Sabor Club - Edição 34 (2019-11)

(Antfer) #1
Sabor. club [ ed. 34 ] | 31

A gastronomia possibilitou a ela ter orgulho da própria origem.
“O mundo precisava ver essas pessoas, essa comida, esse bioma. Nem que
fosse com uma cozinheira de dólmã. Essa é minha referência de qualidade em
comida, em cultura alimentar. Na roça, a gente divide trabalho, divide lucro. A
broinha aprendi com minha mãe e o pão de queijo leva polvilho da Fátima, por
exemplo. O dinheiro que o restaurante gira vai para Moema também. É uma troca.
Sem os ingredientes deles, não faço meu trabalho e sem eu abrir essa picada, esses
ingredientes não chegariam a BH e, talvez, essas pessoas não seriam reconhecidas.”
Com pouco dinheiro, tratou de procurar imóvel pequeno e pediu ajuda aos
pais, que se tornaram parceiros vitais para o sucesso do negócio. Isso porque eles
ainda moram no mesmo sítio, em Moema, e Mariana traz de lá e de produtores
vizinhos boa parte dos ingredientes que usa. A manteiga da Lourdes, os doces da
Maria José, o leite do tio João Paulo (de vaca jersey separada para isso), as rapaduras
da Chica e do Rafael, legumes e verduras do Diego e do Ivan, os ovos da Lenice, Lu,
Rosilene e Geralda e por aí vai. Fora o tal requeijão de raspa, do primo Adilson.
Nem todos os fornecedores são fixos: “O cardápio muda toda semana de acordo
com a disponibilidade de ingredientes. Se alguém aparece vendendo galinha
d’angola, arremato. Hortaliças como beldroega, serralha e mata-compadre, por


exemplo, são mato para eles. Um dia, fui pedir beldroega ao Ivan e ele disse que
não tinha porque havia capinado a roça e dado aos porcos.”
Comprando diretamente dessas pessoas, é possível pagar valor mais justo e
afastar atravessadores. “Os produtores ficam muito felizes em ver seus produtos
reconhecidos aqui. Há uma relação de troca. Eles nos acompanham pelas redes
sociais, torcem pela gente. Há um sentimento de que estamos crescendo juntos.”
Por fim, Mariana segreda: escrever um livro de técnicas de comida caipira é
seu maior desejo, o que contribuiria para legitimar esse patrimônio alimentar
brasileiro. “O que aprendemos com as pessoas do interior também é técnica e
tem complexidade. A carne de lata com osso leva banha mais clara, que dura
menos, enquanto a carne de lata sem osso, que dura mais, leva a banha mais
escura, que tem menos umidade por ter fritado mais. Minha avó reproduzia isso
instintivamente, mas é técnica do mesmo jeito. Se documentarmos isso, será
possível que qualquer um faça carne de lata, assim como qualquer um consegue
fazer risoto hoje.”


Roça Grande – Rua dos Timbiras, 1944, Lourdes, Belo Horizonte – MG.
Tel.: (31) 99119-4739


“O que aprendemos com as pessoas do interior também é
técnica e tem complexidade.Se documentarmos isso, será
possível fazer carne de lata, assim como fazemos risoto hoje”

Requeijão
de corte
A Mariana usa
tostadinho, dentro
do pão de queijo
O requeijão de corte
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tradição queijeira de
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e untuoso na boca,
com acidez delicada e
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para ser fatiado. A
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lavada e cozida num
tacho com creme de
leite, posteriormente
colocada para esfriar
em formas para, então,
ser embalada. Há
três tipos principais
de requeijão de corte
no estado: branco,
com raspa (inclui
pedacinhos da crosta
que se deixa formar
no fundo do tacho) e
moreno (mais escuro
que os demais, pois
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mais tempo no calor
do tacho, conferindo
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intenso).
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