África do século 21 59
No início dos
anos 1990, a
Autoridade Ni-
geriana de Te-
levisão (NTA)
cancelou diver-
sas telenove-
las para cortar
gastos. A emissora ofcial era então a
maior produtora de entetenimento
do país, e a decisão deixou a classe
artístca alarmada. Não seria fácil viver
de TV em meio à recessão econômica
e às polítcas do governo militar de
Ibrahim Babangida, que depôs o tam-
bém general Muhammadu Buhari em
- Foi aí que o cineasta Kenneth
Nnebue teve uma ideia: chamou o di-
retor Chris Obi-Rapu e outos nomes
da NTA para flmar, em 1992, o longa-
metagem Living in Bondage (Vivendo
no Catveiro, em portguês).
O projeto contava com um orçamen-
to de US$ 12 mil, que mal cobria os
custos de produção, o roteiro estava em
igbo (umas das mais de 500 línguas fa-
ladas na Nigéria), e a distibuição usava
ftas VHS baratas. No papel, a aposta
tnha tdo para dar errado. Mas o flme
caiu no gosto dos nigerianos e vendeu
mais de 500 mil cópias em poucas se-
manas. Inspirada na façanha de Nne-
bue, toda uma geração de entsiastas
se aventrou na sétma arte, mesmo
com pouca grana e experiência. Assim
nasceu a meio artesanal, meio novelei-
ra Nollywood, que lança em média 1,2
mil títlos por ano. Nesse quesito, é a
segunda maior indústia cinematográ-
fca do mundo, à frente de Hollywood
e atás da indiana Bollywood.
O relatvo sucesso desse modelo de
cinema é o resultado de uma mistra de
fatores. Os flmes nigerianos se valem
de gêneros populares, como a tadição
do teato itnerante iorubá, e extaem
seu conteúdo de histórias urbanas de
romance, riqueza, bruxaria. A forma
mais comum de encontar as produ-
ções é em VHS, CDs ou DVDs, vendi-
dos em pacotes de até oito vídeos por
US$ 4. Como capítlos de telenovelas,
as cenas são preenchidas com diálogos
longos, o que barateia os custos de pro-
dução. Os nigerianos produzem cerca
de 50 flmes toda semana, conforme
um relatório de 2014 da consultoria
2010
Ijé – The journey
de Chineze Anyaene
- Nigéria
O flme conta a história
de Chioma, que vai
aos EUA ajudar sua
irmã Anya, acusada
do assassinato.
Uma das atrizes é a
aclamada Otomola
Jalade, que já atuou
em mais de 300 flmes
de Nollywood e tem
mais de 3 milhões de
seguidores no Twitter.
2003
A esquIvA
de Abdellatif Ke-
chiche - Tunísia
Vencedor de quatro
prêmios César em
2005, o flme conta
a história de um
grupo de jovens com
diferentes origens
étnicas que moram na
periferia parisiense.
PricewaterhouseCoopers.
É claro que nem a projeção de
US$ 250 milhões arrecadados por
Nollywood para 2018 chega aos pés
dos americanos. Só o flme Avatar, por
exemplo, fatrou US$ 2,7 bilhões em
bilheteria. Mas os cineastas da Nigé-
ria conseguiram fazer o que ainda dá
muito tabalho no Brasil: convencer a
população a ver seus flmes e apoiar a
cultra local.
A cena cult
Os cineastas de Nollywood não são
os primeiros da África nem os mais
aclamados pela crítca. Um dos idea-
lizadores do cinema africano foi, na
verdade, o senegalês Ousmane Sem-
bène, que ajudou a consolidar o movi-
mento cinematográfco das ex-colônias
francesas. Fundado em 1969, o Festval
Pan-Africano de Cinema e Televisão de
Ouagadougou (Fespaco), em Burkina
Faso, é a principal vitine dessa escola.
A maioria desses produtores, porém,
ainda é dependente dos recursos fnan-
ceiros e técnicos da França. Em fnção
disso, alguns dos maiores nomes do
cinema franco-africano acabaram mi-
grando, como é o caso do tunisiano
Abdellatf Kechiche e do mauritano
Abderrahmane Sissako, ambos ven-
cedores no Festval de Cannes.
Em Moçambique, a sétma arte tem
um brasileiro ente seus destaques. Em
1977, o gaúcho Licínio Azevedo chegou
ao país a convite do recém-empossado
governo local e acabou fcando por lá.
O então jornalista de 26 anos queria
acompanhar de perto os movimentos
de independência africanos. Inicial-
mente, Azevedo tabalhou no Insttto
de Cinema de Moçambique, onde es-
creveu seus primeiros roteiros ao lado
de cineastas como Ruy Guerra, um dos
mestes do Cinema Novo, e os fran-
ceses Jean Rouch e Jean-Luc Godard.
Contário à postra colonizadora, o
estlo de direção de Azevedo prioriza
a fala espontânea dos personagens e
usa cenários reais com sons natrais.
Ele também produziu alguns dos mais
aclamados documentários sobre a ex-
periência pós-colonial e pós-guerra
civil moçambicana, como A Árvore
dos Antepassados (1994) e A Guerra da
Água (1996).
fotos reproução, divulgação
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