20 de novembro, 2019 73
Juan Karita/ap
nova direção
Morales desembarca
no México: depois
de a Bolívia ficar
48 horas sem
presidente, Jeanine
Áñez assume o posto,
mas ninguém sabe
se ela permanece
está de volta ao palácio”, proclamou,
prometendo convocar novas eleições.
Advogada de 52 anos, ex-apresenta-
dora de TV em uma cidade do interior,
Jeanine é política de pouca expressão e
sem base de apoiadores. Ninguém ar-
risca dizer se ela permanecerá na Presi-
dência e, se isso não acontecer, quem
ocupará o cargo. As instituições boli-
vianas implodiram de vez (veja a colu-
na de Roberto Pompeu de Toledo, na
pág. 114) em 20 de outubro, quando um
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com-
posto de juízes escolhidos a dedo por
Morales suspendeu a transmissão da
contagem dos votos da eleição que o le-
varia ao quarto mandato, com 83% das
urnas apuradas indicando um segundo
turno. No dia seguinte, o sistema vol-
tou ao ar com 95% dos votos computa-
dos e ó surpresa ó deu Morales na ca-
beça. A parcela da população que sem-
pre se opôs à ascensão do ex-líder dos
cocaleros (colhedores de folhas de co-
ca) transformado em expoente da es-
querda, engordada pelos bolivianos
que simplesmente estavam fartos de
suas manobras para se eternizar no po-
der, tomou as ruas da capital. A cúpula
da polícia anunciou que não reprimiria
os manifestantes. O comandante das
Forças Armadas, general Williams
Kaliman, que sempre foi próximo de
Morales, apareceu cercado de milita-
res fardados e pediu ao presidente que
renunciasse para acalmar a nação. De-
cretou-se ali o fim do governo.
Foi golpe ou não foi? “Criou-se na
Bolívia uma situação ambígua. Evo
Morales, mais de uma vez, violou as re-
gras do jogo, mas os militares produzi-
ram uma ruptura institucional”, diz
Oliver Stuenkel, cientista político da
Fundação Getulio Vargas. A presença
de militares no desenrolar do caos bo-
liviano reprisou outros episódios re-
centes de protagonismo das Forças Ar-
madas em momentos de crise provoca-
da por manifestações populares em
grande escala na região. Em outubro,
em um Equador paralisado por protes-
tos contra um aumento do preço dos
combustíveis, o presidente Lenín Mo-
reno foi à TV para decretar emergência
nacional cercado de generais. A cena
se repetiu no Chile, quando Sebastián
Piñera ordenou toque de recolher para
conter a revolta causada pela alta da
tarifa do transporte público (veja o
quadro na pág. 74). Nos dois casos, tro-
pas foram despachadas para restabe-
lecer a ordem. Segundo a pesquisado-
ra Rut Diamint, da Universidade Tor-
cuato Di Tella, de Buenos Aires, isso
não significa que os militares queiram
derrubar governos e tomar o poder ó
um ritual que perdurou por décadas na
América Latina ó, mas mostra a debi-
lidade dos poderes constituídos depois
da falência dos partidos tradicionais.
“Em vez de fortalecerem as institui-
ções, os presidentes recorrem ao Exér-
cito em situações de crise”, diz.
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