Sabor Club - Edição 35 (2019-12)

(Antfer) #1

56 | Sabor. club [ ed. 35 ]


Aqui, o começo é pelo fim. E ele, sim, é alarmante: se
não houver uma reconexão, não teremos comida no
futuro. Ou melhor, teremos: “uma comida ruim, difícil
de engolir”, como diz o espirituoso Hans Eberhard
Aichinger, gerente na área de turismo e produção
de Alimentos e Bebidas do Senac MG. Apesar do tom
descontraído, ele fala muito sério. Assim como o chef e
empreendedor Marcos Livi, um dos sujeitos mais reflexivos e
ativos do cenário gastronômico, quando o assunto é apresentar
projetos inusitados – que fazem o maior sucesso. “É preciso
entender e rever o papel da indústria. Por que diabos ela ainda
usa aditivos alimentares?”
A resposta simples vem da necessidade de atender o consumo
em massa e de um suposto controle de custos, para que o
produto final tenha preço acessível para todas as camadas da

população. Com o olhar mais afiado, no entanto, sabemos que se
trata fundamentalmente de uma escolha para agilizar o processo
de produção, produzir mais, com baixo custo e, ora bolas,
aumentar drasticamente a margem de lucro. Afinal, é isso o que o
pensamento capitalista voraz prega, não é mesmo?
O economista Valter Palmieri Jr, professor na admirada
Fundação Getúlio Vargas, faz mais uma pergunta: “Nós realmente
escolhemos o que comemos?”. A publicidade que movimenta
massas responde a essa questão, num momento em que muita
coisa industrializada é vendida como se não fosse, com artimanhas
como o “sabor caseiro”.
Determinados símbolos entram na esfera cultural e fazem
muito efeito no poder de convencimento na hora da compra.
Até aí, tudo bem. Mas não é possível ser mais responsável nesse
processo? Este é um caminho irreversível para o futuro, num

momento em que já há constatação de que as demasiadas
regras e conceitos com os quais vivemos são um grande
gerador de ansiedade. E também quando surge a
pergunta: para quem você quer dar o seu dinheiro?
Diante dessa cadeia, na qual vemos tantos pontos
equivocados, o mundo todo mergulha de cabeça na
questão urgente sobre a diminuição do consumo de carne.
Grande parte da produção agrícola do planeta é dedicada a
produtos que alimentam os animais de corte que, por sua vez,
alimentam uma parte restrita da população, enquanto outra morre
de fome.
A nutricionista Alessandra Luglio, da Sociedade Vegetariana
Brasileira, tem um discurso duro (repleto de dados e argumentos
relevantes, difíceis de encarar) sobre a troca, radical que seja, da
carne pelos vegetais. Mas aí entramos em questões culturais com

as quais, sabemos, têm de ser tratadas com o maior cuidado – e o
maior respeito. Num ponto ela tem toda razão: porque a proteína
que comemos tem de ser apenas de origem animal?
É por isso que ela é uma das mentoras da Fazenda Futuro,
responsável pelo Futuro Burger, desenvolvido inteiramente com
insumos vegetais, embora tenha aspecto e gosto que lembram
demais o feito com carne de vaca.
De volta a indústria, ela novamente vende o que não é, com
cara do que é – considerando o consumo de massa. Afinal, ele
precisa de uma mensagem simples e objetiva para funcionar.
E, de fato, a confusão ajuda, no prato, na introdução de um
novo pensamento que precisa mudar. Quem sabe, no entanto,
muito mais gente, um dia, entenda que um ótimo hambúrguer
também pode ser feito com grão de bico e beterraba (que o deixa
vermelhinho), cogumelos, lentilha, batata doce e até feijão preto.

A comida


do futuro
Como o que comemos hoje interfere no que vamos comer amanhã

Com Alessandra Luglio (nutricionista - Sociedade
Vegetariana Brasileira) >> Hans Eberhard Aichinger (gerente na área
de turismo e produção de Alimentos e Bebidas do Senac MG)
>> Valter Palmieri Jr (economista) >> Marcos Livi (A Ferro e Fogo,
Dona Inah e A Vida é PANC - São Paulo, SP)

Se não houver uma reconexão, não teremos comida no futuro. Ou melhor, teremos:
uma comida ruim, difícil de engolir. Agora, é preciso pensar não só na maneira como produzir,
mas também na forma de vender o produto. Além de questionar o que vai para mesa
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