National Geographic - Portugal - Edição 225 (2019-12)

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Depois, durante a primeira década deste sécu-
lo, mais de 90% da população de elefantes de Za-
kouma foi abatida, na sua maioria por cavaleiros
sudaneses vindos de leste em expedições parami-
litares para recolha de marfi m. (Ver “A Guerra do
Marfi m”, National Geographic, Março de 2007).
Estes cavaleiros são conhecidos como janjaweed,
uma palavra árabe que se pode traduzir livre-
mente como “demónios a cavalo”, embora alguns
montem camelos. As suas origens remontam aos
grupos árabes nómadas, cavaleiros habilidosos,
que, uma vez armados e apoiados pelo governo
do Sudão, se transformaram em implacáveis for-
ças ofensivas durante o confl ito em Darfur e, mais
tarde, bandidos mercenários desejosos de mar-
fi m. Durante algum tempo, parecia que poderiam
matar todos os elefantes do Chade.
Em 2010, a convite do governo do Chade, uma
organização privada chamada African Parks (AP)
assumiu a gestão de Zakouma e a tendência parou
de imediato. Fundada em 2000 por um pequeno
grupo de conservacionistas preocupados com as
perdas hemorrágicas de animais selvagens no
continente, esta organização sem fi ns lucrativos
trabalha com os governos para restaurar e gerir
parques nacionais com a condição de exercer ple-
no controlo no terreno. A AP gere actualmente 15
parques em nove países, trazendo fi nanciamento
externo, práticas efi cientes de negócio e uma apli-
cação rigorosa da lei para algumas das zonas sel-
vagens mais conturbadas de África.
Em Zakouma, as forças responsáveis pela apli-
cação da lei mobilizam mais de cem vigilantes
bem armados, sobretudo homens, mas também
algumas mulheres. Esses recursos são distribuí-
dos de forma articulada e com uma estratégia so-
fi sticada. O sul-africano Leon Lamprecht, criado
no Parque Nacional Kruger, onde o pai era vigilan-
te da natureza, é o gestor nomeado pela AP para
o parque de Zakouma. “Não somos uma organi-
zação militar”, disse, enquanto me mostrava um
baú cheio de armas e munições no arsenal, um
barracão trancado no piso térreo da sede. “Somos
uma organização de conservação que treina os
seus vigilantes como paramilitares.”
Peter Fearnhead, director-geral da African Parks
e um dos seus co-fundadores, rejeita a ideia de a sua
organização ser altamente militarizada. No entan-


to, na nossa conversa telefónica, reforçou a neces-
sidade de seguranças bem armados nos parques
para proteger os animais selvagens e os membros
das comunidades vizinhas que possam estar su-
jeitas a actos de violação, pilhagem e saque pela
próxima vaga de demónios a cavalo. “Elas reco-
nhecem que é o parque que lhes dá estabilidade e
segurança”, resumiu Peter Fearnhead.
Leon Lamprecht desenhou-me um diagrama
em forma de pirâmide com os níveis das tarefas,
segundo a visão da AP. Na base da pirâmide, ve-
mos a aplicação da lei, as infra-estruturas e uma
equipa de pessoal sólida – “integridade da área”.
Depois disso, subimos um nível: desenvolvimen-
to comunitário para os autóctones, turismo e in-
vestigação ecológica.

O CENTRO NEVRÁLGICO deste esforço é a sala de
controlo central, onde informações recentes sobre
a localização dos elefantes e qualquer actividade
humana perturbadora – como um acampamento
de pesca ilegal, um tiro, cem cavaleiros armados a
galopar na direcção do parque – é utilizada para
determinar o posicionamento de vigilantes. As fon-
tes de informação incluem sobrevoos de reconhe-
cimentos, patrulhas a pé, coleiras GPS nos elefantes
e rádios portáteis entregues a informadores de con-
fi ança que vivem nas aldeias em redor do parque.
A reunião diária começa às 6h00. Vê-se uma
mesa com dois monitores ao computador e, na
parede, um mapa enorme decorado com pione-
ses. Na manhã da minha visita, Tadio Hadj-Ba-
guila, o chadiano que chefi a a força de aplicação
da lei do parque, presidia à reunião em francês.
Leon Lamprecht explicou que os pioneses pre-
tos do mapa representam elefantes. Os pioneses
verdes são as equipas de patrulha regulares (co-
nhecidas como Equipas Mamba) de seis vigilantes
por equipa, vasculhando o parque cinco vezes por
dia. O seu percurso é ditado pelos elefantes, que
as Equipas Mamba seguem como anjos da guarda.
E isto, disse Leon, enquanto apontava para um
pionés vermelho e branco espetado fora do mapa,
representa uma Equipa Phantom, com dois vigi-
lantes em reconhecimento de longo alcance. Es-
tas equipas operam num tal secretismo que nem
o operador de rádio conhece as suas localizações


  • apenas Leon Lamprecht e Tadio Hadj-Baguila.
    Os dados são coligidos todas as manhãs e todas
    as tardes. “Jogamos xadrez duas vezes por dia”,
    disse Leon Lamprecht. Do outro lado do tabuleiro
    estão os janjaweed e os outros caçadores furtivos
    que possam pôr à prova as fronteiras de Zakouma.


Este artigo foi financiado pela Wyss Campaign
for Nature, que está a trabalhar com a National
Geographic Society e outras organizações para ajudar
a proteger 30% do nosso planeta até 2030.
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