Vegetarianos - Edição 156 (2019-11)

(Antfer) #1
Vegetarianos 31

e escrava que perambulava pelas
ruas da cidade, mas com o passar
do tempo ele ganhou status, e
passou a fazer parte do cardápio de
pessoas das mais variadas classes
sociais, virando praticamente
uma grife. O grande consumo do
acarajé incentivou o crescimento
do mercado, que resultou no
aumento do número de pessoas
interessadas em vender o produto.
Desse modo aumentou
o número de vendedores
tradicionais, como as baianas
vestidas a caráter (indumentária
usada nos terreiros de candomblé)
em pontos turísticos de Salvador,
e também bares e restaurantes
que preparam a iguaria. Além
desses, com o tempo, surgiram
as empresas que disponibilizam a
massa pronta.
Apesar de ter se tornado um
produto de mercado, ressalva
o mestre, o bolinho não perdeu
sua identidade e continua sendo

Mitologia por
trás do acarajé

N


a prática, o acarajé era
comida de escravos
africanos, levados à
força para a Bahia. Mas, para
eles, o bolinho era muito mais
do que isso. Na mitologia
dos orixás, o surgimento da
iguaria tem uma história bem
conhecida entre os fiéis
do candomblé.
Conta-se que Oxum, deusa da
água-doce, fazia secretamente
bolinhos de feijão fritos no
dendê para seu marido, Xangô,
orixá do fogo e da justiça. Certa
vez, Oxum pediu para Iansã, a
outra esposa de Xangô, levar
a ele os bolinhos devidamente
embalados, para ninguém saber
o que ele comia. Curiosa, Iansã,
também conhecida como Oiá
(rio nigeriano), abriu o embrulho
e viu os bolinhos fritos, de uma
cor de laranja incandescente,
como o fogo.
Sem resistir à tentação, ela
os provou e, quando abriu a
boca, cuspiu fogo. Ela havia
descoberto o segredo de Xangô,
que, capaz de ver tudo, indagou
Iansã sobre o que ela tinha visto.
Ela então respondeu: “Xangô
acarajé!”, ou seja, “Xangô come
bola de fogo”. Mas não porque
o bolinho era apimentado, mas
sim porque na língua iorubá, da
África Ocidental, “acará” significa
“bola de fogo”, e “ajeum” significa
“comer”. Dali em diante, Iansã,
que representa a necessidade de
mudança e ajuda no despertar
da consciência, também passou
a ter o poder de cuspir fogo.

sal e cebola ralada são a base, mas
Carol disse que também usa um
pouco de gengibre ralado. Na hora
de fritar, certifique-se de que o
dendê esteja bem quente. Depois,
é só abrir e rechear.


A história do bolinho
Na pesquisa 'Acarajé: Tradição
e Modernidade', o mestre em
estudos étnicos e africanos
Florismar Menezes Borges, da
Universidade Federal da Bahia,
afirma que o acarajé foi introduzido
no Brasil, especificamente na Bahia,
pelos escravos de etnia nagô,
das regiões iorubás da Nigéria e
do atual Benin. E que a primeira
menção por escrita ao bolinho de
feijão-fradinho foi feita por um
professor, Luis dos Santos Vilhena,
em 1802.
Naquela época, escreve
Florismar, o acarajé era um
alimento popular destinado a
matar a fome da população pobre


reconhecido como um alimento de
devoção ao orixá Iansã, preparado
na maioria das vezes por negros,
principalmente por mulheres que
levam adiante essa receita que
carrega com si uma importante
parte da história do País.

Além de delicioso, o acarajé é considerado um patrimônio imaterial

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