
apoios para cotadas que aumen-
tem o número de ações livres para
negociação.
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