Sabor Club - Edição 35 (2019-12)

(Antfer) #1

66 | Sabor. club [ ed. 35 ]


CONSISTÊNCIA DO INÍCIO AO FIM. A frase está no Sutra do Lótus, repetida
todos os dias pelo padeiro budista que aprimora a experiência em seu templo
carioca que virou referência nacional em panificação. As aulas e encontros na
futura escola da Slow Bakery começam em 2020, mas o aprendizado está em
cada passo, desde que a padaria mudou do imóvel miúdo para outro, igualmente
descolado, porém muito maior – no mesmo bairro de Botafogo, no Rio.
Da massa aberta na vitrine ao forno imponente no corredor aberto
que desnuda os processos. Na sala de paredes de vidro à frente das mesas,
encontramos Rafa Brito acariciando um travesseiro de focaccia que fermentaria
pelas próximas 38 horas.
A linha do tempo peculiar dos pães, e da biografia do publicitário que
mergulhou na farinha, ao lado da mulher Ludmila Espíndola, oferece respostas
surpreendentes como a mordida num pão com polenta amanteigada na massa,
sob a casca de etérea caramelização: “Nunca entrei numa padaria de sourdough.
O primeiro que comi na vida foi o meu. Li sobre panificação francesa,
italiana, peguei receita americana e fui atrás do que achava gostoso. E sou
completamente obsessivo com meus processos.”

Os preceitos budistas regem o trabalho e Rafa lê pensandores
contemporâneos como o norte-americano Michael Pollan, autor de obras
de referência como O Dilema do Onívoro, e o publicitário mineiro Ricardo
Guimarães, vanguarda na sugestão de novos caminhos empresariais para a
construção de marcas. “Tivemos a sorte de ser recebidos e passar uma tarde
com o Pollan em Berkeley, e dessa conversa eu parei de falar de grande indústria
como referência negativa. Porque existe a grande e ótima. A quem interessa o
discurso de que o artesanal tem que ser pequeno?”
Tem que ser coerente. Por isso, a proposta que recebeu para abrir uma filial
da Slow em Nova York não interessou, porque a ideia de movimento é distinta.
A nova casa foi preparada para dar escala ao processo artesanal e propagar
conhecimento, um bem valioso no trabalho que rima produtividade com
paridade entre discurso e ação.
A produção passou de cinco para 12 toneladas de pão por mês, feitas
exatamente da mesma forma com que, há 5 anos, Rafa e Ludmila produziam
80 quilos para vender numa barraca em feira de produtores artesanais.
“Diminuir as diferenças entre o discurso e a ação é um exercício diário a
partir das pequenas escolhas. O que adianta eu fazer pão de fermentação natural

“O primeiro sourdough que comi na vida foi o meu.
Peguei receita americana e fui atrás do que achava gostoso.
Eu sou obsessivo com meus processos”

Árvore
no salão
“A padaria é
um espaço
de mediação
entre mundos
diferentes”

No início da Rua
General Polidoro,
região crescente na
boa gastronomia de
Botafogo, a nova
Slow Bakery tem três
andares banhados
à luz natural em
claraboias. Plantada
no salão, uma
árvore oiti projeta
as folhas na altura
do mezanino onde
será instalada uma
torrefação própria
de café. Pensado
para a interação, o
bar forma pequena
arena que aproxima
as pessoas, e as
tomadas para
notebooks nas
mesas convidam à
permanência. “Como
padaria, recebemos
todas as pessoas
e ideologias, e
somos um espaço
privilegiado de
mediação e
entendimento entre
mundos diferentes”,
define a Ludmila
Espíndola.
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