Sabor Club - Edição 35 (2019-12)

(Antfer) #1
Sabor. club [ ed. 35 ] | 21

OLHOS VERDES EM CORPO ESGUIO E dourado,
longas pernas traseiras e asas com reflexos de
cor lilás, formando a capa agitada de uma super-
heroína que não foge à luta, com inteligência e
notável capacidade de adaptação para comandar
seus exércitos nos mais diversos ambientes do país
onde surgiu, e vive para proteger. Um pássaro?
Nada disso. Tampouco avião. Ela é a Jataí, a abelha
brasileira eleita porta-voz de notícias importantes
na vasta linhagem das nativas e sem ferrão.
A ela já festejavam os índios guaranis, utilizando
o distinto mel em rituais religiosos e terapias
medicinais, e agora são os chefs que vem se
lambuzando com o mel que ela produz.


A ideia de produtores e biólogos não é apenas
levar à mesa os aromas distintos do néctar da
Tetragonisca angustula, como é chamada a
Jataí nos compêndios científicos, mas ecoar em
ambiente urbano a conclusão recente do Earth
Watch Institute, respeitado centro de pesquisa e
preservação ambiental: as abelhas são a espécie
animal mais valiosa do mundo.
“A Jataí foi escolhida porque é a nativa mais
democrática, comum em todas as partes do Brasil.
Se adapta muito bem a diferentes territórios e
condições naturais, inclusive no meio urbano das
grandes cidades. As pessoas precisam parar de
olhar as abelhas com medo e procurar conhecê-las.


As indígenas são parte da nossa cultura”, explica
Eugênio Basile, da Mbee, empresário que dedica a
vida ao mel “de terroir”, trabalhando com diferentes
espécies de abelhas na fazenda da familia em
Atibaia (SP), além de estabelecer parceria com
40 produtores de mel de nativas de oito estados.
O mel da Jataí seduz pelo corpo leve, menor
viscosidade e complexidade aromática. O líquido
começa a fermentar ainda na colmeia, levando
sabor azedinho e notas herbáceas ao paladar. Os
diferentes sabores que resultam da fermentação
estão entre as principais características dos produtos
das Melíponas, as abelhas brasileiras sem ferrão (e
portanto, inofensivas).

A vocação para a gastronomia encanta chefs
com perfil de vanguarda como Ivan Ralston,
Alberto Landgraf e Alex Atala, que já serviu
sardinhas grelhadas com mel de Jataí. Em Curitiba,
Manu Buffara instalou colmeias há um ano em seu
restaurante. “Coloquei as caixas para mostrar às
pessoas que não tem perigo nenhum. As abelhas
nativas são dóceis e ajudam a polinizar a cidade”,
diz a chef, trabalhaa lado a lado com as Jataís.
Pioneira no trabalho com os meles, Manu
costuma deixá-los fermentando por semanas
na cozinha, fez menus inteiros a eles dedicados
e sabe muito bem que é na preservação do
ambiente natural que nossa pequena notável ganha

5EVEHEVPY^¦/EXE ́E2FIITVSQSZIYYQJIWXMZEPRSUYEPKVERHIWGLIJWǰ^IVEQ
pratos com o mel da abelhinha, durante uma semana, em São Paulo.
Além das receitas criadas, o evento promoveu a instalação de caixas com
abelhas em restaurantes como Tuju, Corrutela e Aizomê – coisa que
Eugênio Basile vem fazendo, com sucesso há um ano.
“Nos jantares, abrimos as caixas com mel, pólen e as abelhas, para as pessoas
a verem de perto. A primavera é a época dos enxames e as rainhas saem com
as operárias para achar lugares onde vão formar novas colmeias, povando o
entorno com as jataís”, conta Eugênio Basile. “O objetivo é cultural e ambiental,
e não a produção de mel. Cada caixa deve render menos de um litro por ano.”

O mel da Jataí tem corpo leve e complexidade aromática. Ele fermenta ainda
na colmeia e revela toques azedinhos e notas herbáceas no paladar
Free download pdf