JERUSALÉMSUBTERRÂNEA 29
mostra contente por me ver. “Estou farta de jorna-
listas”, declara. “Só quero que me deixem em paz.
Estamos perdidos. Não sabemos o que fazer!”
Passados poucos minutos, acalma-se e concor-
da em mostrar-me os danos causados nas paredes
de sua casa. “As rachas começaram há três anos,
mas revelaram-se mais evidentes no último ano
e meio”, afirma. Quando me despeço de Miriam,
junto do seu portão, ela sorri pela primeira vez.
“Gostava de contar-lhe a nossa história de manei-
ra sincera e clara. Somos gente pacífica que vive
aqui e continuaremos a sê-lo, apesar dos danos.”
Quando falei com Doron Spielman, ele desva-
lorizou as preocupações dos moradores árabes.
“Sim, andamos a fazer trabalhos debaixo das ca-
sas das pessoas, o que não é um problema se a en-
genharia for bem feita. E está a ser.”
Três dias depois da minha visita aos palestinia-
nos, Doron Spielman enviou-me um e-mail gélido
a alertar-me para não criar uma plataforma para
“as reivindicações de grupos com interesses es-
peciais, motivações políticas e anti-israelitas”. Pe-
diu-me que lhe fornecesse por escrito os porme-
nores de quaisquer “reivindicações desonestas”
antes da publicação. As minhas tentativas para
voltar a falar com ele ou com quaisquer outros
funcionários da Cidade de David esbarraram num
muro de silêncio. Yusuf Natsheh, da Waqf, não se
mostrou tão reticente. Para si, as escavações e as
tentativas para deslocar os palestinianos estão
intimamente ligadas. “A arqueologia não deve ser
um instrumento para justificar a ocupação”, diz.
Aquilo que jaz sob Jerusalém revela que a his-
tória da cidade é demasiado rica e complexa para
caber numa única narrativa, seja ela judaica, cris-
tã ou muçulmana. Helena não conseguiu apagar
o seu passado pagão, tal como os romanos não
foram capazes de aniquilar a rebelde capital da
Judeia, nem os muçulmanos eliminaram todos
os vestígios da odiada ocupação dos cruzados. In-
dependentemente da identidade do governante
mais contestado de todos os lugares, a evidência
do seu passado subirá inevitavelmente até à su-
perfície, desafiando qualquer história criada à
medida de uma agenda política ou religiosa.
“Todos os que governaram Jerusalém fizeram o
mesmo: cada um construiu a sua torre e hasteou
a sua bandeira”, diz Shlomit Weksler-Bdolah com
uma gargalhada, avaliando este sítio venerável
e violento numa perspectiva de longa duração.
“Mas eu creio que ela é mais forte do que todos
os que tentaram controlá-la. Ninguém consegue
apagar por completo aquilo que existiu antes.” j
às repercussões para os moradores judaicos, que
representam agora 1 em cada 10 habitantes e re-
sidem maioritariamente em condomínios fecha-
dos, patrulhados por guardas armados. “Isto será
visto como um modelo de coexistência. As pes-
soas viverão juntas, dentro de um sítio arqueoló-
gico activo onde há muitas oportunidades.”
NÃO É ASSIM QUE ABD YUSUF, o proprietário cor-
pulento de uma loja local, analisa a situação. “O
negócio está péssimo!”, conta, sentado no meio das
lembranças de Jerusalém que ali vende. “Antiga-
mente, havia muitos turistas, mas agora não vem
ninguém. Eles levam todos os turistas para as suas
lojas”, acrescenta, referindo-se às concessões da
Cidade de David. Depois, aponta para as fendas na
parede. “Vi-me obrigado a substituir a minha porta
três vezes, devido aos abalos de terra lá de baixo.”
Logo a seguir, subindo a rua, faço uma visita a
Sahar Abbasi, uma professora de inglês que tam-
bém trabalha como directora-adjunta no Centro
de Informação Wadi Hilweh, uma organização
palestiniana sediada numa loja modesta. “As es-
cavações levantam muitos desafios”, afirma. “As
nossas casas estão a ser danificadas e destruídas.”
Segundo os seus cálculos, 40 casas foram afec-
tadas, metade das quais com gravidade, e cinco
famílias foram despejadas de habitações consi-
deradas inseguras. “Como não conseguem con-
trolar-nos de cima para baixo, começam a contro-
lar-nos de baixo para cima”, resume Sahar Abbasi.
Certa manhã, perto de uma viela estreita por
cima do túnel de Uziel, Arafat Hamad dá-me as
boas-vindas ao seu pátio repleto de limoeiros.
Barbeiro reformado, ele usa cabelo grisalho curto
e um sorriso fácil que rapidamente se desvanece.
“Construí esta casa em 1964, com espessos alicer-
ces de betão, mas veja o que aconteceu no último
par de anos”, diz, apontando para fendas largas
que sobem até às janelas do primeiro andar. Le-
vando-me a dar a volta até à empena da casa, o
meu interlocutor aponta para pilhas de escom-
bros. “Numa noite de Agosto, estávamos sentados
no alpendre quando a casa começou a abanar”,
recorda. “Conseguíamos ouvi-los a trabalhar lá
em baixo, com maquinaria pesada. Quando pú-
nhamos a mão no chão, sentíamos as vibrações.
Fugimos de casa, refugiando-nos em casa dos
vizinhos e depois ouvimos um estrondo. Vimos
uma nuvem de poeira erguer-se do local onde an-
tes ficava a nossa cozinha exterior.”
Do outro lado da rua, a vizinha de Arafat Ha-
mad, uma anciã chamada Miriam Bashir, não se