Sabor Club - Edição 34 (2019-11)

(Antfer) #1
Sabor. club [ ed. 34 ] | 55

O QUE SÃO BONS INGREDIENTES sem os seus
produtores? Ao se observar de perto o ato de comer
desde as técnicas de produção, nota-se quão essenciais
são o produto e o produtor na cadeia alimentar.
Analisando mais a fundo, percebe-se como esse
ecossistema está intrinsecamente relacionado ao meio
ambiente e à sustentabilidade, uma vez que o percurso
do alimento da fazenda até a mesa pode implicar em
questionamentos sobre a qualidade dos processos,
transportes e embalagens, dentre outros fatores
importantes. Daí ser fundamental ressaltar a produção
alimentícia e valorizar a cultura alimentar do estado de
São Paulo, que abriga a cidade conhecida como capital
gastronômica do país.
Alimento é expressão de identidade, de cultura.
Identificam-se no que se come os aspectos históricos e
sociais de um povo e ambientais de uma região – como
as características dos biomas. Sua manipulação e pro

dução também carregam traços culturais, evidentes
no preparo manual e artesanal de vários pratos. Não
por acaso há tamanha inserção da comida em outras
expressões artísticas. Os cenários, causos, receitas,
ingredientes e produtores sempre ilustraram o universo
popular brasileiro e nele marcaram terreno.
O alimento e o produtor podem ou não estar em
primeiro plano, mas suas interrelações no cotidiano
dos territórios criam ambiências e se enraízam na
tradição popular.
É incrível o quanto os alimentos estão ligados às
nossas memórias: o cheiro de um refogado de cebola e
alho, dos bolos e tortas recém-saídos do forno, do café
sendo coado. Um sabor trivial desperta associa- ções
com acontecimentos especiais e momentos mar- cantes
do passado. Ou até nos remete à essência de um
país todo, a uma representação de cultura que co-
nhecemos ou que está introjetada – e tudo isso de tal
maneira que o simples fato de mencionar a comida nos
permite viajar sensorialmente a seu local de ori- gem: a

pizza nos leva diretamente à Itália, o wasabi ao Japão, o
dendê à África, e por aí vai...
Com as paisagens paulistas não é diferente. Me-
mória afetiva de gente de todos os cantos, o estado
de São Paulo produz de tudo e é responsável pelo
escoamento de boa parte dos produtos alimentícios
do país, cultivados seja com a utilização da mais
nova tecnologia aplicada, seja por meio do resgate de
técnicas tradicionais.
Mapear e identificar bons produtores de alimentos
no estado de São Paulo, como se propõe esta obra,
é uma iniciativa enriquecedora para paulistanos,
paulistas e brasileiros. Com imensa área agrícola,
São Paulo figura como um dos maiores produtores
de alimentos do país. Aqui também podemos ver as
idiossincrasias: nessa terra de contrastes estão presentes
uma grande quantidade de indústrias e um número
enorme de experiências de agricultura familiar, assim

como de rios poluídos e de nascentes límpidas, de
miseráveis pobrezas e de suntuosas riquezas.
Os hábitos alimentares e as culturas gastronômicas
vão se delineando com base nessas contraposições,
somadas, é claro, ao passado histórico de imigrações e
ocupações territoriais. É como os bairros das cidades,
que vão se moldando aos novos tempos – o que
identifico aqui como palimpsestos urbanos: camadas
do passado que se sobrepõem, criando uma identidade
única e característica. E são os agricultores, criadores
e produtores em geral as peças-chave para esse
movimento, que pode se dar pelo fato de fomentar
novos produtos e técnicas ou de resgatar ingredientes e
costumes dos antepassados. Essa dinâmica que temos
presenciado de valorização dos insumos alimentares
caracteriza-se justamente por conferir uma inédita im-
portância à qualidade da comida como um todo.
Comer é um ato político. Precisamos compreender
que as escolhas alimentares que fazemos geram im-
pactos em toda essa cadeia do consumo. Escolher

O alimento e o produtor podem ou não estar em primeiro plano, mas suas interrelações


no cotidiano dos territórios criam ambiências e se enraízam na tradição popular

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