National Geographic - Portugal - Edição 225 (2019-12)

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e fundou a Estação de Ciência do Nordeste, inicial-
mente sob os auspícios da Academia Russa das
Ciências. Serguei é agora o seu proprietário e gere-a
com o fi lho, Nikita. É uma operação improvisada,
com um orçamento limitado e equipamento em
segunda mão. No entanto, a estação atrai cientistas
interessados no Árctico, oriundos de todo o mundo.
Certo dia, no Verão de 2018, eu e a fotógrafa
Katie Orlinsky juntámo-nos a Serguei a bordo de
um velho barco que transporta mantimentos até
um posto de monitorização de carbono na baía de
Ambarchik, junto da foz do rio Kolyma, no ocea-
no Árctico. Atravessámos os prados esponjosos
caminhando sobre um passadiço construído com
antigos radiadores a óleo. Serguei sondava o terre-
no com um bastão metálico enquanto caminhava.
Tem feito muito isso, ultimamente, para verifi car
a profundidade do solo permanentemente gelado
que ainda se encontra rijo.
O permafrost apresenta-se coberto por uma ca-
mada de terra e detritos vegetais que pode alcan-
çar quatro metros de espessura. Essa camada acti-
va do solo costuma perder o gelo no Verão e voltar
a congelar no Inverno, protegendo o permafrost
da subida da temperatura à superfície. Na Prima-
vera de 2018, porém, uma equipa que trabalhava
com Nikita descobriu que a camada superfi cial de
terra nos arredores de Cherskiy não congelara, de
todo, durante a escura noite polar. Era um aconte-
cimento inédito: o mês de Janeiro na Sibéria é tão
brutalmente frio que o bafo humano pode conge-
lar numa fracção de segundo, algo a que os indí-
genas yakuts chamam “o sussurro das estrelas”.
O solo a 75 centímetros de profundidade deveria
estar congelado. Em vez disso, parecia uma papa.
“Há três anos, a temperatura ao nível do solo,
acima do permafrost, era de -3ºC”, disse Serguei
Zimov. “Depois passou a ser -2ºC. Depois, -1ºC.
Este ano, a temperatura foi 2ºC.”
Por um lado, isso não surpreende. Os cinco
anos mais quentes do planeta desde o fi m do
século XIX foram posteriores a 2014 e o Árctico
está a aquecer a uma velocidade duas vezes su-
perior ao resto do planeta, pois está a perder o
gelo marinho que o ajudava a arrefecer. Em 2017,
a tundra da Gronelândia sofreu o seu incêndio
florestal mais grave de que há memória. Dias an-
tes de aterrarmos na Sibéria, os termómetros da
localidade norueguesa de Lakselv, 390 quilóme-
tros acima do Círculo Polar Árctico, registaram
uns historicamente escaldantes 32ºC. As renas
do Árctico esconderam-se nos túneis das estra-
das em busca de alívio.

Na verdade, a abundância de fósseis de ma-
mutes e de outros herbívoros de grande porte
encontrados em Duvanny Yar e noutros locais
sugerem que a Sibéria, o Alasca e a zona ociden-
tal do Canadá foram prados férteis, repletos de
ervas e salgueiros. Estas plantas e animais fo-
ram morrendo e o frio abrandou a sua decompo-
sição. Ao longo do tempo, foram enterrados por
sedimentos soprados pelo vento, encerrando-os
no solo permanentemente gelado. Como tal, o
permafrost do Árctico é muito mais rico em car-
bono do que os cientistas pensaram em tempos.
Novos achados sugerem que o carbono será
libertado mais depressa à medida que o plane-
ta aquecer. Devido à inesperada velocidade do
aquecimento do Árctico e à forma preocupante
como as águas do degelo se deslocam através
das paisagens polares, os investigadores suspei-
tam que, por cada aumento de 1ºC da tempera-
tura média da Terra, o solo permanentemente
gelado possa libertar o equivalente a quatro a
seis anos de emissões de carvão, petróleo e gás
natural – entre o dobro e o triplo daquilo que os
cientistas calculavam há poucos anos. Se não
controlarmos o nosso uso de combustíveis fós-
seis, daqui a poucas décadas o permafrost pode-
rá ser uma fonte de gases com efeito de estufa
tão grande como a China (o maior emissor do
mundo) o é actualmente.
Os modelos não têm ponderado este factor.
O Painel Intergovernamental para as Alterações Cli-
máticas das Nações Unidas (IPCC na sigla interna-
cional) só no passado recente começou a incluir o
solo permanentemente gelado nas suas projecções.
O potencial de aquecimento do planeta pelo
permafrost é minúsculo, quando comparado
com o nosso. No entanto, se temos esperança
de limitar o aquecimento a 2ºC, como 195 paí-
ses concordaram fazer nos Acordos de Paris, em
2015, novas investigações sugerem que podere-
mos ter de reduzir as emissões oito anos mais
cedo do que previsto pelos modelos do IPCC, só
para compensar o degelo actualmente em curso.
Talvez este seja o motivo menos valorizado para
acelerar a transição para energias mais limpas:
para alcançar o objectivo defi nido para comba-
ter o aquecimento, teremos de ser ainda mais
rápidos do que pensamos.


SERGUEI ZIMOV CHEGOU PELA PRIMEIRA vez a
Cherskiy na década de 1970, como estudante uni-
versitário para colaborar no levantamento cartográ-
fi co de uma expedição. Regressou anos mais tarde

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