Veja - Edição 2661 (2019-11-20)

(Antfer) #1
economia empresas

62 20 de novembro, 2019

“eles queriam humilhar o carlos”


A americana Carole Ghosn, casada
com Carlos Ghosn desde 2016, não fa-
la com o marido há sete meses. Ela diz
desconhecer os motivos para a proibi-
ção feita pelos investigadores do ca-
so, mas desconfia que a restrição à
comunicação entre o casal esteja sen-
do usada para pressionar o empresá-
rio. Por telefone, de sua casa em Bei-
rute, no Líbano, ela falou a VEJA.

Como a vida de sua família mu-
dou nesses doze meses desde a
prisão de seu marido? É o pior
período da nossa vida. Carlos era o pi-
lar da família, nos mantinha juntos. O
resultado disso é que nos unimos ainda
mais pelo objetivo de libertá-lo, e seus
amigos estão se revezando para ir ao
Japão visitá-lo.

Qual é a parte mais difícil dessa
situação? É uma lista sem fim de in-
justiças. Ele passou 130 dias na solitá-
ria sem acusação formal. Por
que não o tratam como ino-
cente até que se prove o con-
trário? Meu marido é tido co-
mo culpado antes que possa
se defender.

A senhora acha que há
um tratamento diferente
por ele ser estrangei-
ro? É uma pergunta que fa-
ço. Veja o caso do CEO que
sucedeu ao Carlos na Nissan
(Hiroto Saikawa). A empresa
descobriu que recebeu paga-
mentos indevidos, mas ele não
foi preso nem afastado de sua
esposa e da família. Não o co-

locaram na solitária, não negaram que
ele tivesse acesso a seu advogado. Ele
renunciou ao cargo e foi para casa.

Deram alguma justificativa para
esse afastamento? Eles querem
puni-lo. No Japão, você fica na cadeia
até ir para julgamento. Mas, com tanta
pressão internacional sobre o caso,
eles o soltaram sob fiança. Não permi-
tem que nos vejamos ou conversemos.

Um motivo para isso poderia ser
a existência de alguma acusação
contra a senhora. A Justiça do Ja-
pão já disse que não há nada contra mim.

Onde a senhora estava quando
seu marido foi preso em novem-
bro de 2018? Em um avião a caminho
de Nova York. Quando cheguei, meu filho
me deu a notícia. Estava certa de que se
tratava de algum engano e de que as coi-
sas iriam se esclarecer rápido.

Da segunda vez que Ghosn foi
detido, em abril, a senhora es-
tava junto com ele. Como foi is-
so? Eles vieram muito cedo. No dia
anterior, ele tinha comunicado que
faria uma coletiva de imprensa. A po-
lícia o levou antes das 6 da manhã,
mas a porta do prédio estava lotada
de jornalistas japoneses. Eles que-
riam humilhar o Carlos.

Como a senhora reagiu? En-
quanto levavam meu marido, os in-
vestigadores me seguraram por qua-
tro horas, revistando um apartamen-
to de 50 metros quadrados. Pegaram
meus cartões de crédito e confisca-
ram meu passaporte libanês — o que
é ilegal. Eu estava de pijama. Queria
trocar de roupa, tomar um banho.
Uma oficial da polícia entrou comigo
no banheiro e me revistou, como se
eu fosse uma criminosa.

Qual foi a última coisa que seu
marido disse à senhora? Que
me amava, e que era para eu ser forte.

Vocês vinham com frequência
ao Brasil? Passávamos o Natal e o
réveillon no Rio, e fomos algumas ve-
zes para o Carnaval. Nós dois ama-
mos o Brasil, estar com a família. Car-
los tem duas irmãs que moram aí. O
Brasil é a casa dele.

As autoridades brasileiras fo-
ram acionadas para o caso?
Mandamos mensagens por meio de
pessoas próximas ao ministro Er-
nesto Araújo. A irmã de Carlos es-
creveu uma carta ao presidente Bol-
sonaro, pedindo que fale sobre o ca-
so com o primeiro-ministro do Ja-
pão, Shinzo Abe.

A senhora fala português? Não.
Só sei dizer “bom-dia”, “obrigada”. E co-
nheço também a palavra “saudade”.

isOlAmentO Carole
Ghosn: pedido de ajuda
ao governo brasileiro

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