Aero Magazine - Edição 306 (2019-11)

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APERFEIÇOAMENTOS
Sabemos com certeza que o
aparelho usado nos voos de 1909
resultara de uma longa e árdua
evolução. Dono de sua própria
oficina, Alberto costumava modi-
ficar características do projeto de
um dia para outro em função dos
resultados dos testes. E traba-
lhava, com frequência, em uma
sucessão de tentativas e erros.
O primeiro Demoiselle nº 19
(supõe-se que tenha havido um
único exemplar) já definia, em
1907,  as linhas básicas usadas por
boa parte dos pequenos aero-
planos da aviação geral nos 50
anos seguintes: um único motor
à frente, com hélice em configu-
ração tratora; asa alta revestida de
tecido envernizado; piloto sentado
dentro de uma gaiola de treliça
metálica tubular, onde se encaixa-
vam três rodas usadas como trem
de pouso (duas ao lado do piloto e
uma atrás); cauda esguia e longa,
profundores e leme articulados na
extremidade traseira. Não havia
ailerons: o controle de rolagem
era feito por cabos que puxavam
para baixo as pontas das asas
flexíveis. Semelhante, mas não
igual, ao sistema de torção que era
mantido em segredo pelos irmãos

Wright, até que saísse a patente.
Dentro desse conceito básico,
quase tudo podia mudar. A maior
deficiência da primeira versão era
a falta de potência. Apesar de o
aparelho pesar apenas 110 quilos
(já incluído seu franzino piloto),
o motorzinho Dutheil-Chalmers
de dois cilindros horizontais
contrapostos posicionado sobre
a asas não entregava mais que 17
a 20 cavalos de potência – insu-
ficientes para elevar o avião mais
que alguns centímetros do solo
em voos curtos. A hélice primi-
tiva, feita de alumínio revestido
com tecido, não ajudava. Numa
primeira tentativa de resolver
o problema, Alberto instalou
duas hélices ligadas por correias
ao mesmo motor central, o que
apenas agravou a falta de potência.
Em janeiro do ano seguinte, o prê-
mio Deutsch-Archdeacon acabou
conquistado por Henri Farman,
em um aparelho Voisin.
No final do segundo semes-
tre de 1908, pressionado pelos
voos dos Wright, Santos Dumont
apresentou uma terceira versão
do Demoiselle: o “19-bis”. O motor
fora trocado por um Antoniette
V8 refrigerado a água de 24 cava-
los de potência, agora posicionado

junto ao piso da gaiola, entre
as pernas do piloto. Uma longa
correia tracionava a hélice (ainda
de tecido) com uma redução de
2,2:1 em relação aos giros do
motor. Dois esguios radiadores
de água subiam verticalmente nas
laterais. O peso elevou-se para
180 quilos, mas os resultados não
foram muito melhores: uma queda
brusca durante os testes danificou
o protótipo e obrigou o inventor a
voltar às pranchetas.

DECOLANDO NA NEVE
Em janeiro de 1909, inverno na
França, Santos Dumont deu iní-
cio aos testes de uma nova versão
modificada. Os dois primeiros
protótipos do Demoiselle nº 20
traziam alguns elementos da
versão 19, mas a asa era maior e
mais robusta. O uso do bambu na
cauda permaneceu, mas a haste
única foi substituída por uma
estrutura com três hastes finas,
mais curta e resistente. O motor
de dois cilindros refrigerado a ar
voltou à posição original. Aper-
feiçoado por Santos Dumont,
agora entregava 24 cavalos de
potência e tracionava uma peque-
na hélice de madeira. Decolando
de um campo coberto de neve

Ao conhecer
o Demoiselle
em 1907, Henry
Farman apostou
que ele nunca iria
voar. A neve ainda
cobria o campo
de Saint-Cyr em
março de 1909,
quando Santos
Dumont voou por
500 metros com o
nº 20 e ganhou a
aposta

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