Dossiê Superinteressante - Edição 398-A (2019-01)

(Antfer) #1
Colagem

Estúdio Nono

Ilustração Rodrigo Bastos Didier

não foi apenas o primeiro grande avan-
ço rumo ao sul do contnente, mas foi
também a primeira remessa de escravos
africanos para Portgal. No caso, um pe-
queno grupo de pescadores, atacados e
feitos prisioneiros. Porém, embora fosse
desde sempre um negócio lucratvo, a
captra de escravos não era, ao menos
no começo, a essência da empreitada.
A importância desse comércio mu-
dou a partr do estabelecimento dos
engenhos de açúcar na Madeira e em
outas ilhas da costa atlântca – modelo
que, depois, viraria uma vantajosa fonte
de renda também nas Américas.
Para abastecer a demanda crescente
por tabalhadores forçados, os port-
gueses estabeleceram acordos com
líderes locais. O mais comum era que
os vendidos fossem prisioneiros de
batalhas conta povos rivais, embora
vítmas de sequestos e criminosos da
própria comunidade também virassem
moeda de toca de vez em quando. O
que não quer dizer, é claro, que os por-
tgueses não tenham tentado obter es-
cravos à força. Tentaram, e bastante.
O problema é que enfrentar os povos
locais não era nada fácil. Textos his-
tóricos como a Crônica do Felicíssimo
Rei Dom Manuel, de Damião de Góis,
demonstam que, desde o século 16, era
comum a presença de batelões port-
gueses onde hoje é costa da África do
Sul, tentando atacar aldeias próximas
ao mar para fazer prisioneiros. Resul-
tado: na maioria das vezes, os europeus
tomaram uma surra.
Após o sucesso em cruzar o Cabo
das Tormentas (hoje Cabo da Boa Es-
perança), no extemo sul da África, com
Bartolomeu Dias, em 1488, o alcance
portguês ganhou contornos mais de-
fnitvos, especialmente nos territórios
de Angola e Moçambique.
Com o fm do táfco de escravos na
segunda metade do século 19, a lógica
europeia na África mudou. Até então,
as expedições dependiam do pagamento
de impostos e da tolerância de líderes
africanos.
A perda do Brasil, disparada pela
declaração de independência de 1822,
fez com que Portgal olhasse com mais
atenção para as colônias africanas. Já
em 1834, o político Sá da Bandeira

apresentou um projeto de desenvolvi-
mento para o contnente, que previa a
abolição do táfco negreiro e o uso dos
habitantes na agricultra das próprias
regiões onde residiam. Mas a resistência
dos mercadores de escravos demorou
a ser vencida e só a partr do fnal do
século 19 a ideia começou a prosperar.
Até aquela época, Angola e Moçam-
bique serviam a fnções distntas: a
primeira fornecia escravos, enquanto
a segunda era pouco mais que uma
sequência de entepostos no contato
com a Índia Portguesa. No começo
do século 20, a instabilidade polítca e
econômica em Portgal era enorme, e a
ordem passou a ser incentvar a ida de
portgueses à África. Mas a ideia não
empolgava muito, com cerca de mil a
2 mil portgueses indo morar no con-
tnente africano por ano – quase nada
comparado às dezenas de milhares que
embarcavam de Portgal, na mesma
época, em direção ao Brasil.
A partr do golpe que instaurou o
Estado Novo em Portgal, regime auto-
ritário que vigorou de 1933 até 1974, as
subdesenvolvidas e subpovoadas colô-
nias africanas passam a ser vistas como
um complemento ao fornecimento de
produtos para Portgal. Nos anos 1950,
António Salazar vai na contamão das
demais nações colonizadoras: enquan-
to Inglaterra e França planejavam sua
retrada, Lisboa apresentava os territó-
rios africanos como orgulho nacional
e bancava terras, gado e sementes para
quem quisesse tentar a sorte lá.
Quando estouraram as guerras de
independência, havia algo em torno de
200 mil portgueses em Angola e 80
mil em Moçambique. A maioria leva-
va uma vida confortável, enquanto os
negros viviam nas periferias, deixando
a “cidade do asfalto” quase toda para os
brancos. Raros eram os que chegavam
a estdar em escolas, que dirá subir na
vida. E embora a convivência fosse bem
menos tensa do que no Apartheid da
África do Sul, os castgos físicos eram
comuns até pelo menos o começo da
década de 1970. Com a revolução de
1974, os contários à contnuidade da
colonização assumiram o poder no país.
A partr daí, fnalmente, os portgueses
começaram a deixar a África.

Nossa áfrica
Os diferentes povos
africanos cujo
sangue está no DNA
do brasileiro.

Nhanjas
É um subgrupo dos
povos de origem Bantu,
que se espalham pela
África sul-equatorial.
Foram maciÁamente
trazidos ao Brasil a partir
dos territórios de Mo-
Áambique e Angola. Por
aqui, os bantu criaram a
capoeira e infuenciaram
a música, com berimbaus
e cuícas. Mas a principal
contribuiÁão foi linguís-
tica, uma das bases do
nosso português. Se
chamamos nosso irmão
menor de “caÁula” em vez
de “benjamim”, como em
Portugal, é por infuência
deles.

MoçaMbique

28 DesenhanDo um Continente

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