LÍTIO 23
transformadoras. Um recolector de sal, chamado
Hugo Flores, sentado ao lado da sua carrinha de
caixa aberta enferrujada, disse: “Não recebemos
informação do governo. Nem sequer sabemos o
que é o lítio, quais os benefícios que traz e quais
os seus efeitos.” De maneira mais acutilante, uma
vereadora de Tahua chamada Cipriana Callpa
Díaz, afirmou: “Ninguém deste município está a
trabalhar no projecto do lítio. Pensámos que have-
ria trabalho para a nossa comunidade, com bons
salários. É uma desilusão.”
Talvez a insatisfação mais veemente tenha sido
expressa por Ricardo Aguirre Ticona, presidente
da autarquia de Llica. O salar fica quase totalmen-
te localizado nesta província.
“Sabemos que, uma vez a funcionar em pleno,
a fábrica será um negócio milionário”, disse-me
certa tarde. “Mas será que a comunidade irá bene-
ficiar? Aqueles que deveriam beneficiar primeiro
seriam os moradores do lugar onde a produção
ocorre... E não estou a falar só de benefícios finan-
ceiros. Deveria ser criada aqui uma faculdade de
Três gerações da família
Copa vivem em quatro
casas com uma divisão
em Chiltaico, perto da
margem norte do salar.
À semelhança de muitos
aymara que habitam na
região, a família obtém
sustento com as
colheitas de sal num
pequeno lote, traba-
lhando frequentemente
12 horas por dia, sob a
luz solar intensa e o
vento forte.
ciência química, ou bolsas para os jovens pode-
rem ter um futuro. Andamos a fazer perguntas so-
bre isto há três anos. Agora pedimos uma audiên-
cia ao presidente. Já não vem cá há muito tempo.”
Aguirre mediu cuidadosamente as palavras que
disse a seguir: “A população boliviana é paciente”,
afirmou. “Mas, se for necessário, tomaremos me-
didas para sermos ouvidos.”
Na Bolívia, esta declaração não precisa de expli-
cações. Em 1946, a população perdeu a paciência
com o presidente Gualberto Villarroel depois de
este aplicar medidas repressivas contra os mineiros
do país. Irados, os bolivianos invadiram o palácio
de Villarroel e mataram-no. Penduraram o cadáver
num candeeiro da Plaza Murillo, a praça adjacente
ao palácio, onde me encontrei com o vice-presiden-
te para discutir o mais recente plano de reforma da
economia boliviana. Fui pensando neste terrível
lembrete do passado ao sair de Llica e voltei a atra-
vessar a paisagem de sonho descolorada do salar,
uma ilusão de simplicidade que poderia durar para
sempre, mas que, na verdade, não dura. j