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“Há a hipótese, pela semelhança do nome de um
dos ofertantes, de uma das aras ter sido dedicada
por um legado, filho do governador do Pretorium
(o corpo policial do imperador Cómodo) que, cinco
anos depois da dedicatória, foi morto por conspira-
ção contra o imperador. Como se vê, tivemos VIP
aqui em Sintra!”, brinca Cardim Ribeiro.
O progressivo monoteísmo do império trou-
xe, naturalmente, mudanças para o santuário.
A conversão ao cristianismo desautorizava cultos
pagãos oficiais, mas as dedicatórias tardias reve-
lam que, nas franjas do império, uma teimosia
nostálgica levava alguns nobres locais a mante-
rem fidelidade ao velho culto. Há indícios mais
tarde, talvez no século V d.C., de destruição pro-
positada, provavelmente durante a fase de maior
fanatismo religioso e de tensão entre monoteístas
e politeístas. Como lembra Alexandre Gonçalves,
“ainda só escavámos 4% da área total e teremos
muito para descobrir. Gostaria particularmente
de encontrar a cultura material que permitisse
enquadrar os ritos romanos e, meio milénio de-
pois, os islâmicos. Talvez um dia apareçam algu-
mas estátuas e edifícios não tocados pelo ribat”.
Cardim Ribeiro acredita que as próximas cam-
panhas revelarão mais inscrições e as provas do
templo circular cujos restos Francisco de Holanda
talvez tenha visto quando desenhou a sua estrutu-
ra circular. “E seria perfeito encontrar o depósito
de objectos votivos, onde poderão estar os restos
dos animais sacrificados e as lucernas ofertadas”,
sonha. Depois, claro, ainda há a pista viking.
Em 1107, o rei nórdico Sigurd I percorreu a cos-
ta portuguesa, parando em algumas zonas para
incursões devastadoras. As sagas nórdicas contêm
um poema sobre o episódio. Relatam incursões na
costa inglesa e na Galiza. Prosseguindo para sul, os
homens de Sigurd detiveram-se em Sintra, onde
encontraram em 1109 uma comunidade de “here-
ges” – certamente os muçulmanos que controla-
vam o território. O poema regista que Sigurd não
deixou “nenhum herege” vivo.
Desde o século XIX que se especula que o ponto
de entrada em Sintra tenha sido a Praia das Maçãs,
então navegável pelo esteiro de Colares. “A ser as-
sim, Sigurd teria desembarcado aqui numa fase
em que o ribat do Alto da Vigia estava activo, no
século XII”, diz Cardim Ribeiro. É tentador pensar
que o explorador nórdico terá visto as construções
islâmicas, diz o historiador, olhando para o ponto
onde alguns banhistas tardios desafiam o sol do
Outono e aproveitam o calor, indiferentes às sagas
dos homens do Norte.
N
ÃO É COMUM ENCONTRAR UM autarca que
domine o latim, mas Basílio Horta, pre-
sidente da Câmara Municipal de Sintra,
faz questão de ler e interpretar a inscrição
cristianizada na gravura de Francisco de
Holanda antes de iniciar a entrevista.
O edil tem na mão a chave para o futuro
do sítio arqueológico do Alto da Vigia, pois a tota-
lidade dos terrenos afectados pertence a privados.
“Num concelho de grande riqueza arqueo-
lógica, o Alto da Vigia é uma das nossas prio-
ridades, talvez a mais importante”, explica.
“Existem algumas dificuldades porque as esca-
vações só poderão prosseguir com uma licença
de utilização ou com a expropriação, mas quero
sublinhar que temos dinheiro para isso e avan-
çaremos para cumprir o nosso dever. Não é ad-
missível ter esta riqueza no subsolo, saber que