National Geographic - Portugal - Edição 215 (2019-02)

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onde um visitante poderia acampar, numa noite
estrelada, com uma manta e um telemóvel a tocar
Pink Floyd! Mas estas marcas obscuras destinam-
-se à instalação do que é uma pequena fracção da
exploração anual prevista para o salar pela Bolí-
via. Além disso, como o vice-ministro da ener-
gia, Luís Alberto Echazú Alvarado, me explicou:
“A nossa visão é um projecto de longo prazo. Por
isso, para explorar a totalidade do salar vai ser pre-
ciso misturar salmoura rica com salmoura pobre.”
“Então o governo perfurará sempre noutros sí-
tios?” perguntei. “Exacto”, respondeu Echazú, num
assentimento vigoroso com a cabeça. “Sempre.”

ENQUANTO VIAJAVA pelas aldeias em redor do salar
de Uyuni, vi inscrições esporádicas de apoio a
Morales nas paredes. Já quando interrogados sobre
o lítio, a grande aposta do presidente Morales, os
moradores respondiam com um cepticismo desgas-
tado, por vezes matizado de preocupação.
Muitos aymara da região trabalham como sa-
leros, recolhendo o sal e vendendo-o a unidades

OLHANDO EM REDOR, ocorrem-me outras pergun-
tas. O que tenciona a Bolívia fazer com estas enor-
mes pilhas cinzentas de resíduos de magnésio? O
governo responde que o cloreto de magnésio poderá
servir para descongelar estradas, mas imaginar que
tanta quantidade possa ser consumida numa utili-
zação dessa natureza é um desafio à credibilidade.
Na verdade, a cal é o meio mais económico para
separar o magnésio do lítio. O governo boliviano
afirma possuir um método de tratamento que, de
algum modo, reduzirá o efluente de cal residual.
De acordo com o geólogo boliviano Juan Benavi-
des, “o impacte ambiental no Chile e na Argentina
é baixo. Mas não somos capazes de extrapolar, em
rigor, porque o teor de magnésio no lítio bolivia-
no é muito elevado. Tudo o que sabemos é que a
cal será utilizada em maiores quantidades e que
a legislação reguladora do lítio na Argentina e no
Chile é mais restritiva do que na Bolívia”.
“Estamos muito orgulhosos com as medidas
preventivas que tomámos para reduzir possíveis
impactes”, disse-me García Linera. “Custaram-
-nos uma fortuna, de facto.”
No entanto, é quase impossível avaliar a manei-
ra como uma versão industrializada da fábrica de
lítio modificará o salar de Uyuni. Uma das maiores
preocupações é a quantidade de água necessária
para extrair o lítio. Dois rios, o Colorado e o Grande
de Lípez, desaguam na planície de sal. O primeiro
é tão estreito que mais parece um ribeiro e o se-
gundo é tão pouco profundo que podemos atra-
vessá-lo a pé. Ambos têm importância decisiva
para os agricultores que cultivam quinoa: a Bolívia
é o segundo maior produtor mundial deste cereal,
a seguir ao Peru. Embora o governo boliviano in-
sista que 90% da água a utilizar provirá de água
salgada e não dos aquíferos subterrâneos, alguns
peritos mostram-se cépticos quanto à promessa
de que as águas subterrâneas não serão afectadas.
“Ano após ano, a água vai tornar-se o principal re-
curso de que precisamos”, afirmou Ballivián. “Eles
vão necessitar de enormes quantidades, mais do
que qualquer outra mina da Bolívia.”
Por fim, falta referir a própria superfície do sa-
lar, ainda incólume na sua maior parte. Embora
venerada pelos visitantes humanos devido à sua
austeridade aparentemente ilimitada, também
serve de local de nidificação para flamingos.
“A nossa fábrica fica longe destes santuários”, dis-
se García Linera, acrescentando: “Isto demonstra
o nosso compromisso em relação ao ambiente.”
Várias dezenas de lagoas de evaporação per-
furam a superfície salgada, muito longe do local

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