Encontramo-nos numa igreja do século V, cons-
truída para celebrar o local onde se diz que Jesus
curou um cego. O vetusto edifício foi-se juntando
aos vastos domínios subterrâneos da cidade.
Para Joel Uziel, a igreja é a mais recente compli-
cação num dos projectos arqueológicos mais ca-
ros e polémicos do mundo. A sua missão consiste
em escavar uma rua com dois mil anos e 600 me-
tros de comprimento, que outrora conduzia pere-
grinos, mercadores e outros visitantes a uma das
maravilhas da Palestina antiga: o Templo Judaico.
Atulhada de escombros durante a feroz destrui-
ção da cidade pelas forças romanas em 70 d.C.,
esta via monumental desapareceu da vista.
“Agora teremos de mudar de direcção por cau-
sa da igreja”, explica Uziel. “Nunca sabemos o que
vamos encontrar.” Ele já tropeçou em banhos ri-
tuais judaicos, num edifício tardo-romano e nos
alicerces de um palácio dos primeiros tempos da
era islâmica. Cada edifício teve de ser cartografa-
do e estudado, sendo preciso descobrir um des-
vio, ou construir um caminho.
Quando a equipa de escavação britânica abriu
caminho até entrar na igreja, era vulgar abrir tú-
neis. Hoje, porém, excepto em circunstâncias
especiais, a abertura de túneis é considerada pe-
rigosa e não científica. Neste ponto, porém, não é
prático escavar para baixo a partir da superfície,
uma vez que vivem pessoas poucos metros aci-
ma. Por isso, um exército de engenheiros e ope-
rários de construção civil está a abrir um poço
horizontal por baixo da crista. À medida que vão
avançando, Joe Uziel e a sua equipa recolhem ce-
râmica, moedas e outros artefactos. Se o método
é cientificamente aceitável ou não, isso depende
do arqueólogo israelita a quem se faz a pergunta.
Os operários do túnel lidam com solos instá-
veis que já deram origem a derrocadas, ao mesmo
tempo que os moradores que residem por cima se
queixam dos danos causados às suas habitações.
O ambicioso projecto, em grande parte financia-
do por uma organização de colonos judaicos, lo-
caliza-se num sítio particularmente sensível de
Jerusalém Oriental: a zona da cidade anexada por
Israel em 1967, considerada território ocupado
por muitos países do mundo. Aliás, a maior parte
das escavações realizadas em tal território são ile-
gais ao abrigo do direito internacional. Chamada
Wadi Hilweh pelos palestinianos, para os judeus
trata-se da Cidade de David, o local onde o rei Da-
vid fundou a primeira capital israelita.
Joe Uziel conduz-me de regresso à passagem
estreitae emergimosnumasecção finalizada do
novo túnel. Ao contrário do poço britânico, este
encontra-se forrado a aço reluzente. Antigos de-
graus de calcário brilham à distância. “Algumas
destas pedras encontram-se quase intactas”, co-
menta o arqueólogo, enquanto subimos a ampla
escadaria. “Esta era a rua principal da primitiva
Jerusalém romana. Os peregrinos purificavam-se
na piscina e, de seguida, subiam ao Templo.”
O caminho teve vida curta. Moedas ali encon-
tradas sugerem que um famoso gentio presidiu à
construção da escadaria monumental, perto do ano
30 d.C., o prefeito romano mais conhecido por ter
ordenado a crucificação de Jesus: Pôncio Pilatos.
“A VERDADE BROTARÁ DA TERRA”, reza o Livro dos
Salmos. Mas qual verdade? É a pergunta que ator-
menta Jerusalém. Numa cidade fundamental para
as três grandes religiões monoteístas, o gesto de
enterrar uma pá no solo pode ter consequências
imediatas e de longo alcance. Em poucos lugares
da Terra, uma escavação arqueológica desencadeia
uma rebelião, alimenta uma guerra regional ou
coloca o mundo inteiro de sobreaviso.
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