Dossiê Superinteressante - Edição 398-A (2019-01)

(Antfer) #1
34 Desafios Da liberDaDe

estava a Nordeste, a 450 quilômetos
dali, onde Speke chegou em 30 de julho
de 1858 – Burton, fraco demais, fcou
acampado pelo caminho. Lá, encontou
o maior dos lagos africanos, ao qual
decidiu dar o nome da então rainha
de seu país: Vitória. O lago é formado
por dois rios que são as verdadeiras
origens do Nilo.
Speke não viveu para ter sua des-
coberta confrmada. Burton, que nada
viu, discordou dos métodos do colega
e, convertdo em rival, argumentou que
a expedição não era uma comprovação
defnitva. Em 1864, com a Real So-
ciedade de Geografa da Grã-Bretanha
estremecida pelas discussões entre
os dois, Speke acabou dando um tro
em si mesmo durante uma viagem
de caça para o interior da Inglaterra.
O episódio nebuloso foi considerado
um acidente pelas autoridades, mas
Burton passaria anos dizendo que seu
oponente havia se suicidado por temer
um debate público ente os dois que
estava marcado para o dia seguinte.
No fm, Speke estava certo mesmo.
Quem confrmou que o Lago Vitória
era o local onde o Nilo se tornava um
rio foi outo explorador britânico, o
jornalista galês Henry Morton Stanley,
uma década mais tarde.
Stanley viria a se tornar um dos
maiores nomes da era “romântica”
das expedições ao coração da África.
Romântca, evidentemente, aos olhos
dos europeus: sob o pretexto de acu-
mular conhecimentos geográficos
sobre áreas remotas e “selvagens”, o
que os monarcas e investdores que
mandavam homens destemidos aos
confns africanos realmente queriam
era ter uma noção das riquezas que os
aguardavam por lá. As relações ente
os dois contnentes vinham de muito
longe, e novos pontos do mapa passa-
ram a entar no imaginário europeu
após as Grandes Navegações (leia mais
nas págs.26 a 29), que contornaram a
África pela primeira vez e deram início
a um táfco tansatlântco de negros.
Mas esses velhos contatos eram,
geralmente, litorâneos. Foi o século 19

que abriu caminho para o interior pro-
fndo: ente 1870 e o início do século
seguinte, o contole direto da Europa
passou de cerca de 10% do território
africano para mais de 90% (veja mapa ao
lado). Poucos entenderam esse poten-
cial tão bem quanto o rei Leopoldo 2o,
da Bélgica, que cobriu Stanley de ouro
para desbravar o contnente. Já famoso
por suas viagens, o galês foi contatado
pela Associação Internacional Africa-
na (AIA), fndada por Leopoldo como
uma organização humanitária dedicada
à ciência e à flantopia no contnen-
te, dando um disfarce aceitável para as
intenções menos nobres que guiavam
seus tabalhos. Na prátca, a AIA fn-
cionava como uma empresa privada
que tansformaria grande parte da Áfri-
ca Cental, ao redor da bacia do Rio
Congo, em propriedade pessoal do rei.
A conquista do Congo, uma área
de difícil acesso, ainda hoje coberta
por uma densa foresta topical úmida,
removeu o últmo grande mistério afri-
cano. E provocou uma corrida ente as
potências europeias para aumentar suas
zonas de infuência no contnente. Até
mesmo o Império Alemão, um dos me-
nos envolvidos na área, intensifcou sua
presença. Era uma versão colonialista de
uma doutina que já estava em prátca
na própria Europa: para evitar grandes
guerras que arrasariam os seus países,
era preciso garantr um equilíbrio de
poderes. De acordo com esse pensamen-
to geopolítco, nenhuma nação deveria
contolar um território muito maior que
nos demais ou possuir recursos supe-
riores – um legado do tauma vivido
pelo contnente durante as conquistas
de Napoleão, 70 anos antes.
Agora, para manter o delicado
equilíbrio, a divisão da África deveria
seguir os mesmos critérios, tentando
balancear a ganância das várias partes
envolvidas. O próprio Congo foi um
dos centos da disputa: além da Bélgica,
a região era desejada por Portgal, que
alegava ter direito sobre o território
por conta de velhos acordos frmados
com a Espanha e a Igreja Católica, e
pela França, que enviou seu próprio

Bôeres
Descendentes de holandeses que
colonizaram o sul africano, eles vi-
viam no Estado Livre de Orange e no
Transvaal, áreas que passaram ao
controle formal britânico. Os bôeres,
porém, resistiram em duas guerras.
O que viria a ser a atual África do Sul
só se organizou em 1910, obtendo
sua independência em 1931.

Derviches
Liderados pelo líder religioso
Mohammed Hassan, os muÁul-
manos da Somália fzeram longa
resistência armada para combater
os colonizadores britânicos e
seus aliados etíopes. O Estado
Derviche nunca foi reconhecido,
mas manteve certa autonomia
até 1920, quando Hassan morreu
de malária logo após uma grande
derrota, e as tropas se dispersaram.

Marrocos
Os alemães usaram o país como
campo de testes para ver até
onde ia sua infuência na África.
O Marrocos havia virado “francês”,
mas, na prática, seguiu autônomo.
No início do século 20, o kaiser
Guilherme 2o deu discursos em
prol da independência marroquina,
gerando duas crises que só foram
resolvidas em 1912. Acabou virando
um protetorado franco-espanhol
até a independência em 1956.

Domínios


Difíceis


As fronteiras artifciais
não foram aceitas
pacifcamente. Indo
para o embate, alguns
povos mantiveram certa
autonomia por mais tempo.

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