20 de novembro, 2019 61
behrouz mehrI/AFP
crepúsculo Carlos Ghosn deixa a cadeia, em abril, para cumprir prisão
domiciliar: de herói corporativo dos mangás japoneses (acima) a pária
entregou um lucro líquido de 2,7 bi-
lhões de dólares. A partir dessa con-
quista, dedicou-se à costura da futura
fusão entre a Nissan, a Renault e a
também japonesa Mitsubishi. O obje-
tivo era criar o maior conglomerado
automobilístico do mundo, com a ven-
da de mais de 10 milhões de veículos.
Há um ano, porém, sua reputação vi-
rou pó. Na noite de 19 de novembro de
2018, Ghosn foi preso ao desembarcar
de um jatinho no aeroporto de Hane-
da, em Tóquio, acusado de fraude fis-
cal. Enfrentou 107 dias em uma solitá-
ria, com direitos restritos a um tatame
como cama e apenas dois banhos se-
manais. Foi solto sob fiança de 9 mi-
lhões de dólares, mas acabou detido
novamente após quatro semanas. De-
pois de mais vinte dias de detenção,
foi liberado para cumprir prisão do-
miciliar na capital japonesa, regime
que o proíbe de acessar a internet e se
comunicar com a esposa. “Ele foi víti-
ma de um complô do governo japonês
com altos executivos da Nissan con-
trários à fusão com a Renault”, acusa
o advogado Takashi Takano, o defen-
sor de Ghosn no processo, em entre-
vista por telefone a VEJA.
A denúncia da equipe de Takano é
grave e de difícil comprovação, mas há
elementos que lhe dão verossimilhan-
ça. Quando desceu do jato particular
da Nissan (de matrícula N155AN) e foi
informado de que seria preso, o exe-
cutivo imediatamente ligou para seu
diretor jurídico, Hari Nada, por quem
tinha grande apreço. O que Ghosn
não sabia, mas viria a público horas
depois em uma coletiva de imprensa,
é que Nada comandava um time de
investigadores que vasculhou as mo-
vimentações financeiras do chefe ó
e entregou os resultados às autorida-
des. Não era segredo que os japone-
ses resistiam ferozmente à ideia de
Ghosn de fundir as tradicionais mar-
cas Nissan e Mitsubishi sob a lideran-
ça da Renault ó empresa que, como
agravante, tem como acionista o go-
verno francês. Nas semanas seguin-
tes, foi revelado que o copresidente
da Nissan, Hiroto Saikawa, vinha
trabalhando com afinco para redese-
nhar a aliança com os europeus de
uma maneira que impedisse a futura
fusão. E mais: que ele sabia das inves-
tigações a respeito de Ghosn. A for-
ma como o executivo vem sendo tra-
tado ó a solitária, a demora de meses
para apresentar uma acusação for-
mal e o fato de uma investigação pri-
vada servir de base às acusações ó
também é usada como indício de ar-
bitrariedade contra o brasileiro. Ta-
kano argumenta que há farta docu-
mentação que comprova a inocência
de seu cliente, e esse seria o motivo
para a demora no julgamento.
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