National Geographic - Portugal - Edição 215 (2019-02)

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Desde a década de 1980 que o Chile produz
lítio a partir de salmoura e o seu salar de Ataca-
ma é actualmente a fonte mais importante desta
substância na América Latina. O governo chileno
foi hospitaleiro para os investidores estrangeiros
e o seu sector mineiro (o maior exportador mun-
dial de cobre) possui também vasta experiência.
A Argentina começou também a extrair lítio de
salmoura em finais da década de 1990, exploran-
do o salar del Hombre Muerto.
As reservas de lítio da Bolívia igualam as do al-
tamente produtivo salar de Atacama chileno, mas
até há pouco tempo o seu potencial nunca fora
aproveitado. “Na Argentina e no Chile, sempre
existiu uma cultura de parcerias público-priva-
das”, afirmou Ballivián, que, na década de 1980,
foi um dos primeiros geólogos a estudar o poten-
cial de lítio existente no salar. “Aqui, o governo
não quer aceitar o investimento privado. Há hos-
tilidade face ao capitalismo.”


A ELEIÇÃO DE MORALES foi simbólica para a popu-
lação indígena dos aymara, mas a retórica do novo
presidente e as acções tomadas tiveram o efeito de
repelir o capital estrangeiro. Morales apressou-se a
nacionalizar a indústria petrolífera e tomou medi-
das para nacionalizar algumas operações mineiras.
Em 2008, dois anos após a sua eleição, Morales
e García Linera concentraram a sua atenção nas
reservas de lítio do salar de Uyuni, à semelhança
das administrações anteriores. “Os outros gover-
nos nunca produziram lítio”, afirmou García Li-
nera. “E queriam reproduzir o esquema de uma
economia extractiva colonial. O povo boliviano
não quer isto. Por isso, começámos do zero.”
Desde o início que o princípio operacional defi-
nido pelo novo governo foi pensado para garantir
o controlo total do Estado boliviano. “Decidimos
que nós, bolivianos, ocuparemos o salar, inven-
taremos o nosso próprio método de extracção do
lítio e, de seguida, faremos parcerias com empre-
sas estrangeiras que nos dêem acesso ao mercado
global”, afirmou García Linera.
A palavra de ordem “100% Estatal!” adquiriu
um significado suplementar ao ser pronunciada
pelo presidente aymara. Acontece que os ayma-
ra representam uma grande parte da população
residente em torno do salar. O anúncio de que a
salina se transformaria no epicentro da revolu-
ção económica da Bolívia foi entendido como um
projecto que permitiria finalmente que os postos
de trabalho e a prosperidade chegassem à popula-
ção indígena do país.


García Linera prometeu que o lítio da Bolívia
será “o combustível que alimentará o mundo”.
Em 2030, assim me garantiu, a economia do país
estará a par da Argentina e do Chile. Confiante,
Evo Morales avançou a previsão de que a Bolívia
produziria baterias de lítio em 2010 e automóveis
eléctricos em 2015. Estas estimativas acabariam
por revelar-se irrealistas. Como os líderes políti-
cos depressa aprenderam, a extracção de lítio é
um processo dispendioso e complicado, exigindo
investimentos avultados e sofisticação tecnológi-
ca. Fazê-lo sozinho não era uma opção viável para
um país menos desenvolvido como a Bolívia. Ao
mesmo tempo, seria um desafio para qualquer
país (sobretudo um com tendências nacionalis-
tas) atrair uma empresa estrangeira que aceitasse
a cedência do controlo ao Estado.
“Como compreenderá, a maioria das indústrias
adoraria explorar o salar”, disse García Linera. “Re-
cusamos. O salar deve ser totalmente controlado
por técnicos bolivianos. E isso tem, evidentemen-
te, gerado tensões.” (Continua na pg. 21)
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