Sabor Club - Edição 34 (2019-11)

(Antfer) #1

28 | Sabor. club [ ed. 34 ]


O futuro de Mariana, de 35 anos, parece ter sido traçado ainda na infância, em
Moema. Ela não só brincava descalça na roça como fazia isso debaixo de milharal,
em cima de mangueira, ia fazer pamonha em casa de vizinho na época do milho,
ajudava a produzir rapadura e fubá, via o avô José matar porco e adorava andar no
mato para colher frutas como cagaita, bacupari, mama-cadela, gabiroba, jatobá,
marmelada-de-cachorro e araçá. É de Dona Lete, sua mãe, a referência em pão
de queijo, que besuntava com a manteiga batida a mão pelo pai, Geraldinho. Na
merendeira, fazia questão de café com leite.
“Me lembro da dona Chica, que morava numa casinha ao lado do sítio. Uma
senhorinha muito simples, daquelas que usam lenço amarrado na cabeça. Quando
eu via fumacinha saindo da casa dela, eu ia lá vê-la fornear quitanda. Apanhava
funcho de noite, no meio dos vagalumes, para fazer chá antes de dormir. Via carne
de porco fritando em tachos cheios de banha e achava aquilo maravilhoso. Como
não estragava e ia ficando melhor com o tempo? O almoço lá em casa sempre
foi muito prático, porque meus pais trabalhavam fora. Na roça só há montes de
comida e variedade em dias de festa, por isso a cozinha do Roça Grande é de prato
do dia. Foi a cozinha que eu vivi”, explica. Aos 14 anos, ela já ajudava a preparar
o almoço e não tardou a se tornar cozinheira na turma de amigas do colégio,

inicialmente dominando o preparo de estrogonofe e lasanha. Formou-se em direito
e foi morar em Belo Horizonte há exatos dez anos. “A prática jurídica me fez
desgostar da profissão. Pelo ambiente hostil, por ver gente simples ser humilhada
ao não entender a linguagem jurídica. Muita coisa ia contra meus princípios.
Adoeci”, relata. O direito perdeu uma advogada trabalhista e a gastronomia estava
prestes a ganhar uma chef apaixonada pelo ofício e empenhada em valorizar a terra,
os produtos, as pessoas e seus conhecimentos.
Ela ouviu a palavra chef pela primeira vez assistindo a reality shows de culinária


  • foi quando a gastronomia começou a se mostrar como um caminho profissional.
    “Em Moema não tinha TV a cabo. Minhas referências eram Palmirinha e Ana
    Maria Braga.”Quando não conseguia passar o fim de semana em sua cidade, a
    família costumava aproveitar a ida de conhecidos para a capital mineira e mandava
    marmitas de frango caipira ensopado para ela. Por essas e por outras, enxergou na
    profissão de cozinheiro também uma forma de se reconectar com suas origens.
    A passagem pela faculdade de gastronomia lhe deu base técnica e certezas
    importantes. Não raro, ouviu de colegas críticas ao optar por usar ingredientes
    típicos do cerrado e até por decidir preparar quitandas. “O que tinha valor era
    cozinha clássica francesa, internacional. Pensei assim: ‘se querem fazer risoto para o
    resto da vida, eu vou fazer fubá suado’. Não precisamos ter vergonha de ser caipira.”


“Me lembro da D. Chica, que morava numa casinha
ao lado do sítio. Quando eu via fumacinha saindo
da casa dela, eu ia lá vê-la fornear quitanda”

Roupa de
domingo
Novo restaurante
nasce caipira
na alma e moderno
no prato
Em novembro, a
chef Mariana Gontijo
abrirá seu segundo
restaurante, O Tacho.
Será o Roça Grande
com roupa de
domingo, como ela
gosta de resumir: “São
os mesmos conceitos,
mas com menu à la
carte e apresentação
contemporânea.
Ele olhará além das
montanhas, mas não
deixará de ser caipira
na alma”. O desejo
de se manifestar de
formas diferentes
foi o que a motivou
a conceber esse
segundo negócio,
no qual conta com a
mãe e Igor Fernandes,
seu subchef no Roça
Grande, como sócios.
Entre as receitas já
definidas, estão o pé
de porco recheado
com galinha caipira e
o patê de fígado da
ave sobre raspa de
angu, coberto com
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