Dossiê Superinteressante - Edição 398-A (2019-01)

(Antfer) #1
Na década de 1990, a África parecia
querer mais democracia. Uma série de
países, como o Congo, permitiram a
criação de novos partdos, por pressão
popular. No fm das contas, os governan-
tes se mantveram no poder – não só por
fraude nas urnas, mas também por terem
enriquecido ao longo dos anos e possu-
írem dinheiro sufciente para comprar
votos e investr em suas campanhas. “A
gente precisa considerar também que a
cultra africana é diferente. A vinculação
e identfcação com os líderes é muito
importante. Por isso, os governos tam-
bém se mantêm por anos”, diz Analúcia
Danilevicz, coordenadora do Cento Bra-
sileiro de Estdos Africanos.
A vida econômica do contnente vol-
tou a crescer nos anos 2000, quando a
China entou no jogo. Interessada no pe-
tóleo, cobre, alumínio, minério de ferro,

cobalto, diamantes, madeira e urânio, o
país tocou o acesso à matéria-prima afri-
cana por investmentos em infraestut-
ra. A África teve um boom de estadas,
refnarias e ferrovias. De 2000 a 2010, o
comércio ente os países do contnente
e a China cresceu e chegou a US$ 115
bilhões (leia mais nas págs. 60 e 61).
Mais uma vez, as elites se aproveita-
ram do momento para enriquecer ainda
mais. Com um agravante: guerras se in-
tensifcaram na tentatva de contolar as
matérias-primas cobiçadas pela China.
“Os confitos na Nigéria aumentaram
ainda mais quando o PIB do país ul-
tapassou o da África do Sul. O (grupo
radical) Boko Haram defende o discurso
de islamização, mas seu interesse é nos
recursos”, explica Danilevicz. “Embora
tente se organizar, assim como acon-
tece na Etiópia, Marrocos e Quênia,

não parece haver a coesão nacional na
Nigéria que existe nos países do Sul”,
completa Barbosa.
Nem todo país africano, no entanto,
sofre com as mesmas tensões. Botsuana
e Senegal são democracias estáveis há 50
anos. A qualidade de vida dos habitantes
da África Austal, no sul do contnente,
que se benefciou do comércio com a
China, também tem melhorado. “Existe
um poder nacional mais coeso em vários
desses países, por conta da relevância
dos antgos partdos que lideraram os
processos de descolonização, como
no Zimbábue, Angola, Moçambique,
Zâmbia, Tanzânia e África do Sul”, diz
Barbosa. “Isso não quer dizer que todos
os problemas africanos estão sendo re-
solvidos. Mas pelo menos existem ali
elites dirigentes que podem fazê-lo se
assim o quiserem”, conclui.

Paul Biya
Camarões, desde 1982

O camaronês comeÁou
a carreira política
ainda nos anos 1960.
Passou de cargo em
cargo até chegar, em

1975, à nomeaÁão
de primeiro-ministro,
que, anos depois, seria
considerado o sucessor
do presidente. Em 1982,
Ahmadou Ahidjo aban-
donou a presidência,
deixando o cargo para
Biya. Ele permitiu o plu-
ripartidarismo e convo-
cou eleiÁões, suspeitas.
Conhecido por hábitos
luxuosos, Biya passa

meses em um hotel
cinco estrelas da SuíÁa
com a esposa – um ul-
traje em um país onde
um terÁo da populaÁão
vive com menos de
R$ 10 por dia. Apesar
das críticas, Biya mudou
as regras eleitorais, aca-
bando com o limite de
reeleiÁões, e conquistou
o sétimo mandato em
outubro de 2018.

Teodoro
MBasogo
Guiné Equatorial,
desde 1979

O país vivia em guerra
sob o regime de Fran-
cisco Nguema, tio de
Teodoro. Suspeita-se

que Nguema fosse um
psicopata: quase um
terÁo da populaÁão foi
morta na sua gestão.
Teodoro decidiu dar
um golpe de estado
sangrento e jogou o
tio num tribunal – foi
condenado à morte.
Teodoro fez uma
reforma política e
libertou opositores.
Mas, segundo a ONG
Human Rights Watch,

corrupÁão e repressão
são a base do governo.
Mbasogo acumulou
uma fortuna – a Guiné
é o terceiro maior
exportador de petróleo
da África. Segundo a
revista Forbes, tem um
patrimônio de cerca de
US$ 600 milhões. Mas
manteve a populaÁão
na pobreza – 20%
das crianÁas morrem
nem todos antes dos 5 anos.

os países


sofrem com


as mesmas


tensões.


botsuana


e senegal,


por exem-


plo, são de-


mocracias


estáveis há


50 anos.


52 Desafios Da liberDaDe

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