10 20 de novembro, 2019
carta ao leitor
A fAltA de umA
terceirA viA
MesMo AQUeLes que não nutrem pelo ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva o mais pálido apreço reconhecem
que sua saída da prisão mexeu com o tabuleiro político bra-
sileiro. Embora hoje não tenha condições legais de se candi-
datar a nenhum cargo, o petista é, de maneira inconteste, o
grande líder da esquerda no país, capaz de galvanizar a fa-
tia do eleitorado que se identifica com tal corrente do pen-
samento. Exatamente por isso, foram bastante preocupan-
tes os primeiros discursos proferidos pelo ex- metalúrgico
depois de ter saído da cadeia. Distante do “Lulinha Paz e
Amor” e das diretrizes de seu primeiro mandato, o ex-pre-
sidente atacou a política econômica do governo de Jair Bol-
sonaro, muito bem conduzida pelo ministro Paulo Guedes,
e fez acenos ao combalido Movimento Sem Terra, em uma
tentativa de estimular sua militância mais fiel. O posiciona-
mento não deixou dúvidas de como Lula deverá se compor-
tar daqui para a frente: ele será o anti-Bolsonaro.
Trata-se de um jogo de ganho mútuo para os opostos.
Símbolo de uma renovada extrema direita brasileira, o ex-
capitão é um dos que mais se beneficiarão diante do atual
cenário. Com quase um ano de mandato, muitos de seus
eleitores já começavam a se perguntar se os arroubos do
presidente da República não representavam um perigo à
democracia. Sua capacidade de produzir crises sem motivo
e turbulências desnecessárias também já vinha decepcio-
O CAMINHO DO MEIO Tony Blair, Bill Clinton e
Emmanuel Macron: liberalismo com preocupação social
nando uma parcela da população que sabia da inexperiên-
cia de Bolsonaro no Executivo antes da campanha, mas
confiou que ele adquirisse maturidade no cargo (ou que
seus auxiliares conseguiriam domá-lo). No entanto, com a
perspectiva de um retorno da esquerda ao poder, o eleitora-
do que colocou Bolsonaro no Planalto fica mais suscetível a
tapar o nariz e seguir ao seu lado. Afinal de contas, essa
parcela da população tem fresca na memória a pior reces-
são econômica da história e os monumentais casos de cor-
rupção provocados pelas administrações petistas.
Na dinâmica da polarização entre direita e esquerda, o
centro agora está vazio. Não há um líder que represente
uma Terceira Via, proposta revigorada pelo sociólogo in-
glês Anthony Giddens na década de 90 que reunia libera-
lismo na economia a preocupações sociais e teve como
expoentes Tony Blair e o casal Bill e Hillary Clinton (ho-
je, a corrente seria representada por Emmanuel Macron,
na França). O vácuo, porém, não está na ausência de no-
mes, e sim talvez no excesso deles. Uns mais à direita, ou-
tros mais à esquerda, existem muitos pretendentes a ocu-
par essa fatia do espectro político ó João Doria, Luciano
Huck, João Amoêdo, Ciro Gomes, Wilson Witzel. Contu-
do, nenhum deles conta ainda com estatura eleitoral sufi-
ciente para canalizar e seduzir os brasileiros que não es-
tão satisfeitos com a limitação política da dobradinha
Lula x Bolsonaro. Faltam discurso, organização nas re-
des sociais e identificação com a população que se sente
perdida diante da beligerância atual ó e, por isso, não
representada. Nesta edição, uma reportagem de VEJA
destrincha as dificuldades do centro para romper a pola-
rização que tomou conta do país e as estratégias que al-
guns desses aspirantes estão seguindo a fim de chegar lá.
Começa na página 38. Boa leitura. ƒ
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