20 de novembro, 2019 101
ta, assim como as vacas, com vida longa, e jogarmos fora
seus ovos e leite me faz perguntar: o que alimentará a hu-
manidade? Espero que não sejam as baleias e os elefantes.
Eu não sou um saudosista insensível. Vejo as hortas urba-
nas como uma ótima alternativa, por exemplo. As grandes
cidades possuem milhões de metros quadrados sem ne-
nhuma destinação, como lajes, praças e estacionamentos.
E, com técnicas de cultivo mais modernas, nem sequer se
precisaria de mais mão de obra. Já está tudo ali. O próprio
agricultor urbano pode ter domínio sobre o que cultiva. As
hortas orgânicas representam uma inteligente saída à nos-
sa falta de espaço e aos nossos desejos de consumo.
Para mim há muito exagero no debate sobre alimenta-
ção. As pessoas mais radicais nesse campo me lembram
um pouco os religiosos que apregoam o sexo apenas co-
mo forma de procriação. Estamos perdendo o prazer de
uma boa refeição e trocando-o por uma “experiênciaî,
palavra insuportavelmente na moda. Afinal, muitos
chefs e donos de restaurantes querem propor uma “expe-
riênciaî ao cliente. Menos vira mais. Prefiro ser poupado
desse discurso. O que dizer, então, da quantidade de ce-
líacos que brotam como chuchu na serra? Na Itália con-
somem-se muito trigo e seus derivados, e não conheço
sequer um, entre todos os meus amigos, que tenha algum
problema. A principal função de um restaurateur é ver
seu cliente feliz. Estou aqui para ajudá-lo a ter uma gran-
de noite com a mulher, uma conversa franca com o filho.
Quero ser uma extensão da cidade. Quando a pessoa me
diz que estava tudo impecável, da comida ao serviço, não
se trata de elogio pessoal ó e, sim, à minha casa. Não
acredito em chefs estrelas, que perdem mais tempo gra-
vando reality shows em televisão e fazendo selfies para
redes sociais do que preparando pratos dentro de uma
cozinha. Até os anos 90, nenhum restaurante do Brasil
expunha seus chefs ao público ó exceto alguns hotéis do
Rio de Janeiro, que tinham cozinheiros franceses consa-
grados. O Fasano foi um dos primeiros a trazer um chef
premiado de fora, o italiano Luciano Boseggia, e dar a ele
protagonismo. Mas esse profissional não pode ser mais
valorizado que o serviço. Garçons e maîtres devem estar
no mesmo nível da cozinha. A vida que nos apresentam
com mandioquinhas no café da manhã, no almoço e no
jantar é muito chata. Ainda mais sem macarrão! ƒ
* Rogério Fasano é a estrela da família que elevou
o padrão da gastronomia e hotelaria brasileiras
lipe borges
prazeres da massa A despeito dos celíacos, que brotam como chuchu, o trigo continua sendo a base da culinária italiana
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