Aero Magazine - Edição 306 (2019-11)

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Feito sob
medida para
seu pequeno
piloto, o avião
tinha controle
sobre os três
eixos de voo

Fácil de construir, leve, estável e
seguro em voo, permitira a Santos
Dumont retomar o hábito dos
passeios diários, como nos tempos
da Baladeuse – seu balão dirigível
nº 9, de 1903 – com o qual Alberto
saia de seu apartamento e visitava
os cafés e os amigos parisienses.
Pode-se dizer que o Demoiselle não
faria feio se aparecesse, exatamente
como foi fabricado, em um encon-
tro de aeronaves ultraleves mo-
dernas. Mas quem via sua silhueta
cortando os céus nos arredores de
Paris não imaginava o quão difícil
havia sido chegar até ele.

TEMPOS DIFÍCEIS
Os anos anteriores àquele verão
iluminado tinham sido árduos
para o brasileiro. Coberto de
homenagens após os voos do
14-bis no final de 1906, San-
tos Dumont passou do céu ao
purgatório. Em abril do ano
seguinte, um acidente em um voo
de demonstração destruiu o avião
pioneiro – deixando evidentes
as limitações do 14-bis como
aeronave prática. Alberto preferiu

não reconstruí-lo: reaproveitou as
peças e concentrou esforços em
novos projetos.
O modelo “15” (um biplano
ainda maior, mas com superfícies
de controle na traseira) foi um
fracasso e nunca saiu do chão. O
“16”, híbrido de avião e dirigível,
dependia da sustentação das asas
para decolar e não teve destino
melhor. O “17” nunca saiu do
papel. O “18” era um arrojado
hidroplanador de competição, im-
pulsionado por um motor V-16 e
hélice tripá. Brinquedo divertido,
arrancou do construtor uma rara
foto em que aparece sorrindo. Mas
não fora feito para voar.
O sucesso e as lições do 14-Bis
haviam entusiasmado os demais
construtores. No segundo trimestre
de 1907, os monoplanos do francês
Louis Bleriot já ensaiavam as pri-
meiras decolagens. Pouco depois,
aparelhos construídos pelos irmãos
Gabriel e Charles Voisin (pilotados
pelo franco-britânico Henry Far-
man) passaram a quebrar seguidos
recordes de distância em voo. O
brasileiro Alberto já não era o

único a voar em Paris. As atenções
da imprensa, das autoridades e dos
admiradores se dividiam.
Mas o pior ainda estava por
vir. Havia tempos, comentava-se
na Europa sobre uma dupla de
mecânicos norte-americanos que,
desde 1905, alegava fazer misterio-
sos voos de longa duração, sem que
houvesse comprovação oficial. Boa-
tos semelhantes apareciam todos os
dias, ninguém os levava a sério. Em
meados de 1908, porém, já com a
patentes industriais em mãos, os
voos dos irmãos Orville e Wilbur
Wright tornaram-se públicos. Na
tarde de 8 de agosto, Wilbur fez
uma impressionante demonstração
de voo controlado para centenas de
espectadores na cidade de Le Mans,
no sul da França.
Lançado de uma catapulta, o
Flyer não apenas voava: usando
um engenhoso sistema de torção
de asas para controlar a rolagem,
fazia as curvas de um circuito fe-
chado com a graça e a elegância de
um ciclista. Na época, não havia
máquina voadora francesa capaz
de imitar essa façanha.
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