Sabor Club - Edição 35 (2019-12)

(Antfer) #1
Sabor. club [ ed. 35 ] | 55

A história de vida dos personagens escolhidos para
apresentar o tema, de certa forma, já responde as
questões ele traz. Para que fique claro e não romantize
a ideia de quem um dia já pensou em se mudar para o
campo. Quem o faz, faz por paixão, faz porque realmente
abriga uma inquietação na alma que torna a necessidade
de estar conectado com o natural, numa legítima questão de
existência. Sim, porque a vida rural não é bolinho. É trabalho
duro, é transformar o que não existe em produtos e artifícios
básicos para o dia-a-dia. Coisa que a cidade, sabemos, nos
dá de mão beijada.
O Rafa Bocaina cresceu na fazendinha onde está hoje, em
Silveiras, no sopé da Serra da Bocaina, e já sabia disso, quando,
depois de rodar o mundo numa carreia de cozinheiro muito bem
sucedida, se pergunto: “O que eu estou fazendo fora de casa?”.
Então, voltou para lá com a cabeça de quem tinha mais a resgatar


do que a própria essência. Passou então a cultivar vegetais de
forma orgânica, especialmente as variedades caboclas, esquecidas
até mesmo na própria região, como o milho vermelho da Bocaina.
E, mais ainda, virou criador do porco caruncho, praticamente
extinto, pequeno e carequinha (quase sem pelos), cuja carne com
gordura entremeada é saborosíssima.
Hoje, Rafa tem passado o manejo da raça para tanta gente que
o tem procurado também por causa da charcutaria que ele faz com
ela. Compartilhar o conhecimento adquirido com a lida artesanal
somada ao conhecimento técnico que a gente da cidade sabe
como é fundamental para o melhor desenvolvimento de qualquer
atividade é outra característica da turma que pratica o êxodo
rural. O Renê Seifert, administrador com doutorado na Inglaterra,
começou a fazer pães por lá e descobriu que eles mudariam a sua
vida. E como ele queria mudá-la!


Como ele praticava muito e, consequentemente, tinha
muito pão, começou a presentear os amigos. Aí é aquela
história: eles adoraram e sugeriram que o novo padeiro
vendesse os seus produtos. E ele, como não sabia como
precificá-los, passou a trocar, a partir do que chama de
Economia da Dádiva: leve e retribua quando
e como puder.
Hoje, em Palmeira, zona rural próxima de Curitiba, Renê a sua
família moram numa casa alugada, com uma enorme área verde ao
seu redor. Lá, ele mesmo educa os seus filhos, que também fazem
os pães que são trocados por carne, leite, manteiga, iogurte, lenha,
geleia, aula de música para os meninos, postes para fazer cerca,
porcos, galinhas e até os dois cavalos.
O que parece uma guinada de vida ousada transformou-se
num projeto de sucesso, uma vez que tudo o que está em torno
dos Seifert vai muito bem, obrigado. E Renê virou referência em

fermentação natural, com um conhecimento que ele hoje vende
em cursos na internet, com objetivo de arrecadar fundos para a
realização mais um sonho: a construção da Casa, espaço dedicado
ao resgate, registro e disseminação de saberes e tecnologias
artesanais: fermentação, panificação, charcutaria, defumação,
queijaria, geleias e conservas, jardinagem, marcenaria, cutelaria,
trabalho em couro, horticultura...
A reconexão, enfim, acaba migrando de algo pessoal para o
global, como diz o Casal Gastrô, Cláudio Ruas e Amana Castelo
Branco, que foi fazer queijos e quitutes mineiros em Resende,
na região de São João Del Rey, em Minas. Neste processo, quem
vive no entorno daqueles que escolheram um novo modo de
viver, distante dos códigos citadinos, acaba tendo a vida mudada
também, com o aprendizado de novos conceitos e de uma troca
importantíssima para o seu desenvolvimento pessoal.

Da cidade


ao campo


Por que pessoas têm trocado o urbano pelo rural e
como isso resulta num estilo de vida mais sustentável

Com Rafa Bocaina (Curiango Charcutaria Artesanal, Silveiras, SP)
>> Cláudio Ruas e Amana Castelo Branco (Casal Gastrô, Resende Costa, MG)
>> Rene Seifert (Pão da Casa, Colônia Witmarsum, PR)

É importante não romantizar a ideia de deixar a cidade para viver no campo. Quem o faz,
tem uma legítima necessidade de estar conectado como natural. Sim, porque a vida rural
não é bolinho. É trabalho duro que precisa criar elementos básicos para o dia-a-dia
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