Mente Cérebro - Edição 320 (2019-09)

(Antfer) #1
GLÁUCIA LEAL, editora-chefe
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@glau_f_leal

Aquilo que eu queria ter feito...


S


e neste exato momento lhe fosse concedida possibilidade de retomar alguma
situação em sua vida, para que pudesse agir de outra forma, qual momento de
sua existência você escolheria? Pesquisadores que estudam a maneira como
lidamos com nossos (quase sempre inevitáveis) arrependimentos afirmam que a
maioria das pessoas talvez fizesse algo, em vez de deixar de fazer. Estudos recentes
nessa área mostram que a inação tende a provocar mais arrependimento que a ação,
principalmente com o passar dos anos. O psicanalista Jacques Lacan assinalou exa-
tamente em um seminário de 1959-60: podemos nos arrepender de nossas trans-
gressões, mas lamentamos, de forma mais amarga, as ocasiões que desperdiçamos.
O tema despertou o interesse da enfermeira australiana Bronnie Ware, especialista em
cuidados paliativos com doentes terminais, e a motivou a escrever o livro Antes de partir: os
5 principais arrependimentos que as pessoas têm antes de morrer (Geração, 2017). A percep-
ção de Ware coincide com os resultados obtidos por psicólogos sociais. A escritora conta
que a maioria de seus pacientes lamentava as chances desperdiçadas, em razão do receio
de frustrar expectativas alheias. A enfermeira resume os arrependimentos das pessoas que
acompanhou nos seguintes grupos: 1) Falta de coragem de fazer o que realmente queria,
e não o que esperavam. 2) Ter trabalhado demais. 3) Não ter tido dito o que realmente
sentia. 4) Não ter retomado o contato com pessoas queridas. 5) Não ter aproveitado opor-
tunidades de ser feliz a cada momento.
Possivelmente concorre para esses pesares um fenômeno que em psicologia
chamamos de efeito Zeigarnik (em homenagem à psicóloga russa que observou o
fenômeno, Bluma Zeigarnik). Trata-se da tendência de nos lembrarmos melhor de
tarefas incompletas ou interrompidas do que das concluídas. Ou seja, nossa mente
pode nos pregar uma peça: tentar nos convencer de que o que faltou tem mais valor
do que aquilo que realizamos. Aliado a isso, temos o fato de que o que fazemos tem
consequências perceptíveis, enquanto a inação pode ter desdobramentos infindá-
veis. Mas quando fazemos uma opção (considerando que não escolher também é
uma escolha) o arrependimento, aqui ou ali, é inevitável. A grande questão está na
forma, mais ou menos gentil, como nos tratamos diante dele. Mas vale lembrar que
se realmente não agir é mais prejudicial, vamos então à ação: boa leitura!


carta da editora

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