12 NATIONAL GEOGRAPHIC
O asfalto aplana por fim a cerca de 3.650 metros
de altitude, desembocando num vasto troço de pai-
sagem arbustiva, esporadicamente animado por
lamas e vicunhas. Ao fim da tarde, o fulgor pálido
do salar boceja através da planura.
Chego ao Salar imediatamente antes do pôr do
Sol. Durante cerca de quilómetro e meio, conduzo
o automóvel sobre esta superfície suave e firme
até se tornar evidente que estou no meio do nada.
Ao sair do veículo e mergulhar no frio de ranger os
dentes, concluo com pena que não haverá mantas
estendidas sob as estrelas, nem banda sonora de
Pink Floyd. Mesmo assim, o espectáculo é aluci-
nante: quilómetros de terreno branqueado, ine-
xoravelmente plano e dividido em vagas formas
trapezoidais, como o tabuleiro de xadrez de um
gigante louco, cuja austeridade é aperfeiçoada
pelo céu azul imaculado e pelos picos cor de mog-
no dos Andes, visíveis à distância. Veículos de
tracção às quatro rodas cruzam a superfície sem
estradas, com destinos desconhecidos. Aqui e
além, seres solitários deambulam como que num
torpor pós-apocalíptico, de olhos vidrados naqui-
lo a que o vice-presidente boliviano chamou “a
mesa infinita branca como a neve.”
Algures, longe da vista, na fronteira deste infi-
nito, os bulldozzers escavam lagoas de evapora-
ção no salar, largas e geometricamente precisas,
como que para criar uma grelha de gigantescas
piscinas. Mais cedo ou mais tarde (ninguém pode
prever o momento com total certeza), os bull-
dozzers irão deslocar-se nesta direcção.
Eis o que sabemos. Em primeiro lugar, sob a
maior planície salgada do mundo, existe outra
maravilha: uma das maiores jazidas de lítio do
planeta, contendo talvez 17% do total mundial.
Em segundo lugar, na exploração das suas reser-
vas de lítio, a Bolívia vislumbra um caminho que a
retire do seu beco sem saída de miséria. E, em ter-
ceiro lugar, este trilho rasgado através do salar de
Uyuni está, ao mesmo tempo, quase inteiramente
por definir e (para os bolivianos que vivem num
país repleto de buracos saqueados e de aspirações
frustradas) é suspeitamente familiar.
A Bolívia ainda hoje se encontra algemada ao
passado. O primeiro presidente do país perten-
cente à etnia aymara, Evo Morales, ascendeu ao
poder em 2006. No seu mais recente discurso de
tomada de posse, mencionou “os 500 anos que
sofremos” devido ao colonialismo espanhol, um
reinado brutal de escravidão e repressão cultural
que, no entanto, terminou há quase dois séculos.
A localização geográfica e a governação deficien-
te registadas desde então conspiraram contra a
reinvenção do país. As perspectivas económicas
da Bolívia pioraram em 1905, quando o país teve
de ceder a sua zona costeira no oceano Pacífico
após perder um conflito militar com o Chile. En-
quanto os vizinhos do Brasil e da Argentina se
tornavam lentamente mais prósperos, a Bolívia
suportou décadas de golpes de estado militares e
de corrupção. Os dois maiores grupos indígenas,
os quechua e os aymara, ainda hoje são relegados
para um estatuto de casta baixa pela elite gover-
nante descendente de europeus.
Em resumo, a Bolívia tem sido um país com
baixa auto-estima, hostilidade latente e nenhuma
noção partilhada de destino nacional. Entretanto,
a sua história económica vem sendo marcada por
ciclos intermináveis de crescimento explosivo e
colapso económico. Embora esta situação seja
vulgar em países dependentes dos seus recursos
naturais, alguns países da América Latina, como
o Chile, conseguiram gerir esses recursos com
competência. O governo boliviano, em contrapar-
tida, tem frequentemente cedido os seus direitos
de mineração a empresas estrangeiras para obter
lucros rápidos, mas fugidios. Como o vice-presi-
dente me disse: “Ao longo da nossa história, não
criámos uma cultura capaz de combinar os nos-
sos recursos brutos com pensamento inteligente.
Isto deu origem a um país rico em recursos natu-
rais, mas socialmente muito pobre.”
A BOLÍVIA DESTACA-SE, entre os países da região
por nada ter de curiosamente distintivo. A menção
especial ao país no clássico filme de cowboys “Dois
Homens e um Destino” pode ser vista como metá-
fora do seu semianonimato. Nesse filme, a Bolívia
era o sonolento refúgio final de dois assaltantes de
bancos norte-americanos. Glamorizados por
Hollywood, os fora-da-lei simbolizam algo de
COM A EXPLORAÇÃO DE LÍTIO,
A BOLÍVIA VISLUMBRA
UM CAMINHO QUE A RETIRE
DO SEU BECO SEM SAÍDA
DE MISÉRIA.