le avesso a qualquer contato afetivo, em quem nada adere –,
paradigma que vigorou por muito tempo, enquanto predomi-
nou o estilo interpretativo na psicanálise do século 20.
Mas o que teria sido, afi nal, tão difícil de escutar nas formu-
lações de Ferenczi, que exigiu de alguns analistas o recurso
ao lúdico para sensibilizar seus leitores e, assim, poder abor-
dar as suas contribuições? Ele representava perigo ou amea-
ça de ruptura ao movimento psicanalítico?
À primeira vista, a intensidade com a qual Ferenczi apos-
ta no potencial transformador do encontro clínico favorece a
alusão a um inapropriado, e mesmo ingênuo, “furor sanandi”.
E, como toda paixão, o “furor sanandi” detém uma vertente
de ignorância e outra de ilusão. No entanto, o percurso de
Ferenczi foi animado por uma ética do cuidado que preserva
o ideal de cura em seu horizonte apenas como ideal, para
manter acesa, a cada sessão de análise, a chama da disponi-
bilidade sensível do psicanalista. Como escreve José Avello,
em Ferenczi o furor sanandi se atenua em “animus sanandi”,
cujo sentido mais apropriado é o da disposição para cuidar. E
um psicanalista sem animus sanandi simplesmente não serve
para o ofício, deveria buscar fazer outra coisa qualquer.
psicanálise
O AUTOR
DANIEL
KUPERMANN é psicanalista,
professor associado do Instituto de
Psicologia da
Paulo (USP), bolsista Universidade de São
de produtividade em pesquisa do
CNPq. É autor de Por que Ferenczi?
(Zagodoni, 2019).