Sabor Club - Edição 35 (2019-12)

(Antfer) #1

52 | Sabor. club [ ed. 35 ]


A Valéria Taroco, a Filó, foi criada numa família de
origem italiana, de mão boa “para fazer macarrão”,
como ela diz. Isso lá no interior de Minas, na região
de São João Del Rey, onde os primeiros imigrantes
da Bota chegaram para lavourar. Ela então cresceu não
só manejando a terra, mas também aprendendo a fazer massas.
Casou já uma cozinheira e tanto. E, repentinamente,
já mãe, separou da mesma maneira.
Não tinha eira nem beira, apenas o talento ao fogão e uma
filha para criar. Além de raça e perspicácia invejáveis que a
fizeram encontrar o seu caminho: primeiro vendendo massas
secas num empório, depois juntando dinheiro e os móveis da
família toda para abrir o seu restaurante – no qual, por muito

tempo, cozinhou sozinha para a legião de admiradores que
passaram a lotar a casinha, desde a abertura. “Via aquele tanto
de gente, respirava fundo e começava a dobrar milhares de
capellettis, enquanto o molho curava na panela.”
Não à toa, a turma que não para de crescer se apaixona
pelos macarrões da Filó, todos artesanais, feitos com muitos
ingredientes que crescem ali mesmo, no quintal dela. Incluindo
a mineiríssima ora-pro-nobis, que vai parar na lasanha, no
capelletti, no canelone e no ravióli. Todos eles preparados e
expostos num grande fogão a lenha, e com uma mineirice no
sabor que os fazem tão especiais.
Hoje, a Filó é uma empresária de sucesso e um exemplo claro
de que como esse potencial natural da gente do campo, cujas
habilidades vão muito além de parir o produto, incluem a atuação
bem sucedida, em todas as etapas da cadeia da alimentação. O
que falta é incentivo para isso.
Do lado de cá, num caminho que nos leva cada vez mais para
o campo, em busca da tal origem do produto, fica o alerta sobre o
mesmo pensamento. Convenhamos, diante de histórias como a da

Filó fica claro como é um grande desperdício olhar para
o interior a partir de um único viés. Da terra vêm mais
do que mãos que cultivam. Também vêm mãos que
cozinham. E que carregam uma tradição culinária local
que não só deve ser admirada como respeitada.
É isso o que o jovem chef e empreendedor goiano Ian Baiocchi
começa a descobrir nas andanças pelo interior do seu estado. O
rapaz é um prodígio. Começou na cozinha, poucos anos atrás, e
logo chegou ao grupo das casas mais bem frequentadas da capital
do Goiás.
Na mesa dele tem de tudo, a partir das mais variadas
influências, sem esquecer dos produtos de raiz da sua terra. São
com eles, principalmente, onde ele se conecta com a audiência

local. E com a consciência de que é preciso reforçar a ideia do
restaurateur, o profissional que anda esquecido na gastronomia
mas é fundamental não só desenvolvimento do conceito de um
restaurante mas no cuidado com os mínimos detalhes e na
gestão do negócio.
Nesse processo, o chef, sem vaidade, descobriu que é preciso
formar profissionais para a liderança e que é preciso deixá-
los trabalhar com autonomia, promovendo a criatividade e o
desenvolvimento das habilidades de cada um. Só assim consegue
ter liberdade para se dedicar, por exemplo, ao garimpo e a compra
de raros 25 quilos de cajuzinho do cerrado, frutinha deliciosa que
não dá de forma volumosa.
Durante a sua apresentação no palco do seminário, ele
conta todo o processo quando chega uma questão da plateia:
“O alimento escasso do campo deve ficar lá, para manter a
tradição das receitas que são feitas com ele. Não apenas para ser
um meio de sobrevivência de quem planta e colhe, concorda?”
Ian Baiocchi para e pensa em todo o cajuzinho do cerrado que
está nas suas casas. “Vou rever isso, obrigado.”

Negócio


e gastronomia


Casos de empreendedorismo na cidade e no campo


Com Valéria Taroco (Massa Artesanal da Filó, São João del Rei, MG)
>> Ian Baiocchi (chef de cozinha e restaurateur, Goiânia, GO)

Há exemplos claros de como o potencial natural da gente do campo,
cujas habilidades vão muito além de parir o produto, incluem a atuação bem sucedida,
em todas as etapas da cadeia da alimentação
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